domingo, 27 de setembro de 2015

MISSÃO INACABADA



          Numa apresentação feita para a Universidade Católica que denominou "Portugal depois da crise financeira: Missão inacabada", o representante do FMI em Portugal,que cessa funções no final deste mes, afirma que "o programa (referindo-se ao memorando de entendimento) teve um bom começo mas tem de ir mais além", acrescentando que "as reformas estruturais têm de continuar". Ele di-lo sem rebuço nem disfarce:"as reformas melhoraram a situação mas não chegam. Há ainda muito que fazer na melhoria da gestão nos sectores publico e privado. Só assim se poderá pôr a economia a crescer de modo sustentável e a criar emprego,sobretudo para os trabalhadores de baixa qualificação, os mais afectados pelo desemprego e que constituem a maioria." É a tarefa que ele considera como o "desafio numero um" do próximo governo, seja ele qual for.
          Para o FMI,"numa economia onde não se fazem reformas estruturais para reduzir os custos de contexto e em que os custos salariais ascendem a 20 ou 30% do total dos custos das empresas, a economia só se pode ajustar à crise (combater a crise, diria eu sem eufemismos) despedindo, para eventualmente contratar depois a salários mais baixos." Continua depois dizendo que " para criar emprego a sério e estreitar a convergencia com a União, Portugal tem de crescer pelo menos 2,5 a 3%; crescer 1,5 ou 2% é bom para uma economia que esteve estagnada tanto tempo, mas não é uma meta muito ambiciosa."
          A explicação para o débil crescimento portugues, ainda por cima em circunstancias tão favoráveis (baixo preço do petróleo, baixo valor do euro em relação ao dólar, baixas taxas de juro do BCE), é, para o FMI, "o alto endividamento das empresas (que arrasta o desemprego) e a falta de competitividade. São precisas novas empresas para exportar numa escala maior. A velha visão dos sectores transacionáveis e não transacionáveis está ultrapassada. Hoje exporta-se educação, saúde, transportes, serviços financeiros e até construcção civil, sectores onde Portugal tem vantagens competitivas."
          Um inquérito feito este ano a empresas portuguesas pela representação do FMI sobre o impacto das reformas apontava precisamente essa urgência: mais eficiência na Administração central e nos tribunais (civeis,do trabalho, administrativos e fiscais) e pagamento a horas em todos os escalões publicos (central, local e empresas).
         Segundo o FMI, houve muitas coisas que não resultaram conforme era esperado: a qualidade do ajustamento orçamental foi a primeira delas, isto é, a relação corte nas despesas versus aumento de impostos. O aumento destes foi muito maior do que o previsto. Outra coisa que não funcionou foi o desenvolvimento do mercado laboral, isto é, o disparar do desemprego, que tambem não estava previsto. Isto ocorreu por causa do elevado nível de endividamento das empresas, escondido debaixo do tapete dos balanços bancários. São mais de 100 mil as empresas nestas condições, pequenas e micro, que aliam o sobre-endividamento à baixa produtividade e que empregam mais de 500 mil pessoasdo total do emprego proporcionado pelas empresas. "Esta não é tarefa para o FMI; é uma tarefa para quem cá está" conclui o relatório do FMI.
          E o que têm sobre isto dito os partidos que concorrem às eleições do próximo dia 4 de outubro? Para o PS - que arvorou em bandeira eleitoral o fim da austeridade como tem sido interpretada pela coligação no poder - o que há que fazer é aumentar o consumo interno, proporcionando às pessoas mais dinheiro disponivel através de aumentos salariais e de crédito e devolvendo impostos e taxas cobrados "para além do exigido pela troika". Para os partidos "fora do sistema", o que há a fazer é sair do euro (e da União europeia) e começar tudo de novo como se não tivesse havido crise. Só a coligação parece estar ciente das dificuldades que a estabilização económica acarreta, mas, ainda assim, com demasiado optimismo provocado pela exaltação dos escassos resultados conseguidos.
         Será que, na ausencia duma verdadeira revisão constitucional propiciadora de condições objectivas para uma completa reforma do Estado que evite a intervenção castradora do tribunal constitucional, a coligação sem maioria terá condições para fazer sair Portugal deste buraco sem fundo onde caimos?

                                          ALBINO ZEFERINO                             27/9/2015
         

domingo, 6 de setembro de 2015

O FUTURO DA EUROPA


         Muito se tem dito e escrito sobre este candente tema, tanto na Europa como fora dela. E isto é explicável. Criada no rescaldo da 2ª GG que já lá vai há mais de 70 anos, a Europa dos nossos dias (que hoje se denomina União europeia) não é mais a Europa que saiu duma guerra devastadora e que conseguiu subsistir no topo da civilização graças à ajuda norte-americana (da qual a OCDE e a NATO são respectivamente as organizações visiveis dessa ajuda), mas sim um conjunto de países geograficamente vizinhos uns dos outros que se confrontam diariamente entre si sobre as suas relações e sobre as suas posições face aos problemas com que o mundo de hoje está confrontado e que pouco ou nada têm que ver com a conjuntura existente no final da 2ª GG. A grande preocupação há 70 anos era saber como sair do estado decrépito em que nazis e aliados deixaram a Europa depois de se tentarem extreminar uns aos outros. Hoje recuperada, a Europa debate-se com problemas não menos graves e candentes do que os daquela altura, sem solução aparente e duradoura que possa justificar a sua existencia como uma verdadeira união de Estados.
         A Europa do Tratado de Roma nasceu da preocupação dos seus principais lideres em evitar lutas e confrontações entre europeus que pudessem conduzir de novo o continente à miséria e ao subdesenvolvimento. Mas à medida em que a Europa se ia desenvolvendo como tal, começaram a surgir os desentendimentos entre os seus membros para cuja solução (ou adiamento) a Europa (ou os burocratas que a representam aos olhos dos europeus) ia recorrendo com a negociação permanente que passou a ser a técnica que ainda hoje é utilizada para a gestão dos assuntos europeus. Daí o surgimento dos chamados Conselhos europeus (que regra geral eram bi-anuais e informais) e que hoje se reunem por tudo e por nada e sem os quais a UE não desenvolve. Assim se passou a Maastricht, a Schengen, a Nice, a Lisboa e aos sucessivos alargamentos que, se por um lado faziam parte do processo de consolidação europeu, por outro, serviam para esconder na multidão de aderentes os diversos problemas que visões distintas das coisas tinham criado entre os Estados membros.
         Até que se chegou ao fim do ciclo, que muitos situam na queda do muro de Berlim (ou menos prosaicamente, na falência do sistema marxista na condução dos assuntos de Estado) e outros na viragem do século. Seja qual for o momento escolhido, o certo é que a União europeia sofreu um enorme abalo quando se verificou que não estava preparada para fazer face ás crises que a abalaram. O desaparecimento do inimigo comum que ideologicamente unia os Estados membros e a constatação de que a zona do euro precisava de mais alguma coisa do que a simples circulação comum da mesma moeda numa determinada área geográfica, mostraram aos europeus e ao mundo as debilidades estruturais dum projecto virtuoso mas utópico, que está inacabado e susceptivel de vir a revelar inacapacidades de prosseguir na senda do que os seus fundadores deixaram expresso.
         Receio bem que o aparecimento do problema migratório resultante das facilidades consagradas em Schengen (e ainda não equacionado sequer) antes da resolução completa e definitiva da crise do euro, possa vir a comprometer definitivamente o único caminho possivel (eu não vejo outro) para que a União europeia e os seus Estados membros possam continuar a usufruir de um estatuto civilizacional superior e constituam o exemplo de vida que os outros povos procuram quando chegam a dar as suas vidas para se instalarem na Europa.
        Sem uma clara definição das regras que presidirão no futuro aos destinos da UE (alargamento das politicas comuns, gestão comum de recursos, tomadas de posição unas e inequivocas face aos mais importantes problemas mundiais, v.g. representação única no CSNU, etc. etc.) e até distintos graus de integração consoante as matérias em jogo, serão para mim instrumentos indispensáveis para que o futuro da Europa se apresente risonho aos nossos olhos e não cada vez mais turvo e nebuloso.


                                       ALBINO ZEFERINO                       6/9/2015