terça-feira, 22 de novembro de 2016

O ESTRETOR DAS ESQUERDAS


          Com a recente eleição presidencial americana começaram a surgir no horizonte mediático (sobretudo nas redes sociais cada vez mais frequentadas) laivos de extremismo direitista (na América chamam-lhe alt-right) que põem simplesmente em causa a existencia dos principios que regem as actuais democracias (direitos humanos, liberdades e garantias essenciais) herdados da Revolução Francesa de 1789: Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Liberdade de viver livremente, igualdade de oportunidades para todos e fraternidade entendida como solidaridade entre todos os homens e mulheres.
          Paradigmas das esquerdas, foram estes principios divinizados como constituindo a base que legitimava a acção de qualquer organização politica (nacional ou internacional) que pretendesse intervir na condução dos destinos da Humanidade. Assim surgiu a carta das Nações Unidas, a Declaração universal dos Direitos Humanos e a maioria das Constituições politicas dos Estados ou os pressupostos dos Tratados internacionais. Foi tambem nesta base que se constituiu a União europeia, a NATO e todas as organizações delas decorrentes. Nasceu assim o "politicamente correcto" como fronteira para alem da qual deixava de ser socialmente aceitavel (porque perigoso) qualquer expressão ou manifestação de vontade politica.
          A falência do comunismo no final do século passado e a ausencia de alternativa às democracias instituidas no Ocidente, veio porem por em causa valores nunca antes contestados (por gente considerada séria, entenda-se) dando origem a expressões ou manifestações mais ou menos violentas por parte de grupos inicialmente desorganizados e depois progressivamente refens de ideologias que se diziam defensoras da liberdade e da justiça social. Foi assim que surgiram os movimentos libertários da África do Norte, que mais tarde desaguaram na Al-Qaeda e depois no ISIS e que hoje cristalizaram na Siria (mas metastizando para o resto do mundo como um cancro mortal) e foi assim que se deu inicio (sobretudo a partir do "nine eleven") a uma nova era da civilização que aparece hoje como inevitável.
          A reacção a esta brutal transformação da realidade socio-politica do pós-guerra desatou as consciencias (sobretudo as mais irrequietas dos jovens desesperados pela ausencia de oportunidades de vida que enfrentam) que, tal como em Maio de 1968, em Paris, começaram a aderir a tudo o que fosse incorrecto, ou "fora da caixa", como hoje se diz. Ora esta rebeldia parece estar a chegar ao fim. A chegada ao poder democraticamente de forças (ou de ideias) outrora banidas por incorrectas politicamente, parece indicar a instalação de um movimento imparável que virá destruir "slogans" e principios considerados imutáveis sobre os quais assentavam as democracias ocidentais e por isso eram considerados intocáveis e invioláveis. Os governos nacionalistas hungaro e polaco, a persistencia de Putin na governação musculada da nova Russia, a ressureição vingativa de Erdogan na Turquia, a evicção vergonhosa da terrorista Dilma no Brasil, a queda estrondosa da esquerdista Kirschner na Argentina, as mudanças inevitáveis na eterna revolução cubana, o estretor criminoso do chavismo na Venezuela e sobretudo e essencialmente a eleição de Trump nos Estados Unidos da América, são factos indesmentiveis deste processo transformador á escala mundial.
          A Europa tambem não pode escapar a este arrebatador destino. Origem e fonte da democracia como conceito e como forma civilizada do exercicio do poder, a Europa (hoje transformada numa União que ainda não o é efectivamente, mas que tambem não deixa de o ser completamente) está a atravessar talvez o seu mais dificil momento desde a sua fundação. Refiro-me ao Brexit, lança espetada no coração da Europa germanizada pelos temiveis anglo-saxões orgulhosos da sua vitória sobre os "boches" em 39/45 e determinados em mostrar que quem manda no Reino Unido são eles e não os burocratas de Bruxelas (e de Berlim). A forma como o Brexit for negociado, as condições dadas aos ingleses para que não "deixem cair" o processo integrador europeu (apesar do Brexit) e a forma como os alemães contenham os estragos provocados pelo Brexit, serão os elementos determinantes e decisivos para a ressurreição da UE como entidade federadora e integradora duma Europa que só sobrevivirá como tal num contexto global. O regresso aos nacionalismos, de esquerda ou de direita, não será bom para a UE, nem para os seus Estados membros. A esquerda ainda não viu o perigo e a direita está convencida que o poderá conter. A ver vamos!

                 ALBINO  ZEFERINO                                                                    22/11/2016
         
         
         

sábado, 12 de novembro de 2016

NÃO HÁ MAIS VIDA PARA ALEM DA TROIKA


          Ao contrário do que queria fazer crer o Presidente que inventou esta charada, não há mais vida para o faltoso do que penar pela sua falta. Assim o diz a lei e assim o impôe a moral. Não conheço nenhuma sociedade, nem nenhuma crença organizada que defenda que o crime compensa ou que a falta deva ser perdoada. É certo que a religião católica redime o pecador na absolvição, mas mesmo assim obriga-o a pedir convictamente o perdão pelas suas faltas.
          A famosa fábula de La Fontaine da cigarra e da formiga ensina aos miudos a predominancia da poupança sobre o gasto. Aquele que poupa e trabalha como a formiga deve prevalecer sobre o que só goza e gasta como a cigarra. É o fundamento moral da lei que obriga o devedor a pagar as suas dividas sob pena de sanção. De contrário, seria a anarquia e a libertinagem sobre a ordem e o progresso, a injustiça e a lei do mais forte sobre a justiça e a equidade, ou o mal sobre o bem. Quem prevarica tem que ser responsabilizado. Quem deve tem que pagar. Quem fere deve ser condenado. Quem mata e quem rouba deve ser preso.
          Sem fundamentalismos, não creio que se possa legitimamente defender o não pagamento das dividas baseado em razões de natureza ética ou politica. Que o digam as Finanças que não perdoa um dia de atraso nas exigencias (leoninas) aos exangues contribuintes na cobrança dos impostos, ou os Tribunais no cumprimento escrupuloso das sentenças (por vezes iniquas) que os por vezes incompetentes e venais juizes produzem sem critério. Por vezes apetece incumprir. Mas quando esse desejo é alicado por ditames provocados por politicos que usam a demagogia para encobrir a verdade, então entramos por maus caminhos. Caminhos tortos, caminhos com cada vez mais escolhos e caminhos que conduzem à perdição e à submissão.
          Embora haja muitos reponsáveis politicos (e não só) que continuem a defender que Portugal só se redime quando recusar pagar aquilo que deve aos credores (sejam eles quem forem, portugueses ou estrangeiros, Estados ou particulares, bancos ou sociedades financeiras), o certo é que enquanto não pagarmos o que devemos não poderemos voltar a levantar cabeça, ou seja mandar efectivamente no que é nosso (ou no que julgamos ser ainda nosso). Por essas e outras semelhantes, muitas cabeças já rolaram. Quem não se recorda do célebre Gomes Freire de Andrade (até rua tem em Lisboa) que perdeu a cabeça e a vida no sec. 19, quando encabeçou uma revolta contra o opressor ingles que mandava na altura em Portugal, incapaz de se governar para pagar a divida aos ingleses, que ficaram com tudo o que era bom em Portugal (serviços publicos, vinho do Porto e texteis)?
          E para pagarmos o que devemos, teremos que seguir à risca o que os credores nos disserem. O PM Costa e o PR Marcelo já perceberam isso e por isso estão muito amiguinhos. Mas a malta, aliciada pelos esquerdistas a quem deram palco, não está ainda convencida disso. Será preciso um abanão para que os tugas percebam onde os meteram. Não creio que Passos (já sem Portas) tenha estimulos suficientes para isso. Mas talvez quem lhe suceda no comando das hostes laranjas possa dar uma mãozinha ao Costa para, com a ajuda de Marcelo, traçar com a UE (já sem os esganados bloquistas e demais comunistoides à perna) um projecto a longo prazo para pagamento da enorme divida portuguesa (publica e privada) a troco duma reforma do Estado e das instituições portuguesas, de forma a adequar o país aos novos tempos que se aproximam e para os quais os portugueses não estão minimamente preparados.

                 ALBINO ZEFERINO                                                                12/11/2016

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

O ADMIRÁVEL MUNDO NOVO


          Contra todas as expectativas, Trump ganhou esta madrugada as eleições presidenciais americanas. Não foi uma vitória da democracia. Foi uma derrota. Embora ganhando a maioria dos representantes ao colégio eleitoral através do voto livre de todos os americanos que se quiseram exprimir, a democracia como a conhecemos e idealizamos saiu derrotada. Não por terem corrido mal as eleições ou por qualquer obstáculo que tivesse entravado o normal desenvolvimento do processo eleitoral. A democracia perdeu porque não conseguiu produzir um candidato suficientemente forte e credivel para que a maioria dos eleitores votasse nele. Trump não é manifestamente democrata no sentido ideológico do termo. Trump é sobretudo um populista, que conquistou o coração e a vontade da maioria dos americanos, impondo-lhes as suas ideias através da sua personalidade forte e cativante. Hitler fez o mesmo em 1933 e Mussolini tambem se impos aos italianos da mesma forma em 1921.
Para a juventude de hoje, vale mais a verdade por muito inconveniente que seja, do que o politicamente correcto, por muito correcto que esteja.
          Tal como Aldous Huxley previu no seu "Admirável Mundo Novo", estamos hoje no dealbar de um mundo novo, cheio de imprevistos de inesperadas consequencias. A eleição de um presidente americano fora do sistema consagrado na sacrossanta Constituição (os seus eleitores não foram apenas os republicanos, mas sim todos aqueles que se opuseram ao sistema politico vigente, baseado em negociatas e compromissos a que os americanos chamam lobbies e que desvirtuam a verdadeira essencia da democracia) vai ter certamente consequencias na politica mundial. O que ocorre na América tem sempre reflexos no resto do mundo. Foi assim recentemente na crise financeira mundial e vai ser assim na crise politica que a eleição de Trump vai desencadear.
          Algumas manifestações desse mundo novo que nos espera já estão à vista: a crise da Europa desunida e a crise dos refugiados nessa mesma Europa. Um e outro destes fenómenos estão a destruir um projecto virtuoso (tal como o bloco soviético foi para os comunistas europeus) nascido no pós-guerra, sobretudo para evitar nova catástrofe humanitária, económica e politica. Esse projecto, que ainda existe mas que Trump vai desintegrar a prazo, está já nos seus estretores com as eleições dos governos populistas hungaro e polaco e a próxima esperada vitória de Le Pen em França. Por outro lado, o Brexit e as derivas populistas holandesas e alemãs vão contribuir tambem para o aprofundamento da crise europeia e a sua posterior desintegração, com as consequencias nefastas que provocará no continente europeu. Putin já anteviu este cenário e os chineses tambem.
          Fora da Europa, tambem o mundo está em mudança. No Brasil, na Argentina, na Venezuela e em Cuba, os ares estão a desanuviar. Na China e na Turquia, as lideranças estão em afirmação acentuada. Só no Médio Oriente as coisas ainda não se compuseram. Mas não será com Trump que se comporão. O novo presidente norte-americano vai privilegiar as relações com os vizinhos (We want America back). México, América do Sul e Canadá serão as suas prioridades. A Europa será americana através do Brexit, mas só depois dele. Putin que se ocupe entretanto do Leste, como pretende.
         O mundo novo de que nos falava Huxley está em marcha. Trump é apenas um sinal. Mas um sinal importante, como tudo o que vem dos EUA.

                    ALBINO  ZEFERINO                                                    9/11/2016

terça-feira, 1 de novembro de 2016

A CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS


          Muito se tem falado nas ultimas semanas da Caixa Geral de Depósitos, primeiro a propósito da sua recapitalização e depois a respeito dos ordenados milionários que os seus novos gestores vão usufruir. Mas será mesmo assunto que interesse à generalidade das pessoas? É claro que sim, pois toda esta polémica se insere na velha discussão sobre se faz sentido nos dias de hoje que o Estado detenha a propriedade do maior banco nacional.
          Para os que pensam à esquerda, o Estado deveria não só ser proprietário da Caixa, como da generalidade da banca em Portugal. Segundo eles, o negócio bancário é demasiado importante e envolvente dos interesses do país, que não deverá ser deixado em mãos particulares (ou privadas). Sendo a banca privada, a intervenção do Estado na Economia fica reduzida e facilita as moscambilhas de que a recente queda do chamado grupo BES/GES é o exemplo mais flagrante. Mais ainda! Não estando em mãos privadas, a banca não poderá ser vendida ou cedida parcialmente em bolsa a entidades estrangeiras (como hoje acontece com a maioria da banca portuguesa).
          À direita pensa-se precisamente o contrário. O negócio bancário é um negócio como outro qualquer e ao Estado não compete fazer negócios (ou seja, buscar lucros). A angariação de recursos para cobrir as despesas com as actividades do Estado deve resultar apenas da cobrança dos impostos e de mais nenhum outro lado (seja de empréstimos, seja da intervenção em quaisquer actividades comerciais ou lucrativas) . De quanto menos actividades o Estado estiver incumbido, menos recursos necessita e portanto menos impostos tem que cobrar. É a velha permissa: menos Estado, melhor Estado.
          Em Portugal, porque somos contemporizadores e nos vangloriamos disso, fomos buscar uma zona intermédia, cinzenta, sem ser carne nem ser peixe, uma espécie de neutralidade activa que consiste em abrir a banca em geral às regras do mercado (onde juridicamente nos inserimos desde 1986) mas conservando prudentemente a Caixa Geral de Depósitos nas mãos do Estado para poder intervir na Economia quando nos apeteça. Esta originalidade lusitana está porem a desgastar a paciencia com que os nossos compadres europeus nos olham ultimamente e a prejudicar, a meu ver, a desejada recuperação económica inicada pelo governo Passos e inusitadamente travada pelo governo actual. E porquê? Porque, com a Caixa nas mãos do Estado, desvirtuamos a liberdade do mercado, a
livre concorrência entre bancos e adulteramos o principio da livre iniciativa a que nos vinculamos desde Maastricht.
          A Caixa Geral de Depósitos foi fundada em 1876, no dealbar da expansão capitalista, para proteger as poupanças das classes trabalhadoras contra a ganância dos banqueiros privados, que surgiam como cogumelos na vida económica de então. A sua génese de banco do povo prosseguiu quando mais tarde passou a exercer, simultâneamente com o seu papel de guardião das poupanças populares, o papel de Caixa de Aposentações dos funcionários do Estado.
          Só com a Republica, a partir de 1918, é que a Caixa começou a operar como banco publico (concedendo empréstimos e demais produtos bancários, como faziam os bancos privados) mas sempre submetida às regras aplcáveis aos demais organismos do Estado. Só a partir de 1974, com a aquisição do banco Itaú do Brasil, é que a Caixa passou a actuar no estrangeiro, obedecendo às regras dos mercados onde se ia instalando. Em 1975 abre a sua sucursal em Paris e depois da fusão com o Banco Nacional Ultramarino (tambem por razões politicas) passa a intervir como banco privado nos novos países de lingua portuguesa. Em 1991 (quiçá acompanhando o namoro politico com os espanhois que se desenvolvia nessa altura) resolveu intervir em força no mercado espanhol, comprando um pequeno (e falido) banco privado em Espanha, tendo-se nessa altura tornado empresa publica portuguesa (state-owned public company). A partir de então o seu estatuto permitiu-lhe alargar-se pelo mundo fora e hoje tem agencias, sucursais e bancos subsidiários e companhias de seguros em Espanha, Brasil, França, África do Sul, Timor, E.U.A., Ilhas Caimão, Mexico, Canadá, Alemanha, China, India, etc. etc. passando a ser o primeiro banco portugues.
          A Caixa Geral de Depósitos pratica hoje (como qualquer outro banco comercial) banca de retalho, banca comercial, banca de investimento, gestão de banca privada, crédito especializado e seguros, alem de emitir empréstimos de todo o tipo, fazer intermediação bancária, dar credito hipotecário, emprestimos sindicalizados e outros a pequenas, médias e grandes empresas, incluindo ao governo e a empresas publicas.
           É esta dimensão global geográfica e operativa da Caixa que lhe dá a importancia que hoje se lhe atribui. Tem sido através dela que os sucessivos governos têm intervindo escandalosamente (criminosamente nalguns casos) na actividade económica e financeira portuguesa, financiando projectos de natureza politica de rentabilidade duvidosa e até beneficiando alguns amigos de amigos que pudessem ser uteis aos governos deste ou daquele partido. Desde que o bloco central de interesses se instalou na politica portuguesa que o presidente da Caixa era sempre escolhido pelo partido que estava na oposição, quiçá para evitar que as traficâncias feitas através da Caixa transbordassem para fora do bloco de interesses que mandava em Portugal.
          Conhecendo,como é hoje publico e notório,a má fama que as várias gestões da Caixa deixaram no espirito de muitos portugueses,não é de admirar que a questão da futura gestão da instituição seja motivo de preocupação. Sobretudo quando os salários principescos foram duplicados e os gestores se recusam a ser escrutinados. A questão da Caixa cuja solução foi tão apregoada pelo governo como tendo sido uma grande vitória, revelou-se afinal um enorme tiro no pé, não me admirando que regresse a discussão de não quem deva governar a Caixa mas simplesmente da sua simples extinção.

                  ALBINO  ZEFERINO                                                            1/11/2016