terça-feira, 22 de março de 2016

A TERCEIRA GUERRA MUNDIAL


          Com os recentes atentados terroristas em Bruxelas, os portugas finalmente deram-se conta de que algo está mudando neste mundo para além deles. Foi preciso que a coisa acontecesse em Bruxelas (onde antes da UE ninguem lá tinha posto os pés) para que a lusitanidade sentisse que algo de seu tinha sido tocado.  Hoje não há ratazana que não tivesse já pisado Zaventem, ou que não conheça a place Schumann, ou até o bairro de Molembeck. Em serviço, em férias, visitando a tia emigrada ou por simples curiosidade, não haverá portuga que não reconheça os cantos de Bruxelas. Sentem portanto o atentado com a intensidade propria do atingido. Poderia ter sido com ele se a coisa tivesse rebentado ontem ou no ano passado, quando por lá passou.
          A maioria dos tugas ainda não realizou que a vida (a dele e a dos outros) não passa apenas pela passagem do orçamento do Estado na Assembleia, nem pela substituição do Passos pelo Costa, ou pela entrada dos espanhois em força na Portulândia. O seu futuro joga-se em Aleppo ou nas costas do mar Egeu. A guerra aberta na Siria com as suas vitimas e as sequelas americano-russas, bem como a invasão pacifica da Europa pelos desgraçados refugiados dessas (e doutras) paragens fustigadas pelo horror da guerra provocada pela insensatez dos politicos, ainda não chegou a Portugal. Mas está a aproximar-se. Mais do que os atentados de Paris ou os de Ancara e de Istanbul, os atentados de hoje em Bruxelas calaram fundo no coração e no espirito dos lusitanos. Não foram em Lisboa nem no Porto, mas poderiam ter sido. Pelo menos foram sentidos como tal. Bruxelas, sem ser nossa, tambem nos pertence. É a capital da Europa, onde tudo o que nos diz respeito se decide. A partir de agora a nossa policia será olhada diferentemente. Tal como em Bruxelas, as pessoas de cá terão que se ir habituando às fardas vigilantes, às revistas inusitadas ou às operações stop da GNR.
          Sem uma coordenação eficaz das policias europeias, aliada a uma intransigente fiscalização das fronteiras extra-comuniárias (incluindo aeroportos e portos internacionais) não será possivel conter o crescente aumento de acções terroristas na Europa. Tudo isto obedecendo às mesmas regras e ao mesmo comando. Administração Interna e Justiça têm que ser comunitarizadas, como a politica exterior já o é. Teremos que ir avançando passo a passo na integração europeia. Depois da união bancária impõe-se a união das policias através da criação duma policia federal (á semalhança do FBI norte-americano) para combater eficazmente o terrorismo. E para julgar definitivamente essa malta, terá que haver uma justiça comum, com tribunais comuns, juizes comuns e leis penais comuns. A construcção europeia para não parar durante esta nova guerra terá que se munir de instituições fortes e eficazes que empolguem de novo as suas populações na crença de que, sem uma união forte e determinada, a Europa desaparecerá como referência de vida e como destino privilegiado de novos povos e de novas civilizações.

                 ALBINO  ZEFERINO                                                            22/3/2016

quinta-feira, 10 de março de 2016

O MUNDO A SEUS PÉS


          Qual Citizen Kane de Orson Wells, Marcelo Rebelo de Sousa tomou ontem posse como 20º Presidente da Republica portuguesa.  De inteligencia brilhante e cultura acima da média, Marcelo quiz marcar diferenças com os seus antecessores. Apareceu em S.Bento a pé, como fez Manuel de Arriaga há 100 anos e prolongou a sua posse por Portugal adentro (festa popular em Lisboa, depois no Porto e finalmente em Paris, as tres maiores cidades portuguesas). Recebeu personalidades e amigos na Ajuda e almoçou com os colegas estrangeiros que convidou para o acto. Filipe VI de Espanha representou a inevitabilidade; Junker da Europa, a dependência; Nisi de Moçambique, as origens; Henrique Cardoso do Brasil, a saudade. E mais ainda, a presença destas personalidades definiu as prioridades de Marcelo em termos de estratégia internacional para Portugal: pertença indispensável à UE, defesa permanente da indepedência nacional face à Espanha, ligação institucional à CPLP e de afectos ao Brasil.

          Marcelo Rebelo de Sousa é um misto de Soares e de Sampaio com a cabeça de Cavaco. Tem a natureza inquieta e instintiva de Soares, a cultura e a visão estratégica de Sampaio e o nacionalismo e a inteligencia de Cavaco. Diria mesmo que Marcelo está talhado para o lugar que hoje começa a ocupar. Neste periodo de indefinição substancial que atravessamos, com um governo preclitante e com pés de barro, ameaçados na nossa identidade por uma Europa cercada pelas suas contradições, o novo Presidente terá muito por onde penar e muito onde exercer os seus talentos. Não creio que possamos progredir consistentemente neste mundo globalizado e cada vez mais exigente sem que definamos definitivamente as nossas prioridades e a estratégia possivel dentro das baias em que nos encontramos. Não é com tácticas utópicas e jogos de cintura permanentes que conseguiremos sair do atoleiro em que sócretinos e corruptos associados nos colocaram. Isso era dantes, quando os nossos compromissos com os credores permitiam ainda alguma margem de manobra aos governos portugueses para "èpater le bourgeois". Hoje o povo está mais atento e a governação é feita a descoberto.

          O novo Presidente terá que descer do pedestal cavaquiano e envolver-se mais com as gentes. Tudo isto, é claro, sem ferir as competencias do governo nem da Assembleia. O exercicio da Presidencia já não poderá ser visto como uma espécie de reinação (o Presidente reina e não governa) mas sim como um compromisso com o povo e com o serviço que se espera do Presidente. Creio que Marcelo tem consciencia disto e que irá pautar as suas condutas neste sentido.  Por isso foi eleito pela maioria dos portugueses logo à primeira volta. O contacto com o Zé povinho já não será através das presidencias abertas de Sampaio e de Soares, nem dos roteiros temáticos de Cavaco. Marcelo vai pôr o seu feitio interveniente e desinibido ao serviço da procura de consensos e de compromissos, falando com os diversos intervenientes e tentando persuadir uns e outros no sentido de atingir resultados concretos para problemas concretos. Para isso serve a Presidencia. Não para impedir ou empecilhar o exercicio do poder governativo (o verdadeiro poder que atinge os interesses dos cidadãos) mas para com ele ajudar a encontrar soluções que satisfaçam os interesses nacionais (que não são mais do que os interesses colectivos definidos pela maioria dos eleitores) dentro dos compromissos que o país assumiu. Continuar a eterna luta entre a Presidencia e o governo ou entre a Presidencia e o Parlamento, como infelizmente se tem verificado ultimamente, não parece ser a melhor forma de exercer o mais alto cargo da Nação. Pôr toda a gente de acordo uns com os outros não é possivel em democracia. Mas permitir que uns se voltem contra os outros a pretexto de distintas interpretações dos conceitos enformadores da coisa publica, tambem não é desejável. Há que ter inteligencia e senso comum para conduzir um povo. Não é tarefa para qualquer um. Mas Marcelo tambem não é um homem vulgar.

             ALBINO  ZEFERINO (correspondente diplomático aposentado)             10/3/2016