sexta-feira, 21 de março de 2014

DEMOCRACIA À INGLESA


          A propósito da acção inglesa de controlar a situação na Grécia no rescaldo da retitada das tropas alemãs daquele país em finais de 1944, quando as hordas comunistas tentaram (felizmente em vão) tomar conta daquele depauperado país, Sir Winston Churchill, primeiro-ministro do Governo de Sua Majestade britânica, dirigiu-se à Câmara dos Comuns nos seguintes termos:
          "Aquilo de que nos acusam.....é de usarmos as forças de Sua Majestade para desarmarmos os amigos da democracia na Grécia e noutras partes da Europa e para suprimir os movimentos populares que nos ajudaram corajosamente a derrotar o inimigo....
           A pergunta a fazer, contudo, e permitam-me que me alongue no assunto por alguns momentos, é quem são os amigos da democracia e, também, como se deve interpretar a palavra "democracia"? Para mim, o fundamento da democracia é o homem simples, humilde, comum, o homem vulgar que cuida da mulher e da familia, o homem que luta pelo seu país quando este está em apuros e que participa nas eleições, pondo no boletim de voto uma cruz em frente ao nome do candidato que deseja ver eleito para o Parlamento. É esta a base da democracia. Para que isso possa existir, tambem é essencial que esse homem ou mulher façam tudo isso sem medo e sem estarem sujeitos a qualquer forma de intimidação ou vitimização. Cada um preenche o seu boletim de voto em absoluto sigilio e, depois, os representantes eleitos reunem-se e juntos decidem que Governo, ou mesmo, em tempos de crise, que forma de governo desejam para o país. Se isto é democracia, saúdo-a. Abraço-a. Trabalharia para ela....Estou aqui em resultado de eleições livres por sufrágio universal - e é isso o que eu considero o fundamento da democracia. Os meus sentimentos são completamente diferentes para uma democracia enganosa, uma democracia que se auto-intitula democrática, porque é de esquerda. A esquerda, ou mesmo os comunistas, não têm a exclusividade da democracia. Não permito que um partido ou uma organização se intitule democrática só por recorrerem cada vez mais a formas extremas de revolução. Não aceito que um partido represente necessariamente a democracia por se tornar mais violento à medida que fica menos numeroso.
          É preciso ter algum respeito pela democracia e não usar levianamente a palavra. A coisa que menos representa a democracia é a lei da turba, com bandos de gangsters, munidos de armas mortíferas, a forçarem a entrada nas cidades, a procurarem introduzir um regime totalitário com mão de ferro e a reclamarem, como podem hoje em dia, quando conquistam o poder.  (interrupção e palmas)
           A democracia não se baseia na violencia ou no terrorismo, mas sim na razão, no fair play, na liberdade, no respeito pelos direitos dos outros. A democracia não é uma prostituta para ser apanhada na rua por um homem com uma metralhadora na mão. Confio no povo, na massa do povo, em quase todos os países, mas gosto de me certificar de que é o povo e não um grupo de bandidos que pensam que, pela violencia, podem derrubar a autoridade constituida, em alguns casos Parlamentos, governos e Estados já muito antigos..."
          Apenas 30 deputados votaram contra esta moção. Quase 300 votaram a favor. Foi mais uma ocasião em que a Câmara dos Comuns mostrou a sua força e autoridade duradouras.

                                 ALBINO ZEFERINO                             21/3/2014

sexta-feira, 14 de março de 2014

O PERIGO DA SAIDA DA TROIKA


          Os portugueses são anarquistas. À primeira vista poderá dizer-se que não estou a ser justo com este povo simples, manso, obediente e ignorante. Mas não é verdade. A verdade é que o povo portugues é, além disso, timorato. E o que é ser timorato? De acordo com os dicionários, timorato é aquele que manifesta temor por alguém ou por alguma coisa. E o povo portugues tem-se manifestado normalmente timorato durante a sua longa história, mesmo nos momentos de glória onde ganhou prestigio e fama. Não nos esqueçamos que sempre que algo de grandioso resultou de acções de valor por parte do povo portugues, esse valor nasceu invariavelmente de um seguidismo cego e inconsciente da populaça. Não foi por terem confiado cegamente na audácia de D.Afonso Henriques que os portugueses seguiram o seu dux na conquista da independencia do condado portucalense do reino de Leão? Não foi por terem seguido obedientemente o Condestável, armado e financiado pelos ingleses para uma batalha desigual, que os portugueses sairam vitoriosos em Aljubarrota? Não foi por terem inconscientemente embarcado na aventura do Infante que os portugueses deram novos mundos ao mundo? Não foi por mero acaso que os 40 libertadores aventureiros expusaram a duquesa de Mântua de Lisboa, aproveitando a distracção dos espanhois preocupados com as tentativas independentistas da Catalunha? Não foi pela degradação politico-social dos ultimos anos da monarquia que meia duzia de anarquistas inconscientes implantaram a republica em Portugal? Não foram as sequelas da desastrosa e vergonhosa participação portuguesa na 1ª guerra mundial que determinaram o manso levantamento militar do 28 de maio de 1926? Não foi o cansaço pela guerra do ultramar que deu origem ao movimento dos capitães que arrastou a multidão simples e ignorante para uma alegre anarquia, em 25 de abril de 1974?  Estes e outros exemplos mostram aos mais atentos a personalidade timorata e seguidista do povo portugues, evidenciada nos momentos mais marcantes da sua vida colectiva.
          Os portugueses são timoratos e ao mesmo tempo anarquistas. A anarquia é, como nos ensinam ainda os dicionários, uma situação de desordem e de ausencia de comando que conduz à destruição das instituições politicas e ao caos social. O povo portugues tende sociologicamente para a anarquia e para o livre-arbitrio. Normalmente, os portugueses são recalcitrantes do poder politico e amantes de situações de contestação. Porém o seu carácter timorato coarta-lhes a vontade, impedindo que a sua tendencia anarquista se manifeste em acções colectivas de rebelião contra o poder instituido, sem que alguem ou alguma coisa os motive e os conduza à acção. É sempre preciso que alguem os lidere ou que por eles se responsabilize para que façam algo de concreto ou de objectivo. Os portugueses necessitam sempre de alguma coisa ou de alguem a quem recorrer ou que possa justificar as suas atitudes ou os seus actos.
         Vem isto tudo a propósito do perigo que, a meu ver, representa a saída da troika de Portugal, num momento em que ainda há enormes duvidas sobre a capacidade que Portugal manifesta em manter por si só a sua independencia, face aos desafios que a globalização mundial apresenta, sobretudo relativamente aos países que, como Portugal, ainda não atingiram níveis de desenvolvimento suficientemente sustentáveis e credíveis para continuarem a endividar-se. Foi esta, a meu ver, a grande razão que levou os 70 sábios saloios a produzirem o manifesto sobre a divida publica, que tanta celeuma provocou esta semana nos espíritos lusos. Preocupados com a ausencia de algo ou de alguem sobre quem lançar as culpas dos inconvenientes duma reforma ainda incipiente e inacabada das instituições que regem este pobre país à deriva, os ditos sábios não se lembraram de outra coisa senão de culpar os credores por uma situação criada por eles próprios (e pelos seus seguidores), apregoando que a solução dos nossos problemas consistiria em não pagar atempadamente as nossas dívidas, antecipando os inconvenientes duma eventual situação anárquica que resultaria do aumento descontrolado da dívida publica, que a tornaria definitivamente incontrolável.
          A troika (ou quem ela representa) tem servido a este governo corajoso, mas ao mesmo tempo tíbio, de desculpa para fazer aceitar ao povo portugues, simples e ignorante, as drásticas medidas de austeridade que lhe vem impondo, necessárias para endireitar Portugal das diatribes criminosas que governos anteriores realizaram neste país de brandos costumes e de alegre descontracção.  Acabado o bode expiatório das maldades governativas, receio que a necessária continuação desta politica regeneradora venha a provocar reacções descontroladas neste povo naturalmente anárquico e cansado de tanto sofrer sem entender a razão, que, liberto da sua tibieza congénita por algum indómito libertador do qual Portugal é fértil, nos lance a todos numa profunda crise ainda mais comprometedora para o nosso futuro do que aquela em que os socialistas do Sócrates nos fizeram cair. Deus nos livre de tal inferno!

                                ALBINO ZEFERINO                                14/3/2014
         
         

domingo, 2 de março de 2014

A FRONTEIRA LESTE DA UNIÃO EUROPEIA


          Desde a queda da cortina de ferro na Europa que a UE tem vindo a expandir-se para Leste com a sucessiva integração dos antigos países satélites da U.R.S.S. que, passados os respectivos períodos transitórios de adesão, são hoje membros de pleno direito da União europeia. Quer isto dizer que a fronteira oriental da União europeia tem vindo a deslocar-se progressivamente em direcção à Russia, existindo hoje apenas a Ucrânia a separar os dois blocos.
          Independente desde o sec. X, a Ucrânia foi um país permanentemente cobiçado pelos seus vizinhos, tendo sido sucessivamente ocupada pela Polónia e pela Russia e tendo inclusivamente sido partilhada entre estes seus dois vizinhos durante parte do sec. XVII.  Dada a sua enorme extensão territorial e a fertilidade dos seus solos foi considerada nessa altura como o celeiro da Europa. Após a revolução russa de 1917 e o declinio da Polónia, a Ucrânia foi integrada na União das republicas socialistas soviéticas como um Estado federado. Foi ocupada pela Alemanha durante a 2ª Guerra mundial e novamente integrada na URSS no final da guerra. Na sequência do desmembramento da União sovietica em 1989 foi proclamada de novo a independencia do país, ratificada por um referendo popular em 1991, que obteve 90% dos votos populares. A Russia, não tendo querido cortar completamente os laços de dependencia com a Ucrânia, integrou-a na C.E.I. (Comunidade de Estados Independentes) para assim continuar a exercer influência no antigo Estado membro da extinta União soviética. Na sequência da Revolução laranja de 2005, que impôs a democracia de tipo ocidental na Ucrânia,  verificou-se de novo uma tensão nas relações entre a Russia e a Ucrânia. Dessa tensão resultou a queda do governo de Julia Timoschenko (apoiada pela UE) e a instalação de um governo pró-russo na Ucrânia a partir de 2006.
          O interesse russo na Ucrânia resulta hoje de dois factores estratégicos que são: o controle do gasoduto que atravessa o país transportando o gáz russo para a Europa central, nomeadamente para a Alemanha que dele essencialmente depende (o presidente da importante empresa estatal russa monopolizadora do gáz russo - a Gazprom -  é nem mais nem menos do que o antigo Chanceler alemão Gerard Schroeder) e a manutenção do controle sobre a região autónoma da Crimeia (a sul do país) que confronta com o mar Negro onde está a cidade de Sebastopol, importante base naval russa, sede da esquadra naval russa do Mar Negro. A população da região é de origem maioritariamente eslava, sendo por isso pró-russa. A Crimeia foi território russo até ao fim da 2ª GG quando Kruchev a cedeu à Ucrânia (nessa altura uma republica soviética). Por aqui se pode ver o interesse vital para a Russia em manter o controle da Ucrânia através de um governo pró-russo. Os recentes acontecimentos sangrentos ocorridos na Ucrânia não são assim mais do que a manifestação da vontade da maioria da população ucraniana (2/3 da população não são de origem eslava) no retorno a uma democracia representativa de tipo ocidental que possa levar a Ucrânia a fazer parte da União europeia. Aos russos de Putin não interessa pois que a Ucrânia caia na zona de influência da UE.
          A tensão latente entre a Russia e a UE (acompanhada pelos EUA a quem tambem não interressa o controle russo sobre o gasoduto, nem a liberdade de acção da esquadra russa no mar Negro) agravou-se com estas manifestações populares que foram violentamente reprimidas pela policia do regime pró-russo de Vitor Janukovitch, que se viu forçado a fugir para a Russia perante a sua incapacidade de suster esta onda de descontentamento popular. Estão previstas eleições para breve a fim de encontrar uma forma de poder sair deste impasse. Putin porém não lhe interessa que a Ucrânia regresse de novo à democracia ocidental pois arrisca-se a que os ucranianos votem maioritariamente uma adesão à UE (que seria imediatamente concretizada) perdendo definitivamente as possibilidades de controle do gasoduto e da base naval de Sebastopol, tendo enviado imediatamente tropas russas para a fronteira ucraniana mostrando assim que não rejeita a possibilidade duma invasão militar da Ucrânia. A semelhança entre esta explosiva situação e o ocorrido com o Anschluss de 1938 (a anexação pacifica da Austria pelas tropas nazis) é assustadora. Será que a Europa de hoje reagirá como a de 1938, não fazendo nada? Se não, o que fazer? Impedir pela força a eventual invasão russa da Ucrânia? Tenho duvidas que seja essa a boa solução.
          A inesperada e imediata visita de Julia Timoschenko a Berlim (mal foi libertada das masmorras onde o governo pró-russo a encerrara) faz antever o apoio aberto de Merkel a uma eventual candidatura (e provável vitória eleitoral da antiga chefe do governo democrático da Ucrânia) à presidencia do país. Mas será que Putin poderá ser contido por Obama (o presidente americano já fez ameaças publicas ao russo) no seu desespero face a estas evidências? A meu ver, tudo dependerá do resultado das negociações que certamente decorrem entre Merkel, Putin e Obama (os principais actores deste drama). Conseguirão estes convencer o intransigente russo oferecendo-lhe a Crimeia a troco de deixar o restante país à vontade para se unir à União europeia, como parece ser o desejo da maioria da população não eslava da Ucrânia?

                                     ALBINO ZEFERINO               2/3/2014