sábado, 22 de dezembro de 2018

BOLSONARO E O FUTURO DO BRASIL


           Já com o futuro governo fechado, o presidente eleito do Brasil, Jair Bolsonaro, prepara-se para a posse marcada, à americana, para o primeiro dia do próximo ano. Como será esse governo? Como irá governar? Com que apoios? Vejamos então. Suficientemente realista para reconhecer a sua incapacidade e a falta de carisma (como Lula tinha) para, por si só, se impôr a mais de duzentos milhões de brasileiros de todas as raças, cores, convicções, niveis de vida e de desenvolvimento, etc. (o Brasil é por si só um continente), Bolsonaro está consciente do desafio que lhe foi lançado pela maioria da população que nele depositou a confiança necessária para conseguir uma mudança na condução dos destinos de um país há décadas embrulhado em corrupção e de futuro adiado. Dois ministros ressaltam da plêiade das 22 personalidades escolhidas por Bolsonaro para o ajudarem a pôr de novo o Brasil na senda do progresso: Sergio Moro, na Justiça, e Paulo Guedes, na Economia.
          Talvez seja o juiz Moro (o do processo lava-jato, que pôs na cadeia Lula e muitos dos politicos brasileiros corruptos, alguns com ligações a Portugal, que por aqui andam a passear-se) aquele por que todos os bolsonarianos esperam para pôr o país direito (como eles dizem), pois sem a erradicação da corrupção generalizada nada se poderá fazer no campo do desenvolvimento económico e social. Os primeiros sinais virão assim da Justiça, agora com Moro com competências alargadas tanto no sector policial como no social, que se prepara para enfrentar os lobbies da droga com redobrada energia.  Com a transferência dos campos de cultivo da Colombia para o Equador e para o Peru, nas bordas da floresta do Amazonas brasileiro, a droga, já processada em território amazónico, é hoje escoada para o mundo maioritariamente através dos aeroportos de Guarulhos e do Galeão. Os famosos PCC (conglomerado de patrões da droga) estão no Brasil conduzindo as operações e armando poderosamente os seus agentes instalados nas favelas cariocas e paulistas e corrompendo politicos e policias, a fim de facilitar o regular escoamento do produto.
          É de esperar assim uma agudização dos enfrentamentos entre as policias (saneadas é claro - diz-se, por exemplo, que a famosa policia militar vai ser extinta, para dar lugar a uma espécie de DEA brasileira) e os bandidos armados com material de guerra excedente das guerras do Iraque e da Siria, que abatem helicópteros no ar e destroem casas num só disparo. Bolsonaro já anunciou que as leis penais, demasiado exigentes para os agentes da ordem, vão ser liberalizadas para retirar os constrangimentos à policia na luta contra o banditismo. É claro que tudo isto terá que ser feito com cuidado mas de forma a que as pessoas vejam que a insegurança hoje reinante em certas partes do Brasil estará em recuo.
          E é aqui que as coisas poderão emperrar. Fazer "limpezas" profundas em democracia (que é aquilo que Bolsonaro se dispôs a fazer na campanha eleitoral) não só é mais dificil como mais lento, retirando o efeito politico à acção. Limitar a liberdade dos cidadãos (pelo menos de alguns deles) e diminuindo-lhes as garantias de defesa dos seus direitos (pelo menos a alguns deles) pode ser o rastilho para confrontações civis que poderão desembocar na declaração do estado de sitio e na ditadura (de tão má memória no Brasil). Os militares que apoiam Bolsonaro estão à espreita cautelosamente, vigiando as reacções populares às primeiras medidas saneadoras. Vamos lá a ver o que acontece.
          Por outro lado, a multiplicidade de partidos e de partidecos representados na assembleia federal no Planalto em Brasilia impede que o partido de Bolsonaro tenha ganho a maioria dos votos, embora a sua eleição presidencial tenha vencido por maioria de 55% dos votos. Todas as leis de natureza federal terão que passar na câmara, pelo que pode acontecer que algumas leis indispensáveis à prossecução das politicas de Bolsonaro não passem no Planalto (como está agora a acontecer a Trump no Congresso americano). Assim sendo, Bolsonaro terá mais este escolho para resolver na sua espinhosa caminhada para o desenvolvimento do "país do futuro". Deus lhe dê saber e sorte.
          Como nota de rodapé (sempre as mais interessantes) direi que Macri (o presidente da Argentina, país vizinho, amigo, rival e companheiro do Mercosul) anunciou não estar disponivel para ir à cerimónia da posse de Bolsonaro como próximo presidente do Brasil.

                           
                               ALBINO  ZEFERINO                                                    22/12/2018

domingo, 9 de dezembro de 2018

PARIS BRÛLE-T-IL?



          Recordando o best-seller de Collins e Lapierre, premiado em 1966, que relata o épico momento em que o general von Choltitz, comandante militar das forças nazis de ocupação de Paris, recebeu, em 1944, na retirada desesperada dos alemães de França, a ordem de Hitler para incendiar a mais bela cidade europeia de então, o recente movimento dos coletes amarelos, que tem posto a capital francesa a ferro e fogo, parece levar-nos para os tempos de maio de 68, quando Sartre e Cohn-Bendit promoveram a maior onda de protestos populares nas ruas de Paris, a pretexto de manifestações estudantis para pedir reformas no sector educacional em França e que evoluiram para uma maciça manifestação de trabalhadores e depois para a maior greve geral de sempre, que foi brutalmente reprimida pelo governo frances de então, forçando de Gaulle a convocar eleições gerais e só assim retomar o controle da situação, mas abrindo as portas para a sua retirada politica (o que ocorreu pouco depois) e deixando o caminho aberto às reformas politicas que marcaram a França nos anos seguintes.

          Os acontecimentos recentes em Paris e no resto da França, que mobilizaram milhares de policias e provocaram centenas de detenções, parece não estarem para acabar tão cedo, deixando nos espiritos mais preocupados a ideia de que, tal como ocorreu em 1968, não será sem profundas reformas que a situação politica se normalizará. O pretexto da contestação ao anunciado aumento do preço da gasolina, que passou já para patamares mais dificeis de conter e que não se antevê onde acabará, prenuncia o fim de uma época e o inicio de outra, que a vitória eleitoral de Macron simulava ter protagonizado, mas que afinal, parece não ter conseguido. 

          Outros países europeus estão passando por experiências novas que tambem configuram uma vontade popular de mudança do paradigma politico que foi iniciado no pós-guerra, mas que parece ter chegado ao fim. A alternância no poder entre partidos demo-liberais e socialistas (um pouco como os conservadores e os trabalhistas britânicos) parece ter acabado na Europa e perfilam-se no horizonte outras fronteiras divisórias de interesses politicos opostos. Com o fim da pobreza absoluta e da submissão social, os novos eleitores tornaram-se mais inteligentes, mais cultos e mais preparados do que os seus progenitores, para atingir patamares de vida antes reservados apenas a certas classes sociais ou profissionais. A influência de ideologias progressistas ou conservadoras mistura-se no espirito das novas gerações, mais como acontece com o leite e com o café e menos do que ocorre com a água e o azeite, que naturalmente não se misturam. Nada é hoje inatingivel por ninguem e já não existem coutadas reservadas para uso ou frequência de uns e onde outros estavam naturalmente excluidos. É neste contexto que se inserem as opções governativas e de vida da maioria dos cidadãos dos países ditos desenvolvidos. Mas tambem entre países se verfica a mesma coisa, pois já não existem países de primeira ou de segunda categorias, embora subsistam ainda laivos de subalternidade entre os estados mais desenvolvidos e os menos desenvolvidos. E não só entre países de continentes diferentes, mas tambem entre paises do mesmo continente. Basta pensar-se na China, na India, no Brasil ou no México. Todos estes países são subdesenvolvidos, mas detêm todos eles altos graus de desenvolvimento em certos sectores.

          Mas é sobretudo na Europa onde nos inserimos que esta problemática se revela mais premente.  Com a União europeia (com as suas vitórias e os seus desaires) todos os países europeus (mesmo os não membros da UE) atingiram depois (e como consequência) da queda do muro de Berlim, niveis de desenvolvimento acentuados (uns mais do que outros, naturamente).  A integração europeia não é (como alguns ainda pensam) um projecto unificador, mas sim um padrão de vida que todos querem usufruir por igual e o qual todos têm o mesmo direito de almejar. Assim se compreendem as influências que os estados europeus (dentro ou fora da União) exercem uns nos outros. Influências politicas, sociais, económicas, culturais e até de costumes.

          Compreende-se assim a impaciencia que alguns demonstram no alcançar dos desideratos a que se julgam capazes ou com direito, sobretudo quando comparando com as formas, por vezes ardilosas e até soezes, com que outros já os atingiram. As manifestações em França (até agora incontroláveis) são bem a prova disto. Porque razão uns pagam mais do que outros para conseguir o mesmo resultado? Porquê uns chegam mais depressa ou mais alto do que outros tendo capacidades semelhantes?  É disto que se queixam os coletes amarelos e é disto que se queixam todos aqueles que estão na mesma situação. Vivam onde vivam e estejam onde estejam. Coletes amarelos todos temos na mala do nosso carro. Não vivemos é todos em França.


                    ALBINO  ZEFERINO                                                             9/12/2018