quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

RULE GERMANIA


          Tal como o sec.XIX foi para a Grã-Bretanha a época do "rule Britania", o sec.XXI está a ser para a Alemanha o "rule Germania". De facto, a Grã-Bretanha controlava o mundo do sec.XIX através do seu imenso império, tão grande que nunca nele o sol se punha, por meio duma poderosa marinha omnipresente em todos os cantos do mundo. Depois de um século de confrontos ideológicos, marxistas de um lado e nazistas do outro, onde o poderio britanico desapareceu com as guerras mundiais e as consequentes descolonizações e a guerra fria entre os comunistas e os outros deu lugar a um mundo em permanente negociação, surge agora a Alemanha, líder incontestada da UE e campeã das arbitragens dos constantes conflitos regionais e dos terrorismos selectivos, que surgem como cogumelos inspirados no messianismo corânico e na intransigencia islâmica.

          Nada do que hoje acontece de relevante neste mundo pode prescindir da intervenção negocial, directa ou indirectamente arbitrada pela Alemanha de Merkel, que se está tornando essencial na resolução dos conflitos internacionais que pululam quase diariamente por esse mundo fora. A Alemanha de hoje tem vindo a impôr-se aos outros países, já não pela força como Hitler pretendeu fazer, mas pela sua capacidade negocial, naturalmente assente numa economia próspera e industrializada. Não é por acaso que Merkel se tem conservado no poder durante tanto tempo e tambem não é por acaso que os alemães chamam à sua (dela) Chancelaria a "Waschmaschine" (máquina de lavar em portugues). A chanceler alemã é hoje uma peça essencial na resolução de quaisquer conflitos importantes que ocorram no mundo. Tal como devia ser o Conselho de Segurança das Nações Unidas e o seu secretário-geral. E não é por acaso que isto acontece. Governar a Alemanha não é governar a Grécia ou Portugal, nem sequer a Gã-Bretranha ou a Espanha. A Alemanha é um Estado federal composto de 12 estados federados de origens, desenvolvimento, etnias e até de linguas diferentes. Cada um desses Estados federados tem a sua própria constituição, a sua própria Assembleia legislativa e o seu próprio governo. E até partidos regionais por vezes mais fortes do que os partidos nacionais. A tudo isto há que somar as várias, importantes e numerosas comunidades estrangeiras que hoje residem e trabalham na Alemanha e que (por serem detentoras de nacionalidade alemã) tambem contam na escolha do chanceler federal. Pois Merkel governa tudo isto e mais a Europa e o mundo desavindo. Não é portanto por acaso que ela intervém decisivamente com a sua palavra e a pressão negocial que essa palavra representa na tentativa de resolução dos inumeros e importantes conflitos de que este século já é fértil. Ela vai a Minsk (com o porta-carteiras Hollande para disfarçar) resolver o conflito russo-ucraniano; ela não desiste da pressão sobre os gregos para que não se vejam forçados a abandonar o euro; ela vai a Washington aplacar a furia americana contra o crescente desafio de Putin; ela está em Paris na primeira linha na manifestação contra os assassinatos dos esquerdistsas do Charles Hebdo, etc.etc.

          Embora o recente cessar-fogo decidido em Minsk entre as forças pró-russas e o exército ucraniano possa vir a ser facilmente rompido dado o seu carácter provisório e incompleto, foi graças à acção de Merkel que ele se pode realizar. E com isso ela salvou a NATO de ser desintegrada (pelo menos por agora). Tambem foi graças a Merkel que os radicais europeus não declararam já a sua vontade de expulsar os gregos (pelo menos do eurogrupo). Djasselborn opôs-se a essa decisão, mesmo quando o próprio Schauble estava pelos ajustes. A capacidade negocial de Merkel, a sua visão inteligente das situações e a forma hábil como esgrime a força alemã têm sido essenciais para evitar males maiores, neste novo mundo em conflito que despontou com o novo século.

          Tambem na peninsula ibérica a influência de Merkel se faz notar. A Espanha não é um país que se  possa pôr de lado (como a Grécia) e a ameaça do "Podemos" é real. Yglesias é um tribuno, demagogo como todos eles são e portanto muito perigoso para o desenvolvimento harmonioso da integração europeia. O exemplo grego é paradigmático e Merkel não deseja que se repita com a Espanha o que está a acontecer com a Grécia. Caso os resultados eleitorais do próximo Outono em Espanha não dêem maiorias a qualquer partido (como as sondagens prevêem) será preferivel a Merkel animar a constituição de uma coligação inédita que (copiando a alemã) junte o PP com o PSOE, não comprometendo (como a coligação grega está a fazer) o normal desenrolar da integração europeia. E Portugal? O seu próximo futuro é mais facilmente previsivel (e menos importante) do que o espanhol. Caso o PS de Costa não consiga uma maioria absoluta, então mais valerá pôr Maria Luis à testa do PSD (mais credível do que Costa e o seu PS e menos queimada do que Passos Coelho) e juntar-lhe o CDS para formar nova maioria. Para calar os socialistas entrega-lhes o fiel europeista Vitorino para presidente da Republica (apoiando a candidatura de Guterres a secretário-geral do ONU). A recente OPA lançada pelos catalães do BPI contra a imprevisivel e agora descapitalizada Isabel dos Santos na compra da maioria do banco é sinal de que os alemães preferem que o controle da banca portuguesa (agora que o BES desapareceu) fique em mãos espanholas, mais dóceis do que os angolanos na abordagem europeia. Com os 45% do mercado bancário nas mãos do Santander e os previsiveis 35% do BPI (depois da OPA) os espanhois ficam com a banca portuguesa na mão, impedindo eventuais fantasias esquerdistas que os nascentes partidos de extrema esquerda portuguesa e o oportunista PC possam querer fazer.

                                       
                                                              ALBINO ZEFERINO                              18/2/2015

         

         

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

O CINISMO EUROPEU


         Tal como nos clubes de futebol, a pertença à União Europeia obedece a uns formalismos que se aceitam sem discutir e sem procurar apurar da sua justificação. É como se fosse uma religião. Acredita-se ou não. Aceita-se ou rejeita-se. É o uso obrigatório do cachecol durante os jogos; é o gritar quando o nosso clube mete golo; é o dizer mal do árbitro quando ele apita conta nós; é o levar os miudos conosco quando começam a crescer; é a confraternização fraterna com desconhecidos quando são do mesmo clube; é o obcecado desejo de não poder deixar de ir ver o jogo mesmo quando há outros valores em causa; é tudo isto e o orgulho de pertencer ao melhor clube do mundo mesmo quando há dezenas de anos este não ganha um campeonato. Com a União Europeia é a mesma coisa. Pertencemos a um clube do qual não conhecemos as regras do jogo. Apenas nos interessa que o clube ganhe sempre e que nos traiga muitas alegrias. Efémeras é certo. Mas mesmo assim alegrias.
         Ora nem sempre a UE nos traz as alegrias com que contamos. Tal como o nosso clube quando não ganha o campeonato. Mas mesmo assim não andamos a mudar de clube todos os anos só para fingir a nós próprios que somos sempre campeões. A UE está a passar por uma crise inédita (da qual de resto está a sair com sucesso) que a obrigou a reagir determinada e determinantemente contra os efeitos negativos que a iam destruindo. Desse exercicio resultaram consequencias mais ou menos dolorosas para alguns dos seus membros que se viram confrontados com a sua própria incapacidade em aceitar as regras necessárias para evitar o desmembramento da UE. Tres países mais débeis foram obrigados a pedir ajuda externa e um deles está agora a reclamar dessa mesma ajuda que pediu. Seria como se um adepto de um clube de futebol reclamasse dum penalti não porque o seu clube não tivesse sido acertadamente punido mas porque o reclamante não aceita o penalti como forma de penalização.
          Esquecem-se os reclamantes e aqueles que os apoiam que a UE já se preparou para essas acções recalcitrantes e que portanto não irá ceder a chantagens ou a suplicas daqueles que, tendo incumprido, querem que os outros aceitem esse incumprimento como se fosse um cumprimento. Tal como se a rasteira que determinou o penalti nunca tivesse sido passada. O que vai acontecer à Grécia e a outros que como ela pretendem que os credores esqueçam as dividas, é que a UE vai deixar que o tempo passe e os obrigue a aceitar as regras que escolheram para viver em sociedade, ou então a desistir da sociedade que escolheram para viver. Assim vai ser e assim terá que ser. Ninguem obriga ninguem a gostar de futebol. Mas se gosta, então tem que aceitar as suas regras, que por vezes são discutiveis. Mas isso tambem faz parte do jogo.

                          ALBINO ZEFERINO                                    9/2/2015

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

O GOVERNO E O ACTO MÉDICO


          Tal como só os médicos devem agir medicamente tambem os governos devem ser os garantes dessa acção exclusiva. Só os médicos foram preparados para curar os doentes. Mais ninguem deverá intrometer-se na acção médica de curar. Nem feiticeiros, nem curandeiros, nem enfermeiros. Cada macaco no seu galho, como diz sabiamente o povo. Os feiticeiros afastam os maus olhados, os curandeiros aliviam as dores com mézinhas e os enfermeiros providenciam os curativos prescritos pelos médicos. Nada de confusões, pois isto da saúde é coisa séria. Por menos do que isto muitos governos cairam e só isto poderá fazer cair um governo.
          O ministro da Saude tem sido talvez aquele cuja prestação politica maior impacto provocou na imagem deste esforçado mas esgotado governo que nos governa. Homem competente e sério, frio e analítico, o ministro vê-se agora confrontado com um dilema essencial: deve ou não ser permitido aos enfermeiros prescrever a feitura de actos complementares de diagnóstico (mesmo apenas circunscrito às urgencias) para dar a ilusão aos utentes de que alguém se preocupa com eles durante as exageradas horas de espera que o apressado abandono dos médicos dos serviços de urgencia impôs aos utentes mais carenciados?  O bastonário dos médicos já veio claramente denunciar esta intenção marcando a linha divisória daquilo que é razoável fazer e do que se torna perigoso que se faça. Perigoso para os doentes significa perigoso para o governo. Urge definir legalmente o conceito de acto médico para que não surjam confusões nesta área quanto àquilo que compete aos médicos fazer e até onde os enfermeiros podem actuar. Sem enfermeiros não se curam doentes, como sem agentes judiciais não se ministra justiça (veja-se o desgraçado episódio do falhado lançamento do programa informático para a justiça). São agentes auxiliares (ou complementares, como se queira) de actos essenciais praticados por agentes principais - os médicos e os juizes, procuradores ou advogados, respectivamente -  e só por estes, pois só estes estão preparados para o fazer.
          Na sua ânsia liberalizadora o governo deve ter em atenção que mexer na saúde é mais comprometedor do que privatizar a TAP ou a banca. A saude diz directamente respeito à vida das pessoas. A economia só indirectamente as afecta. Para resolver um problema criado pela soberba dos médicos e pela desorganização administrativa do Estado que o governo permitiu ou não foi capaz de controlar, não deverá ser tocado o âmago do problema que reside na confiança do utente no sistema. Preocupe-se o governo em evitar que os médicos "fujam" para os hospitais privados deixando as urgencias publicas no caos a que chegaram, definindo claramente as suas obrigações profissionais e domando a altivez dos clinicos que se julgam os donos da saude alheia, em vez de comprometerem de vez um sector essencial para o funcionamento normal do Estado.

                            ALBINO ZEFERINO                            4/2/2015