terça-feira, 27 de junho de 2017

O PASSA CULPAS


          Depois de mais de uma semana de carpimentos pelo desastre de Pedrogão Grande, entramos agora na fase do passa-culpas. "Tipical" diriam os nossos amigos ingleses que bem nos conhecem do tempo das invasões francesas. Foi culpa do SIRESP (ou seja do sistema, pois o SIRESP é isso mesmo, um sistema). Não do mais alto responsável da Nação em chamas, nem sequer do governo livremente eleito por maioria dos votos dos eleitores, nem sequer da ministrinha responsável pelos assuntos internos do país (os incendios e correlativos), nem ainda da Protecção Civil (que não sei bem o que é, nem do que nos protege, nem de quem depende e para quê).  Marcelo calou-se, Costa exige respostas, a tal ministra manda investigar, os envolvidos embrenham-se uns nos outros nas justificações injustificáveis, o tempo e a caravana passam e os cães ainda ladram.
          Noutro país qualquer do lado do mundo onde nos calhou viver (ainda que nas bordas) já teria havido demissões, explicações e retractações, a fim de ao menos salvar a face duma responsabilidade colectiva (nacional, diria eu) que nos envergonha pelo terceiromundismo do ocorrido, pela ausencia de coragem politica na assumpção de responsabilidades, pela não frontalidade nas explicações à Nação, pelo amadorismo no enfrentamento de tamanha tragédia, enfim, pelo reconhecimento do atraso visceral em que estamos. Ser portugues é mais do que o que estamos a mostrar. Mostramos incompetencia, mostramos irresponsabilidade, mostramos impreparação e mostramos que não temos coragem para assumir os nossos erros. Nada disto mostra a nossa história. Por várias vezes os nossos maiores mostraram coragem, pundonor, alguma irreverencia e audácia nos momentos dificeis que nos couberam viver durante os quase 800 anos de existencia da nossa raça. Agora não!
          Saibamos aceitar com coragem e desprendimento as faltas que a nossa responsabilidade nos impõe e deixemo-nos de fingir que nada do que aconteceu é connosco. A culpa foi da trovoada, do SIRESP, do calor, dos raios secos, mas não da falta de organização, da falta de cooperação institucional, da fuga às responsabilidades de todos e de cada um de nós naquilo que de nós depende, do nosso amadorismo em tudo o que fazemos. Não é tirando o cavalinho da chuva passando culpas uns aos outros que garantimos o nosso futuro colectivo como país independente e capaz de ombrear com os maiores desta terra na construcção dum futuro próspero e consistente neste mundo de incógnitas e em profunda transformação social e humana.

                          ALBINO  ZEFERINO                                                     27/6/2017

quarta-feira, 21 de junho de 2017

FOGOS E FOGACHOS


          A propósito da tragédia de Pedrogão Grande, o tema dos fogos tem dado pano para mangas. Quanto mais triste e fatídico o acontecimento seja, mais os jornais portugueses (escritos ou falados) não se conseguem despegar da coisa, como se por muito que se fale do assunto o assunto nunca mais caia no esquecimento. Pura fantasia. Agora é a procura dos culpados. Desde a ministra que recebeu a noticia na mesma altura que todos nós ao primeiro ministro que já se esqueceu do defice excessivo e dos limites do défice orçamental, não há quem não seja ouvido, perguntado, invectivado ou até acusado por um acaso da natureza que poderia ter sido um terramoto (como o de 1755) ou uma guerra (como a de 14-18). Mas enquanto Pombal mandou "enterrar os mortos e cuidar dos vivos", Afonso Costa mandou milhares de saloios para a morte para salvar a face duma républica que ninguem procurara e que tambem ninguem conhecia.
          É claro que se isto se tivesse passado na Suiça ou na Alemanha (recordo o desabamento do tunel nos Alpes ou o fogo dentro do tunel alemão) os noticiários desses países já estariam em cima do acontecimento, ajudando e informando competentemente os cidadãos sobre o que eles desejariam ouvir ou conhecer e não especulando ad nauseam sobre uma tragédia que ensombrou o nosso país e mostrou que nem 25 de abril nem UE chegaram para nos tirar de cima a epiteto com que alguns nos mimoseiam com razão: saloios. É nestes casos que melhor se compreende a existencia duma censura (não politica como apregoavam os revolucionários de abril, mas social e instrutiva com objectivos educativos e de decoro) que falta neste país de costumes livres e libertinos onde às matérias ditas fracturantes é dado mais tempo de antena do que à procura de soluções para os problemas graves que ensombram o nosso futuro colectivo como país livre e independente.
          Não digo que se estivessemos preparados para o caso a tragédia pudesse não ter tido resultados tão trágicos. Mas a questão é mesmo essa. Estaremos nós preparados para enfrentar as vicissitudes dum país sem recursos e sem gente capaz de preparar as defesas para esses casos fortuitos? Infelizmente o que aconteceu em Pedrógão Grande mostrou que não. Já em 1755 foi a mesma coisa. Sem Pombal ainda hoje estariamos a viver entre os escombros dum terramoto brutal, único e devastador. Há anos com Guterres aconteceu a tragédia de Entre-os -Rios. Morreram dezenas de pessoas. Construiu-se nova ponte e ninguem falou mais disso. Em 1969 houve as cheias do Trancão na baixa de Loures que matou e desalojou centenas de pessoas.  Canalizou-se o rio e fez-se uma autoestrada por cima. Ninguem falou mais disso. O que se vai fazer agora? Fechar a estrada da morte e alargr-lhe as bermas? Ou esperar que venham mais Canadair para ir apagando os fogos que cada vez surgirão com mais intensidade? E se arder o palácio de Queluz? e o de Belém? Vade retrum Satanaz!

                         ALBINO  ZEFERINO                                                        21/6/2017
       

domingo, 18 de junho de 2017

O BREXIT ANTES DA NEGOCIAÇÃO


          Finalmente vão começar as negociações para a saída da Grã-Bretanha da União Europeia. Depois de um referendo cuja intenção era precisamente fixar o eleitorado britânico à UE e de umas eleições parlamentares que pretendiam consolidar democraticamente a lider conservadora ao partido antes do inicio das negociações, tudo parece ter saido ao contrário. Cameron perdeu, May tambem e os brits julgo que tambem perderam. Uma coisa é estar dentro e refilar pondo um pé de fora, e outra é ser excluida das decisões que, mesmo não se lhe aplicando directamente, indirectamente vão afectá-la por se ter auto-excluido. Explico-me melhor.
          Desejando não perder o acesso livre ao mercado único europeu, a GB quer ao mesmo tempo livrar-se do flagelo da imigração que vem importando paulatina e naturalmente desde 1960. São duas pretensões incompativeis e ao mesmo tempo impossiveis de evitar.  À UE não lhe interessará perder duma penada mais de 10% de cidadãos que deixem de lhe comprar bens e serviços, nem o acesso livre ao mercado tecnológico e dos serviços britanico, muito avançado e muito implantado em todo o mundo. Prescindir do mercado britanico seria para a UE uma espécie de ablação de um terço da sua influencia a nivel mundial. E vice-versa tambem. A GB fora da UE perderá clientes, influência, importancia e dinheiro.
          Por outro lado, suster uma imigração que há mais de 50 anos se assumiu como movimento natural endógeno da paisagem sociológica e étnica dos britanicos, não parece ser fácil de conseguir, dentro ou fora da UE. A população residente (natural ou não) em território britanico faz parte hoje dos cidadãos da GB e está completamente integrada em todos os sectores sociais e laborais do RU. Até o actual mayor de Londres é um muçulmano de origem indiana. Tambem em Paris ocupa lugar semelhante uma socialista originária da Andaluzia com raizes árabes e etnicamente cigana. Para os conservadores portugueses, longe do centro da Europa de onde vêm as modas novas e os costumes modernos, tudo isto pode fazer alguma confusão às mentes mais reactivas à nova forma de encarar a vida em comunidade e de se adaptar aos novos tempos e às novas circunstâncias.
          É neste contexto de "desunião europeia" e de "ocupação territorial" que o Brexit vai começar a ser definido. Será portanto dificil de prever quando e como acabarão as negociações. Como começarão já se sabe.  Definindo posições à partida irreconciliáveis mas que a pouco e pouco se irão aproximando. Chegará a haver acordo final? Os negociadores serão os mesmos durante todo o periodo negocial? Haverá mudanças de orientação durante as negociações? Haverá novo referendo em caso de impasse ou mesmo no final das negociações para confirmar popularmente o que terá ficado acordado? Tudo está em aberto, inclusivamente o acordo conseguido por Cameron nas vésperas do referendo sobre o Brexit, na convicção de que as facilidades conseguidas para a GB (impossiveis noutras circunstancias) empurrariam os eleitores contra a saida do RU da UE. Há que esperar o desenvolvimento dum processo dificil, inesperado, que ninguem deseja e com consequencias muito negativas para a UE (e para o RU) caso não se chegue a um acordo aceitável. Mas mesmo assim nunca será uma situação de win-win. Aqui todos perderão.

                   ALBINO  ZEFERINO                                                                 18/6/2017

sábado, 3 de junho de 2017

O ADMIRÁVEL MUNDO NOVO


          Parafraseando Bertrand Russell parece-me - sem pretensão - que estamos entrando paulatinamente, com Trump e com o Brexit, num mundo novo diferente daquele que existia antes do aparecimento destes dois fenómenos.  Efectivamente, após a tragédia das duas guerras mundiais, o sistema criado para erradicar definitivamente das nossas vidas a auto-destruição da Humanidade que os conflitos generalizados pressuposeram, parece ter entrado na recta final da sua existência. Em consequencia da crise financeira e social iniciada em 2007 nos E.U.A. e agora parece que definitivamente em remissão, as mentes brilhantes que nos governam estão lançando as pontes para a criação dum novo mundo relacional de contornos ainda indefinidos e de desfecho incerto. Os velhos ideais da democracia permanente e das liberdades sem fim, das igualdades de raça, de género e de confissão ou das oportunidades iguais para toda a gente, parecem terem entrado em crise existencial neste novo mundo de incógnitas e cujo rumo ainda permanece desconhecido.
          A ONU e o seu sistema caduco, a NATO e a sua estratégia indefinida e a UE e os seus eurocépticos, não têm manifestamente conseguido articular as vontades num sentido virtuoso para toda a gente e capaz de erradicar aquilo para o qual foram afinal criados - acabar com o expectro da guerra e da destruição de valores que ela comporta. Vivemos hoje todos com o pesadelo do terrorismo, seja ele bombista, cibernético, ambiental ou nuclear, esperando todas as manhãs quando ouvimos as noticias que brotam incessantemente para dentro de nós mesmo que não queiramos, que a tragédia do dia não nos tenha caido em cima. Por muito fortes que sejamos ou pareçamos, este ambiente de tensão permanente afecta decididamente os nossos espiritos e as nossas atitudes e provoca um sentimento de egoismo e de auto-defesa pouco propicio à propagação dos ideais do altruismo e da tolerancia. Sem valores e sem prespectivas dum futuro risonho, as novas gerações escondem as sua frustrações na intransigencia cega e na violencia gratuita. Só assim se explica as aberrações a que ultimamente o terrorismo irracional nos tem habituado.
          Por outro lado, a miscenização étnica que as ditas sociedades ocidentais hoje apresentam, fruto das descolonizações mal preparadas dos anos 60 do século passado (os ingleses chamaram-lhes "winds of change") muito tem contribuido tambem para a criação de condições propicias à contestação dos valores aos quais os nossos pais nos habituaram e que hoje estão desvalorizados. Para a juventude de hoje é mais importante ter dinheiro do que ter carácter ou tenacidade. Donde vem o dinheiro é indiferente; como se arranjou tambem. Este "american way of life" miscenizado e multi-cultural instalou-se na velha Europa que, convertida aos drones e às novas tecnologias, vai progressivamente perdendo os valores éticos e sociais que a distinguiam dos novos mundos de antanho. O heroi corajoso, valente e salvador dos oprimidos deu lugar ao heroi acidental, patinho feio vulgar, introvertido e medroso, que por acaso se vê confrontado com uma situação espinhosa da qual sai airosamente sem que nada tivesse feito para isso.
          Novas alianças fruto de novas estratégias e de novas afinidades estão em formação. Afastado o perigo comunista do pós-guerra com a queda do muro de Berlim, novas ameaças despontaram no horizonte: o terrorismo sem sentido, o aquecimento global fruto de ataques ambientais, a segurança colectiva por ausencia de prevenção e a informatização das sociedades pelo avanço da cibernética. Da relevancia que uns e outros dão a estes fenómenos inultrapassaveis, nascem novas estratégias e novas amizades. Trump e a sua politica do "America first" (como se os seus antecessores tivessem deixado para trás os interesses americanos em proveito dos interresses estrangeiros) vai-se aproximando do colega russo, oferecendo-lhe em troca uma Europa empobrecida e desorganizada, incapaz de decidir colectivamente e portanto vulnerável à cobiça de outros que pretendem engoli-la. A UE, por seu turno, vira-se agora para a China, ultimo recurso para fazer face aos inumeros problemas que enfrenta resultantes duma falta de coerencia comum na defesa dos valores tradicionais europeus e na dificuldade em criar mecanismos eficazes que a protejam dos predadores financeiros e dos hackers.
          A forma como conseguir negociar o Brexit, a reforma do processo de financiamento comunitário, a firmeza como defenderá o ambiente após a saida dos EUA dos acordos de Paris e a assunção das responsabilidades europeias em matéria de segurança e defesa, serão os temas fortes que determinarão o futuro da UE e os seus relacionamentos com o resto do mundo. Será um admirável mundo novo como o via Russell há quase 100 anos o que nos espera? Ou será um mundo desconhecido, cheio de espinhos e de obstáculos, capaz de nos lançar de novo num periodo de terror e mágoas? Quem sabe?

              ALBINO  ZEFERINO                                                                                      3/6/2017