sábado, 22 de dezembro de 2018

BOLSONARO E O FUTURO DO BRASIL


           Já com o futuro governo fechado, o presidente eleito do Brasil, Jair Bolsonaro, prepara-se para a posse marcada, à americana, para o primeiro dia do próximo ano. Como será esse governo? Como irá governar? Com que apoios? Vejamos então. Suficientemente realista para reconhecer a sua incapacidade e a falta de carisma (como Lula tinha) para, por si só, se impôr a mais de duzentos milhões de brasileiros de todas as raças, cores, convicções, niveis de vida e de desenvolvimento, etc. (o Brasil é por si só um continente), Bolsonaro está consciente do desafio que lhe foi lançado pela maioria da população que nele depositou a confiança necessária para conseguir uma mudança na condução dos destinos de um país há décadas embrulhado em corrupção e de futuro adiado. Dois ministros ressaltam da plêiade das 22 personalidades escolhidas por Bolsonaro para o ajudarem a pôr de novo o Brasil na senda do progresso: Sergio Moro, na Justiça, e Paulo Guedes, na Economia.
          Talvez seja o juiz Moro (o do processo lava-jato, que pôs na cadeia Lula e muitos dos politicos brasileiros corruptos, alguns com ligações a Portugal, que por aqui andam a passear-se) aquele por que todos os bolsonarianos esperam para pôr o país direito (como eles dizem), pois sem a erradicação da corrupção generalizada nada se poderá fazer no campo do desenvolvimento económico e social. Os primeiros sinais virão assim da Justiça, agora com Moro com competências alargadas tanto no sector policial como no social, que se prepara para enfrentar os lobbies da droga com redobrada energia.  Com a transferência dos campos de cultivo da Colombia para o Equador e para o Peru, nas bordas da floresta do Amazonas brasileiro, a droga, já processada em território amazónico, é hoje escoada para o mundo maioritariamente através dos aeroportos de Guarulhos e do Galeão. Os famosos PCC (conglomerado de patrões da droga) estão no Brasil conduzindo as operações e armando poderosamente os seus agentes instalados nas favelas cariocas e paulistas e corrompendo politicos e policias, a fim de facilitar o regular escoamento do produto.
          É de esperar assim uma agudização dos enfrentamentos entre as policias (saneadas é claro - diz-se, por exemplo, que a famosa policia militar vai ser extinta, para dar lugar a uma espécie de DEA brasileira) e os bandidos armados com material de guerra excedente das guerras do Iraque e da Siria, que abatem helicópteros no ar e destroem casas num só disparo. Bolsonaro já anunciou que as leis penais, demasiado exigentes para os agentes da ordem, vão ser liberalizadas para retirar os constrangimentos à policia na luta contra o banditismo. É claro que tudo isto terá que ser feito com cuidado mas de forma a que as pessoas vejam que a insegurança hoje reinante em certas partes do Brasil estará em recuo.
          E é aqui que as coisas poderão emperrar. Fazer "limpezas" profundas em democracia (que é aquilo que Bolsonaro se dispôs a fazer na campanha eleitoral) não só é mais dificil como mais lento, retirando o efeito politico à acção. Limitar a liberdade dos cidadãos (pelo menos de alguns deles) e diminuindo-lhes as garantias de defesa dos seus direitos (pelo menos a alguns deles) pode ser o rastilho para confrontações civis que poderão desembocar na declaração do estado de sitio e na ditadura (de tão má memória no Brasil). Os militares que apoiam Bolsonaro estão à espreita cautelosamente, vigiando as reacções populares às primeiras medidas saneadoras. Vamos lá a ver o que acontece.
          Por outro lado, a multiplicidade de partidos e de partidecos representados na assembleia federal no Planalto em Brasilia impede que o partido de Bolsonaro tenha ganho a maioria dos votos, embora a sua eleição presidencial tenha vencido por maioria de 55% dos votos. Todas as leis de natureza federal terão que passar na câmara, pelo que pode acontecer que algumas leis indispensáveis à prossecução das politicas de Bolsonaro não passem no Planalto (como está agora a acontecer a Trump no Congresso americano). Assim sendo, Bolsonaro terá mais este escolho para resolver na sua espinhosa caminhada para o desenvolvimento do "país do futuro". Deus lhe dê saber e sorte.
          Como nota de rodapé (sempre as mais interessantes) direi que Macri (o presidente da Argentina, país vizinho, amigo, rival e companheiro do Mercosul) anunciou não estar disponivel para ir à cerimónia da posse de Bolsonaro como próximo presidente do Brasil.

                           
                               ALBINO  ZEFERINO                                                    22/12/2018

domingo, 9 de dezembro de 2018

PARIS BRÛLE-T-IL?



          Recordando o best-seller de Collins e Lapierre, premiado em 1966, que relata o épico momento em que o general von Choltitz, comandante militar das forças nazis de ocupação de Paris, recebeu, em 1944, na retirada desesperada dos alemães de França, a ordem de Hitler para incendiar a mais bela cidade europeia de então, o recente movimento dos coletes amarelos, que tem posto a capital francesa a ferro e fogo, parece levar-nos para os tempos de maio de 68, quando Sartre e Cohn-Bendit promoveram a maior onda de protestos populares nas ruas de Paris, a pretexto de manifestações estudantis para pedir reformas no sector educacional em França e que evoluiram para uma maciça manifestação de trabalhadores e depois para a maior greve geral de sempre, que foi brutalmente reprimida pelo governo frances de então, forçando de Gaulle a convocar eleições gerais e só assim retomar o controle da situação, mas abrindo as portas para a sua retirada politica (o que ocorreu pouco depois) e deixando o caminho aberto às reformas politicas que marcaram a França nos anos seguintes.

          Os acontecimentos recentes em Paris e no resto da França, que mobilizaram milhares de policias e provocaram centenas de detenções, parece não estarem para acabar tão cedo, deixando nos espiritos mais preocupados a ideia de que, tal como ocorreu em 1968, não será sem profundas reformas que a situação politica se normalizará. O pretexto da contestação ao anunciado aumento do preço da gasolina, que passou já para patamares mais dificeis de conter e que não se antevê onde acabará, prenuncia o fim de uma época e o inicio de outra, que a vitória eleitoral de Macron simulava ter protagonizado, mas que afinal, parece não ter conseguido. 

          Outros países europeus estão passando por experiências novas que tambem configuram uma vontade popular de mudança do paradigma politico que foi iniciado no pós-guerra, mas que parece ter chegado ao fim. A alternância no poder entre partidos demo-liberais e socialistas (um pouco como os conservadores e os trabalhistas britânicos) parece ter acabado na Europa e perfilam-se no horizonte outras fronteiras divisórias de interesses politicos opostos. Com o fim da pobreza absoluta e da submissão social, os novos eleitores tornaram-se mais inteligentes, mais cultos e mais preparados do que os seus progenitores, para atingir patamares de vida antes reservados apenas a certas classes sociais ou profissionais. A influência de ideologias progressistas ou conservadoras mistura-se no espirito das novas gerações, mais como acontece com o leite e com o café e menos do que ocorre com a água e o azeite, que naturalmente não se misturam. Nada é hoje inatingivel por ninguem e já não existem coutadas reservadas para uso ou frequência de uns e onde outros estavam naturalmente excluidos. É neste contexto que se inserem as opções governativas e de vida da maioria dos cidadãos dos países ditos desenvolvidos. Mas tambem entre países se verfica a mesma coisa, pois já não existem países de primeira ou de segunda categorias, embora subsistam ainda laivos de subalternidade entre os estados mais desenvolvidos e os menos desenvolvidos. E não só entre países de continentes diferentes, mas tambem entre paises do mesmo continente. Basta pensar-se na China, na India, no Brasil ou no México. Todos estes países são subdesenvolvidos, mas detêm todos eles altos graus de desenvolvimento em certos sectores.

          Mas é sobretudo na Europa onde nos inserimos que esta problemática se revela mais premente.  Com a União europeia (com as suas vitórias e os seus desaires) todos os países europeus (mesmo os não membros da UE) atingiram depois (e como consequência) da queda do muro de Berlim, niveis de desenvolvimento acentuados (uns mais do que outros, naturamente).  A integração europeia não é (como alguns ainda pensam) um projecto unificador, mas sim um padrão de vida que todos querem usufruir por igual e o qual todos têm o mesmo direito de almejar. Assim se compreendem as influências que os estados europeus (dentro ou fora da União) exercem uns nos outros. Influências politicas, sociais, económicas, culturais e até de costumes.

          Compreende-se assim a impaciencia que alguns demonstram no alcançar dos desideratos a que se julgam capazes ou com direito, sobretudo quando comparando com as formas, por vezes ardilosas e até soezes, com que outros já os atingiram. As manifestações em França (até agora incontroláveis) são bem a prova disto. Porque razão uns pagam mais do que outros para conseguir o mesmo resultado? Porquê uns chegam mais depressa ou mais alto do que outros tendo capacidades semelhantes?  É disto que se queixam os coletes amarelos e é disto que se queixam todos aqueles que estão na mesma situação. Vivam onde vivam e estejam onde estejam. Coletes amarelos todos temos na mala do nosso carro. Não vivemos é todos em França.


                    ALBINO  ZEFERINO                                                             9/12/2018

segunda-feira, 26 de novembro de 2018

BREXIT: ACORDO OU DECLARAÇÃO DE GUERRA?


          Com a histórica aceitação sem reservas, neste fim de semana, do plano May, por parte dos sócios da Grã-Bretanha para a saída "soft"dos ingleses da União Europeia onde se meteram para não ficarem isolados numa Europa em mudança profunda, iniciou-se uma fase sem retorno nesta aventura a que alguns chamaram Brexit.  Resta agora o acordo do Parlamento britanico para que o divórcio se concretize.  Mas será assim tão simples? Infelizmente não me parece.
          Nunca os ingleses se conformaram na submissão a uma entidade supranacional que não controlavam, depois de terem sido os únicos a conseguir evitar a invasão hitleriana há mais de setenta anos atrás.  A participação britanica na UE foi sempre pautada por reservas consubstanciadas em "optings out" que, conferindo aos ingleses um estatuto de que os outros não gozavam, fez nascer nos parceiros comunitários um certo desconforto pela presença inglesa nas lides comunitárias. Alguns até chegaram a atribuir aos britanicos algumas culpas por certos atrasos ou desvios ao natural e progressivo processo integrador europeu.  Não é pois de admirar a vontade (por enquanto escondida, é certo) de certos parceiros em "despachar" este assunto, que constitui para alguns a remoção de um obstáculo essencial ao avanço mais rápido na direcção de uma verdadeira união politica que afaste de uma vez para sempre o espectro duma nova guerra na Europa.
          Mas será assim tão fácil "despachar" os ingleses de vez? Não me parece. Em primeiro lugar, porque o Brexit não constitui apenas uma simples declaração de vontade em sair, pelo contrário, reflecte uma decisão popular, que apesar de não ser peremptória nem unânime, traça um caminho ao qual não se poderá fugir com subterfugios e esquemas paralelos, como tem sido uso e costume na Comunidade europeia.  Depois, não é fácil, neste contexto de confrontação, encontrar uma forma pacifica, aceite por "brexiters" mais encarniçados e por "remainers" mais empedernidos, que possa merecer aceitação generalizada de todos os cantos de um reino que se diz unido mas que está afinal junto com cuspo (o que pensam os escoceses, e os irlandeses do norte, e os galeses, e os trabalhistas e os tories, e os comuns e os lordes, e os das docas e os proprietários rurais?).  Será que todos se porão de acordo como se puseram quando Churchill exortou os britânicos a resistir aos avanços de Hitler?
Finalmente, será dificil seja a quem for emendar a mão, seja com outro referendo, seja com algum zigue-zague muito próprio dos ingleses, do qual não vejo um resultado útil e evidente para sair desta embrulhada.
          Será assim, a meu ver, muito dificil que o Parlamento britanico se ponha de acordo na aprovação dum projecto que, sem lhe retirar o mérito especifico, não satisfaz nem gregos nem troianos nesta guerra sem quartel em que os britânicos se meteram quando decidiram aderir à então CEE, convencidos de que a dominariam desde dentro, o que alemães e franceses nunca permitiriam, como nunca permitiram que os britanicos dominassem a Europa desde que a história é história.  Não se pode fazer história contra a história.  Talvez os americanos possam dar uma ajuda quando verificarem que essa ajuda lhes poderá ser útil.  Como reza, de resto, a história.

         
                     ALBINO  ZEFERINO                                                          26/11/2018

terça-feira, 20 de novembro de 2018

TOTALITARISMO E DEMOCRACIA



          Será curial opor o totalitarismo à democracia? Eu acho que sim. O totalitarismo pretende - como o nome indica - controlar tudo à sua volta: pessoas, bens e organizações. A democracia, pelo contrário, permite que as decisões colectivas sejam apenas impostas pela maioria dos decisores (os que votam). Num regime totalitarista não há liberdade: de pensamento, de acção, de voto, de decisão, etc.etc.; num regime democrático é precisamente o contrário: pode-se fazer tudo o que não estiver proibido e só a vontade da maioria poderá proibir alguma coisa (um dos slogans de Maio de 68 era precisamente este: é proibido proibir - foi um lema anarquista muito atraente que fez voga no principio do século passado com o trotskismo).
          Tal como o totalitarismo - que pode ser de esquerda (bolchevismo soviético, chavismo bolivariano, comunismo castrista, etc. etc.) ou de direita (nazismo hitleriano, fascismo italiano, islamismo fundamentalista, etc.etc.), a democracia pode ser levada a cabo por esquerdistas (socialistas, sociais democratas, sociais-cristãos, etc.) ou por direitistas (conservadores, liberais, cristãos-democratas, etc.). Todos estes sistemas já foram alguma vez experimentados e deixaram, uns mais do que outros, gratas saudades ou penosos sacrificios nos espiritos daqueles que os experimentaram.
          A história mundial mostra-nos que, após periodos de longos e penosos sacrificios impostos às populações, há sempre periodos de alguma distensão nas sociedades que permitem às pessoas recuperar a esperança perdida e a alegria de viver.  Durante o século passado isso aconteceu por tres vezes:  a primeira vez na sequência do final da Primeira Grande Guerra (cujo centenário foi este ano celebrado com euforia); a segunda verificou-se após a vitória dos Aliados na Segunda Guerra mundial; e a terceira vez ocorreu na sequência da Queda do muro de Berlim, com o desmoronamento do comunismo no mundo. Contrariando porem as expectativas daqueles que ansiavam nunca mais voltar a suportar os sacrificios e as perdas que os regimes totalitários derrotados lhes tinham imposto, passados poucos anos volta a tentação do controle de uns sobre os outros, usando as mesmas técnicas e os mesmos processos, quiçá mais sofisticados pelo avanço das tecnologias.
           Sendo a democracia um meio através do qual os povos exprimem a sua liberdade, esta requer porem mais do que escolher um dirigente atraves do voto. Não é pelo simples facto de ter ganho uma eleição que o vencedor fica com licença de fazer o que quiser. Numa verdadeira democracia, os dirigentes respeitam a vontade da maioria, mas tambem os direitos das minorias. Isto é, as garantias constitucionais dos individuos devem ser defendidas, mesmo quando se tornam inconvenientes para quem manda. Em 2017, o índice de democracia do Economist mostrou um declinio na saude democrática de 70 países, com base em critérios como o respeito pelo processo democrático, a liberdade religiosa e o espaço concedido à sociedade civil. O relatório conclui que "a confiança da população nos governos, nos representantes eleitos e nos partidos politicos, desceu para niveis extremamente baixos. Esta tem sido uma tendência a longo prazo". A crise financeira de 2008 reforçou esta tendência levando muitos cidadãos a duvidar da competência dos dirigentes e a pôr em causa a justeza de sistemas que parecem proteger os ricos à custa de todos os outros.
          Outra razão para o descontentamento com a democracia consiste no facto de ser cada vez mais dificil para os governantes comunicarem as suas acções e as suas intenções. As chamadas redes sociais ganham cada vez mais protagonismo na passagem da informação entre as pessoas em detrimento dos velhos sistemas institucionais como a propaganda ou o comicio politico. As pessoas julgam que sabem a verdade porque viram ou ouviram nas redes sociais. A táctica é eficaz pois as pessoas não têm uma forma fiável de determinar se a origem do que vêm ou lêm é legitima, ou se é transmitida maliciosamente por um governo estrangeiro ou por um impostor por conta própria. O custo de espalhar falsidades através das redes sociais é minimo, assim como é minimo o esforço exigido. Hoje em dia as democracias estão a ser contaminadas por mentiras que chegam em vagas através das redes sociais. Os dirigentes que respeitam as regras democráticas estão a ter dificuldades em refutar histórias que parecem ter saido do nada e que foram inventadas unicamente para acabar com eles. A globalização, que não é uma escolha ideológica mas um facto da vida, tornou-se para muitos um mal que tem que ser combatido. Há governos que optam por avançar noutra direcção - o uso dos firewalls - como acontece na China, por exemplo.
          Esta transição está a levar as populações - incluindo editorialistas, colunistas, locutores e bloggers - a exigir cada vez mais dos governos. Sentem que é seu direito inato atacar por todos os lados os representantes eleitos, mesmo quando não votaram nas eleições que aqueles venceram. O povo anseia pelos beneficios da mudança, mas sem os custos a ela inerentes. Por isso é surpreendente, em certo sentido, estarmos dispostos a ceder a liderança das nossas sociedades à sabedoria colectiva de uma opinião publica imperfeita e frequentemente alheada. Como pode alguem ser tão crédulo ao ponto de entregar permanentemente o poder - uma força corruptora inerente - a um unico dirigente ou partido? Quando um ditador abusa da autoridade, não há forma legal de o fazer parar. Dizia Masarky, presidente da Checoslováquia independente, em 1930: "A democracia não é apenas uma forma de Estado, não é apenas algo que está contido numa constituição; a democracia é uma perspectiva de vida, exige crença nos seres humanos, na humanidade....A democracia é um debate. Mas o verdadeiro debate só é possivel se as pessoas confiarem umas nas outras e se tentarem honestamente descobrir a verdade.

            ALBINO  ZEFERINO                                                                            20/11/2018

terça-feira, 30 de outubro de 2018

ANGELA MERKEL


          Poucos terão reparado que neste fim de semana a Chanceler da Alemanha anunciou a sua saída do poder que ocupa há tres mandatos sucessivos e graças a quem portugueses, gregos, irlandeses e outros ainda podem dizer que têm um país.  Foi Angela Merkel quem impediu a implosão do euro na sequência da crise do subprime importada dos EUA e consequentemente permitiu a continuação da UE no seu peculiar processo de desenvolvimento.  Sem ela, ou melhor, sem a sua intervenção provavelmente Portugal e outros países da zona euro já não existiriam como Estados independentes, com os seus governos, os seus parlamentos os seus tribunais e os seus presidentes.  O que terá significado tal anuncio?
          A meu ver significou duas coisas: Merkel realizou que não conseguiria controlar os prováveis estragos que a saída do Reino Unido da UE vai causar à própria UE, à Europa e ao mundo.  E depois realizou tambem que a sua politica de aceitação incondicional de novos imigrantes na UE não estava a surtir o efeito que ela previu.  Bem pelo contrário.  A desejada integração pacifica de nova mão de obra barata na Europa não se está a verificar, trazendo atrás de si a implementação de politicas de exclusão social danosas para a democracia que ela defende.  A recente derrota da CDU no Sarre a favor do crescente AfD, foi a gota de água que levou Merkel a mudar de rumo.
         Significará isto que a anunciada saída de Angela Merkel do poder na Alemanha se traduzirá numa alteração substancial da politica da UE, e por conseguinte do futuro dos seus Estados Membros e da própria cidadania europeia? Não creio.  A democracia europeia está definitivamente enraizada na UE e nos seus EM para que a mudança de qualquer lider nacional possa afectar o seu natural desenvolvimento, mesmo tratando-se de uma das obreiras decisivas da Europa onde hoje vivemos e que nos enquadra substancialmente no seu seio.
          Angela Merkel nasceu na antiga Alemanha comunista, filha de um Pastor protestante e foi educada no rigor marxista e com o pragmatismo próprio dos luteranos. Frequentou escolas publicas (não havia outras), padeceu das dificuldades inerentes ao regime social onde estava inserida, não conheceu o Maio de 68, nem os seus excessos. Estudou um curso que nada lhe trouxe às suas preocupações sociais (é formada em Quimica), e só depois da queda do muro de Berlim é que apareceu nos corredores da politica alemã onde foi descoberta pelo seu mentor Helmut Kohl, que nunca mais a largou, até fazer dela a sua sucessora no partido e na chancelaria.  Angela Merkel é uma corredora de fundo e não deseja mais do que aquilo para que sempre trabalhou: um ideal de vida europeu.
           A meu ver, Angela Merkel vai pura e simplesmente mudar de agulha. Tendo-se assumido como herdeira de um dos constructores da Europa unida, Merkel não abandonará a politica, como quis fazer crer na breve e fugidia declaração que fez no passado fim de semana.  Face ao crescimento progressivo da extrema direita-alemã, Merkel vai prosseguir o seu ideal europeu a partir de outro patamar. O patamar europeu.  E vai conferir-lhe outra dinâmica, que tambem já está a ser desenhada há algum tempo.  Há algum tempo que se verifica um ligeiro entorse na forma como as decisões vêm a ser tomadas na UE.  Já não é a Comissão (cheia de contradições e de curto-circuitos) nem sequer o Parlamento europeu (cheio de inuteis e descartáveis politicos nacionais) quem apresenta as propostas para decisão dos Conselhos europeus.  É o próprio Conselho europeu que decide o que vai decidir, quando é que vai decidir e como é que vai decidir.  É o inter-governamentalismo a tomar a dianteira (já uma das primeiras consequencias do Brexit). Para isso precisa de um Presidente activo e com prestigio.  O actual presidente é um discreto polaco que ninguem conhece e que gasta o seu tempo a discutir com o presidente da Comissão qual deles é quem responde pela Europa, quando Trump, Putin ou Xi querem falar com a Europa.  O mandato do tal polaco presidente do Conselho europeu, que se chama Tusk, está a acabar, e eu não me admiraria se Merkel se apresentasse ao lugar, depois de devidamente substituida como Chanceler da Alemanha, claro está (nada de fugas à Barroso, próprias de países terceiro-mundistas e em degeneração acelerada).  A contenção dos lideres europeus nas recentes atitudes anti-europeias que vêm demonstrando (na imigração, na apreciação do Brexit, nos complexos de vizinhança, etc. etc.) a sua fraca e efémera legitimidade politica interna na maioria dos casos resultante de ocasionais coligações e até a vulgaridade institucional que apresentam, recomendam a eleiçao (escolha, nomeação) duma personalidade prestigiada, com provas dadas de indesmentivel competência e inigualável europeismo, para os chefiar e lhes indicar o caminho certo no momento certo e na ocasião oportuna, para que a UE possa algum dia ser a instituição com que os pais fundadores sonharam.
Inch Alah !


              ALBINO  ZEFERINO                                                                     30/10/2018

segunda-feira, 24 de setembro de 2018

PORQUE CAIU MARQUES VIDAL?



          Porque foi substituida a Procuradora Geral da Republica? Diz-se que Joana Marques Vidal - a primeira senhora titular de tão polémico cargo - foi a unica procuradora em mais de 40 anos de regime abrilista que teve a coragem de enfrentar os interesses instalados neste Portugal de opereta em que o nosso país se transformou, e que por isso mesmo a substituiram. É verdade sim senhor. Mas tambem é verdade que Marques Vidal perdeu o apoio politico de que gozava desde que Passos Coelho foi comido por António Costa. Fora Passos quem a nomeara na onda reformadora que o possuira desde que a troika estrangeira chegou a Portugal, como consequencia das diatribes socretinas anteriores que quase enterraram o regime. Com as reversões socialistas - truque milagroso que  consolidou Costa no poder - Marques Vidal não teria muitas hipóteses de prosseguir. Os dossiers Sócrates e Espirito Santo e sobretudo o dossier Benfica foram o pretexto para a afastar agora que as eleições se aproximam e os interesses aparecem ao de cima, tornando-se mais óbvios.
          Qual foi então o pecadilho de Marques Vidal, que definitivamente arredou do poder a ultima mohicana do reformismo no Portugal de hoje? Foi o eterno complexo lusitano pelo detalhe, direi eu.  Se Marques Vidal não se tivesse preocupado tanto em conseguir acusações insofismáveis de crimes que entravam pelos olhos de todos dentro - até do Costa, que foi apenas uma vez ao beija-mão socretino à cadeia de Évora (e mesmo assim num fim-de-semana) escondido das televisões - ainda lá estaria cavalgando os mega processos que conseguira heroicamente instaurar contra os próceres do regime. Agora, tal como D.Sebastião, morreu em Alcácer Quibir e dentro de dois dias já ninguem falará da primeira mulher que, contra tudo e contra todos, teve a ousadia de tentar reformar um Estado irreformável por natureza.  Tivesse Joana dado corda ao seu cavaleiro andante Alexandre (o justiceiro do reino) em vez de prudentemente lhe exigir as provas provadas que foram impossiveis de obter (os gajos não são parvos e blindaram tudo o que puderam) dos crimes cometidos à vista de todos e contra todos, outro galo cantaria e a joaninha continuaria a voar. As acusações seguiriam como fosse possivel e os acusadores que se amolassem na busca das provas que a tendenciosa legislação pro-réu em Portugal impõe. Normalmente é em tribunal que os casos se ganham ou se perdem.
          A nova Procuradora vai agora prudentemente desmontar os mega processos instaurados contra Sócrates, Ricardo, Benfica e quejandos e transformar as acusações laboriosamente tecidas pelo famigerado juiz Alexandre em meros incidentes administrativos, deixando aos acusados campo largo para arrastarem os processos até às respectivas prescrições ou permitindo que se defendam a seu beneficio de forma a sofrerem penas menores do que aquelas que as circunstâncias exigem.
          Assim vai a nossa Democracia.

             
                   ALBINO  ZEFERINO                                                                   24/9/2108

quinta-feira, 12 de julho de 2018

A PREVISIVEL DESAGREGAÇÃO DA NATO


          Hesitei dar a este link este titulo tão assustador. Mas, sob pena de não ser entendido na essência dos meus pensamentos, avancei afoito para ele. Não sei se fiz bem, mas o leitor dirá.
          A NATO foi constituida no rescaldo da 2ª Guerra mundial quando a Europa ainda estrebuchava dos bombardeamentos sofridos e tentava levantar-se do chão com a ajuda norte-americana. A par da OECE para a ajuda Marshall e de Bretton Woods para a definição do caminho futuro do mundo livre, a NATO constituiu a aliança fundamental para suster os impulsos imperialistas soviéticos, já adivinhados em Yalta. Tratou-se dum tratado multilateral de cariz essencialmente militar cuja matrix reside no famoso artº 5º que prevê ajuda automática de todos, quando um dos sócios for atacado.  Olhava-se neste tempo mais para os países do Leste europeu ocupados pela Russia soviética, onde Berlim representava um simbolo dessa confrontação surda a que se chamou a guerra fria. A própria Turquia foi convidada a aderir para apaziguar o conflito (ainda hoje latente) com a Grécia e assim garantir a defesa do sudeste europeu. Portugal entrou por causa da importancia logistica dos Açores (hoje desaparecida) e a Espanha só aderiu depois de Franco para marcar a sua democratização. A NATO serviu para impedir a sovietização do continente (que entretanto prosseguia através da guerra fria) e com o fim dos soviéticos deixou de fazer sentido. Porem, como Putin não dá garantias a ninguem de que nada quer da Europa, os americanos têm preferido manter a NATO viva (apesar da dissolução do pacto de Varsóvia, contraparte da NATO no Leste, logo a seguir ao desaparecimento da URSS). Temos assim vivido num desengano desde o fim da União sovietica. Os europeus não se entendem em matéria de defesa militar e os americanos preferem manter a NATO enquanto a Russia lhes for hostil. Todos contentes.
          Só que ninguem previa a chegada de Trump ao poder nos EUA, pondo em causa o politicamente correcto seguido desde a queda do muro de Berlim. Trump é o apanágio do pão pão queijo queijo e não está disposto a transigir naquilo que não considere vantajoso para os Estados Unidos. E a NATO hoje deixou de ser vantajosa para os Estados Unidos. A Russia avança pela Europa fora através do comércio livre (o fornecimento de gás indispensável à Alemanha é bem prova disso) e a China detém hoje posições vitais nas economias dos países comunitários (e não só) sem necessidade de invadir militarmente qualquer pais.
          Trump veio esta semana à cimeira da NATO na Europa para dizer precisamente isto mesmo. Sabendo que os depauperados países europeus não têm qualquer capacidade para aumentarem as despesas militares (mesmo os que a têm, não o farão por razões de politica interna. Cuidado com os pacifistas que cada vez contam mais), Trump fez exigencias que ultrapassam (são o dobro) dos compromissos arrancados em cimeiras anteriores só para não susceptibilizar os americanos. Como é que países devedores (Portugal por exemplo deve cada vez mais) sem possibilidade de pagar essas dividas a curto prazo (e vamos lá a ver se mesmo a longo prazo tambem) vão aumentar as suas despesas militares sem perigo iminente à vista nem estratégia de defesa a longo prazo? Trump sabe isto muito bem e só espera os primeiros deslizes (a partir de 2024) para deixar de pagar à NATO atirando-a para a falência.
          Os interesses norte-americanos movimentam-se hoje muito mais em redor do eixo Xangai-Singapura-Hong Kong do que no de Paris-Londres-Berlim. À desagregação da UE na sequência do Brexit, desagregar-se-à a NATO por ausencia de assistencia americana.  Aos americanos interessa mais o Sudoeste asiático e a América do Sul do que a Europa ou a África.

                 ALBINO  ZEFERINO                                                                                12/7/2018

sexta-feira, 29 de junho de 2018

O REVERSO DA MEDALHA


          Para se compreender o actual fenómeno da imigração para a Europa proveniente essencialmente de África através do Mediterrâneo, há que fazer uma retrospectiva histórica do fenómeno.  Numa primeira fase correspondente ao período dos descobrimentos verificou-se a primeira vaga duma imigração subrepticia ainda envolta noutras realidades mais evidentes como a escravatura e o seu tráfico.  Lisboa e outros portos oceanicos (Veneza, Cadiz, Roterdão, Londres, etc.) eram na época verdadeiros entrepostos de pessoas onde se compravam e se vendiam livremente escravos, embarcadiços ou outros vagabundos segundo a lei do mais forte ou do mais poderoso. Oriundos essencialmente de África, esses imigrantes foram sucessivamente sendo exportados como força de trabalho para as plantações norte e sul-americanas. Alguns ficavam nos países europeus como criados ou servos dos respectivos donos. Não havia nessa época familia que se prezasse que não possuisse um rancho de negros e de negras para a servir e aos seus convidados. Corresponderam estes aos primeiros refugiados chegados à Europa oriundos de África.

          A segunda leva de imigração para a Europa coincide com a abolição da escravatura no decurso do seculo 19. Entregues ao seu próprio destino, os recém libertados escravos tinham que concorrer entre eles e com os brancos desempregados na procura dos trabalhos que lhes permitissem subsistir e às suas familias.  Com o estabelecimento das linhas maritimas regulares entre a Europa e os outros continentes e a generalização do comercio maritimo, muitos ex-escravos chegaram à Europa e às Américas em busca de condições de vida que não encontravam em África. Tambem a abolição da escravatura nos Estados confederados da América do Norte, em Cuba e no Brasil proporcionaram aos mais afoitos a busca de melhores condições de vida na Europa rica e poderosa. Acompanhando os retornados "brasileiros" enriquecidos ou viajando clandestinamente, os novos imigrantes encheram a Europa de mão de obra barata que era explorada pelas novas industrias menos escrupulosas que a revolução industrial iniciada em Inglaterra criara. Constituem estes a nova vaga dos indigentes vagueando sem norte pela Europa.

          Com o inicio das descolonizações iniciadas após Bandung na segunda metade do seculo passado, começou uma nova fase da imigração descontrolada em direcção à Europa do bem-estar.
A concessão da independencia às antigas colónias, maioritariamente detidas por países europeus, mal preparados para assumirem os seus destinos por eles próprios, determinou, passada a euforia natural própria da liberdade, uma fuga macissa de anteriores colonizados em direcção às antigas metrópoles na busca duma melhoria de vida que as independencias dos respectivos países de origem não proporcionaram. Bem pelo contrário. Os novos países saidos da colonização estão hoje mais pobres e mais desorganizados do que anteriormente, apesar de deterem matérias-primas cada vez mais caras e necessárias para a vida das sociedades que os colonizaram. A percepção cada vez maior destas realidades cria no espirito, sobretudo dos jovens que nunca serviram nem nunca foram subjugados, um sentimento de enorme frustração, que os leva a forçar a entrada na Europa na busca dum bem-estar e dum modo de vida que não têm nos seus países mas que adivinham (pela televisão) existir na depauperada Europa.  Aproveitando este filão inesgotável, inescrupulosos traficantes de pessoas têm contribuido para o aumento das vagas de imigrantes (refugiados, fugidos ou simplesmente desesperados) em direcção da Europa, enriquecendo à custa deles e da ingenuidade ou da preversidade de politicos demagogos e populistas para quem tudo é licito (mesmo à custa de vidas humanas) para atingirem os seus ilicitos fins.
          Como acabar com esta praga antes que ela dê cabo de nós?

        ALBINO  ZEFERINO                                                                              29/6/2018
         

quinta-feira, 28 de junho de 2018

BREVE AUTOBIOGRAFIA DO MEU HOMÓNIMO


          Único filho varão (teve uma irmã mais velha e ainda tem uma irmã mais nova) dum casal da burguesia lisboeta, o meu homónimo nasceu a 3 de Junho de 1946 em casa (como era hábito nesse tempo).  De seu pai, espirito livre mas responsável, e de sua mãe, mais conservadora e reservada, o biografado herdou uma personalidade multi-facetada misto dum dogmatismo germanico e de um pudico cosmopolitismo, o que lhe aparentava alguma timidez nas acções e certa reserva na expressão dos sentimentos e que o apontava para uma carreira publica, quiçá mesmo militar.  Seu pai, dado ao mar, não desdenhava que o filho (que estimava e em quem se revia) se tornasse oficial da Marinha seguindo as pisadas do avô (pai do Pai) que fora oficial do Exército no periodo da Guerra mundial e fora gaseado pelos alemães na Flandres. A mãe, porem, ambicionava mais para o rapaz, quiçá mesmo uma carreira internacional no comércio ou nos negócios, tal como tinha sido o pai dela, rico comerciante muito ligado aos ingleses.
       
          Muito cedo ainda (à época os meninos das cidades não iam para a escola antes dos 6 anos) a criancinha foi matriculada no pré-primário (Kindergarten) da recentemente reaberta Escola Alemã de Lisboa (Deutsche Schule Lissabon) onde conheceu meninos da colónia alemã em Lisboa (gente ligada à guerra acabada de terminar). Sua mãe era fluente em alemão (estudara na Alemanha até ao inicio da Guerra) e provinha duma familia meio-inglesa instalada em Portugal desde o liberalismo (dos ingleses da Carnota). Começou assim o meu homónimo a aprender alemão de ouvido (hoje pouco fala já, mas o pouco que diz parece ser dito por um "scholar" de Brandenburgo). Fez a primária na escola alemã e após um ano no Camões (que não deixou marcas) entrou no Colégio Militar onde as admissões obedeciam à época a critérios de selecção muito rigorosos. Aqui aprendeu a obedecer e a marchar a toque de caixa naturalmente, sujeito a regras de disciplina muito apertadas, o que lhe moldou o carácter para o futuro. Conceitos como a solidariedade, a hierarquia (de valores e de pessoas), o destemor, a entrega incondicional, o desembaraço fisico, a obediencia, entre outros valores, foram-lhe incutidos naturalmente e ficaram a fazer parte da sua personalidade diversificada. Já encaminhado para a entrada na Escola Naval, o rapaz decidiu (repentinamente, diz-se que em consequencia dum desgradável incidente disciplinar ocorrido com o seu curso em 1961) passar-se para as Letras e saiu do colégio sem ter terminado o curso colegial completo. Foi fazer o então 7º ano para os jesuitas no Lumiar (ao pé da casa onde morava com seus pais e irmã) na intenção de se matricular no ano seguinte na faculdade de Direito em Lisboa (a única então existente; havia uma outra em Coimbra). Assim aconteceu e anos depois (e muitas noitadas de estudo depois) lá acabou o curso de Direito.  Embora reconhecesse que o curso lhe tinha moldado o carácter (eu diria sem lisonja que lhe completara o carácter formado na austeridade do ensino alemão e forjado na exigente organização do colégio militar onde viveu interno durante os 5 anos da sua adolescência) o meu biografado nunca se identificou com as minudências que uma profissão essencialmente juridica exigia. Animado por um colega que conhecera nos jesuitas e de quem ficara amigo, resolveu (como ele, de resto) concorrer à carreira diplomática e ficou.
       
          Nessa altura namoriscava uma moçoila que conhecera através de amigos e que pacientemente esperava o final do curso dele para se casarem. A rapariga, de boas familias (e de origens fidalgas) e bem educada, foi logo bem aceite pela familia do meu homónimo, sobretudo pela sogra que lhe via qualidades capazes de fazer um bom casamento com o seu filhinho querido (e teve razão; já estão casados há 47 anos). Casaram de facto logo a seguir ao curso e têm uma filha e um filho: dela nasceram duas encantadoras netas e dele um netinho brasileiro. Depois do casamento haveria que encontrar trabalho. Na altura não era tão dificil como hoje e atraves dum colega da Faculdade o biografado conseguiu penetrar directamente nas camaras do poder. O seu primeiro trabalho remunerado pelo Estado foi no gabinete do então poderoso Secretário de Estado da Informação e Turismo, cujo imponente gabinete funcionava no palácio Foz aos Restauradores. O recem-licenciado fora nomeado em Diário do Governo (como se chamava na altura) Secretário do membro do governo de Marcello Caetano (seu antigo professor na Faculdade). Pouco tempo por lá ficou, pois foi chamado para a tropa 6 meses depois. Foi sem pena que saiu do palácio Foz, pois quanto mais cedo se despachasse da tropa mais cedo era chamado para iniciar funções no MNE.

          Cumprido o serviço militar obrigatório (na altura havia a guerra em África), o biografado entrou ao serviço no Ministério dos Negócios Estrangeiros em Outubro de 1974. A sua primeira colocação foi como adjunto do director do serviço de Informação e Imprensa estrangeira, Alfredo Barroso, sobrinho e companheiro politico de Mário Soares, o primeiro MNE após a revolução.  Talvez a breve passagem pelo gabinete do Moreira Baptista tivesse influenciado essa escolha. O ministério fervia de actividade. Era preciso mostrar aos estrangeiros que a revolução de Abril em nada prejudicaria as relações diplomáticas entre Portugal e os outros países. Pelo contrário, dizia-se.  A revolução tinha trazido a liberdade e assim o que era preciso era restabelecer relações cortadas, fortalecer as existentes e iniciar aquelas que nunca tinham existido. Foram abertas novas vagas, a carreira quase duplicou. Começava a politização da diplomacia. De principio todos passaram a ser socialistas de sempre. Os mais velhos (alguns com tachos na censura ou nas listas dos informadores da PIDE ou até com curriculo na Legião) fizeram descobrir aos novos chefes os seus verdadeiros sentimentos face ao regime opressor: perseguição, asco e até vergonha. Os novos (hoje velhos) aproveitaram as portas escancaradas por Soares para invadirem as salas do antigo palácio real. A diplomacia estava a mudar e com ela a carreira tambem. Quem não estivesse de acordo, rua. Muito poucos o fizeram. E mesmo assim, quase todos esses voltaram mais tarde, quais filhos pródigos.
O meu biografado, tal como a maioria dos neófitos, esperava para ver. Alguns porem, mais ansiosos, começaram logo a trepar agarrados às labitas dos velhos convertidos. Outros ainda, passaram-se de armas e bagagens dos partidos recém-criados para a carreira. Anti-fascistas, proclamavam-se em voz alta. Havia que modernizar (democratizar, segundo os menos prosaicos) a carreira.

          Pouco tempo esteve com Alfredo Barroso. O serviço exigia dedicação politica e empenhamento partidário que o meu biografado obviamente não tinha. Logo que descobriu uma vaga num serviço mais tecnico, o meu homónimo para lá pediu para ser transferido. Foi preciso o prestável novo chefe, Pereira de Sousa, interceder junto do Barroso para se conseguir a mudança. Barroso que o tinha convidado pessoalmente ficou ofendido. Ainda hoje não lhe fala. Um ano depois começaram as colocações dos novos adidos no estrangeiro. Ao meu biografado calhou-lhe ser colocado na Embaixada em Madrid. Grande posto diziam amigavelmente os mais invejosos. Foi de facto um posto muito interessante. Coincidente com o cambio espanhol (Franco tinha morrido em Novembro de 1975 e o meu biografado apresentou-se em Madrid em Abril de 76) a embaixada de Portugal era fonte e destino de recados secretos e melindrosos de Madrid para Lisboa e vice-versa.  Foi uma experiencia de tres anos unica e utilissima para a sua formação profissional. O próprio ambiente na embaixada reflectia a confusão que se vivia em Lisboa. Vinham uns partiam outros. Uns mudavam de agulha como de camisa e outros não percebiam o que se estava a passar fosse num ou noutro lado da fronteira. As relações com a crescente emigração portuguesa em Madrid (fugida do PREC) eram erráticas e discretas. Enfim, um pandemónio. Após o assalto à Embaixada de Espanha em Lisboa, as relações com a nossa embaixada esfriaram. Mas logo que apresentadas desculpas e pagos os prejuizos, o interesse espanhol pela forma como decorria a nossa democratização voltou. Queriam evitar (como ocorreu) a excessiva intervenção dos comunistas no processo. Nisto reside a grande diferença entre ambos os processos. Os espanhois conseguiram preservar o sistema económico de mercado, enquanto que em Portugal o governo do Vasco Gonçalves nacionalizava os grandes grupos económicos privados, perseguindo os grandes empresários e acusando-os de crimes económicos. Ainda hoje estamos pagando por isso. Isto só em Portugal.

          Ao fim dos clássicos tres anos (nem mais um dia) o meu biografado foi directamente transferido para Argel (com mulher e dois filhos pequenos um deles nascido já em Madrid). Sem casa em condições, num país hostil e desconhecido foi dificil para o meu biografado e para a sua familia a adaptaçao à nova vida. O embaixador, um bimbo transmontano, pouco percebia o que lá estava a fazer. Os argelinos viam os portugueses da embaixada (os unicos que lá viviam) como os herdeiros dos exilados apoiantes da descolonização que, como Manuel Alegre, Delgado e alguns comunistas fugidos à PIDE, falavam mal de Salazar e do regime do Estado novo, que denegriam. Ao contrário de Madrid (onde todos procuravam saber do pessoal da embaixada as novidades de Lisboa) em Argel ninguem sabia onde se situava Portugal e estavam-se literalmente nas tintas para a politica portuguesa. A Argélia tinha sido reconhecida por Portugal como país independente só depois do 25 de abril, muitos anos depois da própria França. Salazarices que os argelinos não tinham ainda perdoado. Os empreiteiros portugueses que hoje contribuem para a reconstrucção da Argélia ainda não tinham chegado e os contactos com as autoridades só se faziam quando os revolucionários portugueses (Otelo, Charais, Canto e Castro, etc.) por lá apareciam em aviões privados para conversas privadas que não partilhavam com a Embaixada.
Durante a estadia do meu biografado neste país aconteceu apenas um evento digno de nota. Foi quando os bandidos da Frente Polisário resolveram aprisionar um pesqueiro portugues que se aventurara na pesca em águas do Sahará ocidental a coberto do convénio assinado com o Marrocos que reclamava a posse do território (e das suas águas territoriais).  A Argélia dava apoio à Polisário contra os interesses de Marrocos. O aprisionamento do navio portugues servia interesses politicos pois os polisários (argelinos) só libertariam o barco e os 17 pescadores aprisionados se o governo portugues (de Sá Carneiro e do CDS) reconhecesse a nova republica saharui (RASD) contra o interesse dos marroquinos. Chegados a um impasse por recusa do MNE portugues (Freitas do Amaral) em satisfazer essa pretensão e proibindo o embaixador de se meter no assunto, Sá Carneiro envia um emissário seu (Luis Fontoura) para negociar. As conversações duram mais de uma semana sem se chegara acordo (os Polisários não o aceitavam como negociador pois queriam lá o ministro) e foi preciso o homem fingir que voltava para Lisboa sem ter havido negociações (afinal foi para Paris esperar luz verde dos polisários) até que o meu biografado que acompanhou o emissário de Lisboa neste processo ter conseguido que os Polisários o recebessem. Com Fontoura de volta, os homens foram-lhe entregues no deserto e depois repatriados para Lisboa. A aventura tinha terminado a nosso favor.  Um ano depois o meu biografado regressa a Lisboa para ocupar as funções de subchefe do Protocolo. Outra chatice.

          Com a mudança do governo em Portugal (governo Balsemão) Fontoura é chamado para Secretário de Estado da Cooperação e chama o meu biografado para seu chefe de gabinete. A passagem pelo Protocolo tinha sido felizmente fugaz. Esteve cerca de dois anos nessa função onde pode inteirar-se detalhadamente duma área da politica externa da maior importancia politica.  Tendo sido um país colonizador, não fazia sentido que Portugal não tivesse uma politica de cooperação propria que pudesse servir de esteio para o reenquadramento das relações com os novos países independentes de expressão oficial portuguesa. Isso se fez e ainda se vai fazendo. Só que cada vez menos e com menos intensidade. No exercicio deste interessante cargo o meu biografado conheceu Angola, Moçambique, Guiné, Cabo Verde e São Tomé, onde se deslocou por várias vezes em serviço do Estado.

          Com a saída do gabinete resultante de nova mudança de governo, o meu biografado foi passar um tempo a Bruxelas para frequentar um curso de formação para diplomatas, na Comissão europeia. Concluido o curso, é nomeado para a embaixada, onde se apresenta em finais de 1984.  O Embaixador com quem vai trabalhar tinha sido seu director geral em Lisboa. De inicio tudo corre bem apesar do feitio imprevisivel do sujeito, até que ele é transferido para Luanda, sendo substituido pelo Secretário-Geral do MNE, António Patricio.  Com este, mais previsivel, as relações tornam-se amigáveis ao ponto do meu biografado ter permanecido no posto até 1990.  Nestas funções o biografado teve oportunidade de participar na apresentação da Europália Portugal, certame bi-anual cultural de nivel europeu e do maior prestigio. O Comissário da exposição foi Rui Vilar de quem ficou amigo.  Durante este periodo o meu biografado foi ainda administrador do Colégio da Europa em Bruges, em representação do Estado portugues.
       
          Ao cabo de seis anos no posto, o biografado regressou a Lisboa e é colocado como director do serviço do Pessoal. Foi uma espécie de sinecura, pois os assuntos que realmente interessavam eram discutidos e decididos pelo ministro em sessões à porta fechada com o todo poderoso director geral da área. Para o meu biografado ficavam as formalizações do que era decidido a alto nivel.  Logo que lhe foi possivel passou-se para o gabinete do então Secretário de Estado das Comunidades portuguesas, simpatico madeirense pouco entrosado nas malandrices diplomáticas de que o ministério é fértil, de quem foi o 4º chefe do gabinete apenas num ano de governo. As eleições seguintes deram origem a um novo governo, o que permitiu que o meu biografado ficasse de novo livre para seguir para o estrangeiro. 
         
          Sendo já ministro plenipotenciário, categoria profissional que lhe permitia aspirar a uma chefia de Embaixada, preferiu porem voltar a Madrid como Consul-geral, função prestigiante mas de pouca importancia profissional. Os seus filhos, já adolescentes e a entrar em breve na universidade, ficariam mais acompanhados desde Madrid do que desde outro local mais distante embora mais interessante profissionalmente. Por terras espanholas se ficou por 4 anos até ter sido nomeado (nas vésperas da presidência portuguesa da UE, única preocupação que assolava as mentes dos diplomatas) embaixador em Harare, no sul da África. O colega que lá estava procurava junto do governo (onde tinha influencias) que o tranferissem para um país europeu, onde poderia brilhar mais.  No ultimo semestre de 1999 (antes de partir para Harare) o meu biografado esteve ainda por tres meses em Macau para preparar com os chineses a cerimónia da entrega do território (handover) na qual desempenhou a função de mestre de cerimónias. Função meramente formal mas de grande importancia para os chineses.
         
          A primeira embaixada do meu biografado correu profissionalmente muito bem, entre a vivência da transformação dum país próspero e dinâmico em mais um dos muitos pardieiros de que a África é fértil, e as sortidas esporádicas à bela selva africana . O Zimbabwe, primeiro produtor de tabaco do mundo e grande exportador de bens alimentares (carne, frutas, legumes, flores, etc, etc.) sobretudo para a UE, tornou-se, graças às politicas de indigenação forçada promovidas por Mugabe, em resultado das alterações da politica africana do novo PM britânico que atingiram em cheio aquela ex-colónia britânica, num grande problema humanitário que ainda hoje não está resolvido.  Como os leitores decerto saberão, ficara decidido no acordo de Lancaster House (entre Thatcher e Mugabe-Nkomo) que deu a independência à então colónia britânica da Rodésia do Sul em 1980, que os britânicos se comprometiam a financiar a reforma agrária no novo país (o que significava que Mugabe recebia dos ingleses dinheiro para manter as rentáveis quintas nas mãos dos proprietários britânicos e não só - até portugueses havia). Com a chegada de Blair ao governo ingles, em 1998, essa remessa financeira acabou (em prol do new deal trabalhista) e Mugabe não esteve com meias medidas; expropriou sem indemnização os colonos brancos (os ingleses que os indemnizassem) tendo ficado com as rendosas farms para ele e para os seus. O resultado foi a degradação acelerada da produção agricola zimbabweana e a transformação dum país próspero num estado falhado como infelizmente muitos são em África. E hoje o Zimbabwe é o que todos sabemos. Um estado falhado e mais um problema humanitário insoluvel.
         
          Com a mudança do governo em Lisboa (em 2002), o novo MNE chamou de Harare o meu biografado para ocupar as funções de chefe do Protocolo do Estado. Função ingrata, trabalhosa e dificil, que durou mais de tres anos. Viajou muito na preparação das visitas de Estado e nas propriamente ditas. Em 2005, foi nomeado embaixador em Berna, onde terminou, em 2010, a sua carreira de 40 anos de serviço exclusivo ao Estado, tendo sido promovido à categoria de Embaixador antes de passar à reforma.

          Hoje é vice-presidente da Sociedade Histórica da Independência de Portugal e vice-presidente da Comissão de relações Internacionais e da Comissão europeia da Sociedade de Geografia de Lisboa.

     
                         ALBINO  ZEFERINO (correspondente diplomático aposentado)

                                                                                                                                 28/6/2018



       
       
       

quarta-feira, 6 de junho de 2018

A NOVA EUROPA


          Com a nomeação dos novos governos de Itália e de Espanha, a Europa está em remodelação profunda. Desaparecidos os antigos partidos que dividiam as sociedades em esquerda e direita e em redor dos quais os governos dos países europeus se iam formando sucessivamente, verifica-se hoje que a dicotomia entre o capitalismo e o estatismo como formas alternativas de condução das sociedades está em crise, tendo dado lugar a governos hibridos cujas composições privilegiam mais a legitimidade da maioria dos votos e menos as ideologias que os sustentam. Dito de outro modo, mais vale contar com apoios que impeçam as quedas imprevistas dos governos do que a coesão ideologica dos mesmos. Ou melhor ainda, às malvas com as promessas eleitorais em prol duma sustentabilidade governativa que permita avançar com acções concretas que desenvolvam as sociedades e as aproximem mais umas das outras. É isto a Europa de hoje. Traçadas as linhas essenciais de conduta das sociedades europeias através dos sucessivos tratados europeus cada vez mais integradores da sociedade europeia em geral, a Europa unida vai ficando progressivamente mais unida mesmo se as frentes anti-europeias colaborem directamente para essa integração. É esta a essência hoje dos governos de coligação que usam a politica europeia como desculpa para as acções menos ideologicas e mais pragmáticas dos seus governos.
           Senão vejamos. Que problemas são hoje os que mais preocupam as sociedades europeias: é a imigração descontrolada vinda do Mediterrâneo ou a manutenção dos minimos indispensáveis para viver? São as condições de vida dos filhos desocupados ou o trabalho precário dos trabalhadores? É a susbsistência do euro como factor de união dos europeus (e do reforço da solidaridade europeia) ou a independência serôdia de algumas regiões europeias? Muitos mais exemplos haveria para citar para constatar que as preocupações dos cidadãos europeus se centram muito mais hoje no seu desenvolvimento global face às pulsões desenvolvimentistas de regiões extra-europeias do que na defesa de ideologias politicas próprias dos romanticos de seculos passados. É, a meu ver, isto que explica o surgimento de governos de geringonça que, inaugurados em Portugal por um europeu pragmático e inescrupuloso, começam a despontar por essa Europa fora assustada com a velocidade com que os acontecimentos empurram os politicos para acções pragmáticas conducentes a uma progressiva união europeia assente mais em causas materiais do que em valores morais e éticos.
          A União europeia é hoje uma realidade insofismável. As esquerdas e as direitas anti-europeias assumiram já esta realidade e só por táctica politica não a reconhecem. Não se procure porem um fim ao processo integrador europeu. A UE está em permanente construcção mesmo se nalguns projectos possa parecer ter parado ou mesmo retrocedido. A vitória sobre a crise de 2008 é a prova disso. Sem as politicas europeias de apoio ao sector bancário (com destaque para o papel activo e preponderante do Reino Unido) e a condução criteriosa e determinada da Alemanha, a UE passou com distinção a sua prova de vida para os próximos tempos. Titubeante é certo, menos veloz para uns e muito depressa para outros, determinada para alguns, confusa e sem projecto consistente para outros, o certo é que está de boa saude e recomenda-se.

               ALBINO  ZEFERINO                                                                        6/6/2018

quinta-feira, 8 de março de 2018

POLITICAS DEMOCRÁTICAS E DE ESQUERDA


          Desavergonhada e insolentemente vêem-se por essa Lisboa fora cartazes publicitários com apelos às politicas democráticas e de esquerda, como se as politicas de hoje não fossem democráticas nem de esquerda.  A democracia portuguesa está bem definida na Constituição da Republica e a sua aplicação em Portugal nunca foi seriamente contestada desde há mais de 40 anos. Quanto a ser de esquerda é perfeitamente legitimo que, estando um partido de esquerda no poder, as suas politicas sejam de esquerda.
          O que não me parece legitimo é a defesa de politicas de esquerda como sendo as unicas que são democráticas. A malandrice - para não dizer outra coisa que poderia ofender os mais sensiveis - está na conjunção. Se o povo fosse apelado nesses cartazes à defesa de politicas democráricas de esquerda (e não a politicas democráticas e de esquerda) era compreensivel o argumento. Cada um apela àquilo a que acha mais justo. Agora aproveitar o apelo para excluir os seus adversários ideológicos de legitimidade democrática, não lembra ao diabo. Só aos comunistas e aos seus apaniguados, cuja logica assenta num poder exerido tiranicamente, através duma ditadura (a do proletariado) tendente à supressão material e ideológica dos seus adversários. E como pensam assim, agem assim tambem.
          As politicas distinguem-se habitualmente entre esquerda e direita porque inicialmente os britanicos sentaram no Parlamento deles (em Westminster) os conservadores à direita e os trabalhistas (antes eram os liberais) à esquerda, a contar do speaker. O speaker senta-se num dos extremos do rectangulo e dirige os trabalhos. Dá e tira a palavra, controla os tempos das falas, conta os votos, anuncia os resultados, enfim, faz o trabalho não politico. Por isso se chama speaker (aquele que fala) e não presidente, porque não preside a nada. Por cá é ao contrário. O gajo mais importante é o que faz de speaker. Não politica nada, mas dá bocas (fala). Mas alem disso preside ao parlamento (não se percebe bem o que é isso) e, por isso, é o segundo mais importante cá do burgo lusitano, depois do presidente da republica. Pobre país, pobre democracia, pobre politica democrática e de esquerda.

       ALBINO  ZEFERINO                                                                                                  8/3/2018

sábado, 3 de março de 2018

O ESTADO DA ARTE


          A diminuição da qualidade das sucessivas presidencias norte-americanas desde o fim da guerra fria tem vindo a evidenciar o progressivo abaixamento de qualidade das forças armadas dos E.U.A. O aumento do recurso às novas tecnologias para uso militar (drones, armas electrónicas, automatismo das plataformas, possibilidade de uso de armamento quimico e nuclear, etc. etc.) tem vindo a retirar ao factor humano aquilo a que os antigos chamavam de instinto ou vocação militar e colocado nas mãos de "freacks" da electrónica o que dantes era apanágio dos Rambos e daqueles que davam a vida pela Pátria (o que as actuais gerações desprezam e acham até ridiculo).  Estrategas militares como Napoleão, ou até mesmo Eisenhower, já não existem porque (dizem as novas lideranças) já não fazem falta. As guerras de hoje estão circunscritas e a estratégia já não é geográfica, mas ideológica. Ganham-se almas e adeptos através da televisão como se dum vulgar match se tratasse e as verdadeiras lutas são pela sobrevivencia dos empregos e dos estatutos sociais e materiais de cada um.
         Prova disso são o incremento dos acidentes causados por distracção inaceitável dos respectivos utilizadores ou pelo uso desajeitado do material que lhes está confiado (e no qual eles cegamente confiam) -  causas maiores dos desastres com armamento militar -  que comprometem as missões e diminuem os niveis de prontidão das várias forças armadas pelo mundo fora. Não é por acaso que o pacifismo alastrou no mundo e tambem por isso o empenhamento nas missões militares vai escasseando de geração em geração em todo o lado. Veja-se, por exemplo, as causas humanas dos abalroamentos de navios de guerra no mar ou o desleixo em que se encontram o pessoal e os paiois nas unidades militares em terra ou a ocorrência de acidentes com aviões de combate por desgaste de material ou por mau uso dele em voo. As gerações de hoje já não creem que as guerras que interessam sejam travadas entre exercitos ou marinhas. As verdadeiras guerras (pelo bem estar ou pelo sucesso pessoal de cada um) são travadas nas ruas das grandes cidades ou nas televisões generalistas e são conduzidas demagogicamente por politicos de alpercata e de lingua fácil.
          A propagação das armas de dissuasão nuclear e a pulverização do poder militar por vários focos, limitam a possibilidade de confrontações militares de grande envergadura e criam na mente dos homens a sensação de que a vida é eterna mas ao mesmo tempo voluvel. Hoje ninguem se imola pela guerra (a não ser os fanáticos) nem ninguem se oferece para combater (a não ser os indigentes). As forças armadas são uma necessidade (como o hino ou a bandeira nacionais), mas não servem para preservar a independencia dos Estados ou para conquistar territórios ou aumentar o poder. Disso se encarregam os politicos com as suas manhas e negociatas. Toma lá soberania a troco de dinheiro para gastar. As grandes preocupações já não são o dominio territorial ou o controle de partes do mundo. Hoje o que interessa é a influencia. Influencia nos media, influencia na politica, influencia nos negócios. Quem tem influencia é grande e forte; quem não tem é fraco e desprezivel. Isto aplica-se aos homens e aplica-se aos países. As forças armadas são (como se dizia antes) o povo em armas. Se o povo é forte, as suas forças armadas reflectem isso; se é fraco é o contrário.

               ALBINO  ZEFERINO                                                                               3/3/2018

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

A ASCENSÃO LENTA MAS PERSISTENTE DA EXTREMA DIREITA


          Os altos e baixos verificados na constituição do novo governo alemão, que já se arrasta por quase 6 meses, são presságio do desconforto sentido por uma população cada vez mais desiludida pela forma como tem vindo a ser governada em democracia. A procura (quase desesperada) por um governo de coalição ao centro relecte o receio da classe politica alemã no surgimento irremediável da AfD como verdadeira alternativa de governo, fazendo recordar o periodo negro do fim do regime de Weimar e a ascensão abrupta do nazismo ao poder legitimo. Depois foi o que se sabe.
          A Alemanha é hoje incontestavelmente o farol onde todos os olhos repousam para fazerem as suas politcas. A Alemanha domina o continente através da UE e o mundo inteiro através do euro. Merkel tem sido eregida em condutora de ideias, seguidora de politicas e salvadora de pátrias. Só que essa percepção de fazer politica está a começar a ser posta em duvida e a ser objecto de captura pelos ideais dogmáticos de certas correntes extremistas que, como cogumenlos, têm despontado nas paisagens politicas de cada vez mais países tradicionalmente democráticos. Veja-se o caso da Polónia, da Hungria e da Austria, paises vizinhos da Alemanha; veja-se a Russia de Putin, que é temido como se de um czar se tratasse; veja-se a ascensão irremediável das extremas-direitas nos países do Benelux; até na Grécia a Aurora Dourada e a Frente Nacional em França agem como alternativas democráticas aos actuais governos em funções; veja-se os EUA onde o partido republicano no poder foi capturado pela extrema-direita caceteira do hinterland americano. Em Itália a Lega Norte cada vez mais se impacienta com os arranjinhos socialistas dos romanos; na Turquia, Erdogan venceu a contra-revolução e está para ficar, enquanto que Brasil, México, Colombia e Argentina voltaram à direita. Enfim, os exemplos abundam e o receio de mudança de paradigma assusta. Só na peninsula ibérica ainda não surgiram manifestações abertas de alternância não democrática para disputar o poder democrático. Mas o previsivel desmoronamento do PP em Espanha e o refluxo da geringonça em Portugal certamente se encarregarão de destapar o manto com que os reaccionários se cobrem à espera dos inevitáveis colapsos dos respectivos governos.
          Como será a Europa do seculo 21 e como agirão os nossos filhos e netos quando chegarem ao poder? Será que se contentarão com as disputas eleitorais regulares? Será que continuarão a privilegiar os direitos humanos e os direitos sociais acima dos económicos e do bem-estar? Não preferirão votar (ou simplesmente apoiar) aqueles que lhes proporcionem uma melhor vida imediata relativamente aos idealistas que lutam pela igualdade, pela liberdade e pela fraternidade? Não sei, mas desconfio.

                         ALBINO  ZEFERINO                                                    21/2/2018

domingo, 18 de fevereiro de 2018

AS FRENTES POPULARES


          Muito se tem falado de "frente popular" em referencia à governação que se instalou em Portugal desde as ultimas eleições legislativas. Houve mesmo quem tivesse baptizado o actual conglomerado de partidos que hoje toma decisões por todos nós como tratando-se de uma verdadeira geringonça (calhambeque ou coisa estranha e mal feita que ameaça partir-se ou desfazer-se).  Efectivamente, a experiência politica ensaiada em Portugal pelo actual primeiro ministro foi sempre rejeitada, mesmo nos anos extremados da revolução abrilista, por ser considerada perigosa e atentatória dos valores e principios norteadores da governação em liberdade. Não é por acaso (ou por desprezo) que as instituições comunitárias olham com desconfiança para o desenrolar titubeante e superficial da governação portuguesa, sempre atentas aos limites permitidos pelos tratados dentro dos quais o primeiro ministro tem conseguido, até agora, confinar os seus ferozes apoiantes.
          Frentes populares sempre houve na história da Europa e nenhuma delas trouxe algo de positivo. Basta recordar a frente popular espanhola dos anos 30, que resultou na feroz guerra civil espanhola. Ou na frente popular francesa de Leon Blum, que acabou com a invasão nazi da França.
          Portugal tem conseguido manter-se independente politica e economicamente desde o 25 de Abril, graças à opção esclarecida e tenaz dos democratas de Abril que conseguiram (contra a corrente vigente do PREC) aderir ao então Mercado comum europeu e assim suster a caminhada desvairada dos comunistas que nos arrastavam em direcção ao colectivismo marxista em vigor no Leste europeu. Sem a UE, seriamos hoje a Cuba da Europa com as suas lindas praias e as mulheres à venda, numa sociedade igualitária e ditatorial com Cunhal (e agora Jerónimo) a decidir o que fazer connosco. Enquanto Soares viveu, nunca nenhum chefe socialista se atreveu a correr tais riscos. Foi preciso aparecer Costa (António e não Afonso) para, num golpe de desespero, ensaiar esta farsa governativa (a tal geringonça) que ainda não nos arrastou para o fosso porque a sorte grande do celerado (ou a mão de Deus) não permitiu. Da abertura do espaço economico portugues, proporcionada pela adesão à UE, resulta que o nosso país está cada vez mais sujeito às contingências das crises de crescimento europeias e mundiais. Quando há crise fora das nossas fronteiras, há crise cá dentro; quando há recuperação fora, há recuperação cá dentro. Simples e verdadeiro. Se Lisboa cresce (porque Madrid cresce), o Porto tambem cresce (e a Maia tambem). É por causa desta dicotomia que Portugal regista valores economicos positivos. Não é por causa da geringonça. Direi mesmo mais: se não fosse o raio da geringonça, o nosso crescimento seria ainda maior, pelo menos igual ao espanhol.  De outra forma não seria possivel explicar-se esta recuperação. Como se explica então que medidas restritivas do crescimento (como a transformação de trabalhadores precários em fixos sem correlação com aumentos de produtividade correspondente, ou a luta pelo controle sindical em unidades industriais de ponta comprometendo o aumento da sua produtividade, ou a passagem ao quadro oficial de professores excedentários sem atender ao abaixamento do numero de alunos, ou a reversão de medidas financeiramente restritivas decretadas pelo governo anterior, apenas por razões ideologicas ) impostas pelos parceiros parlamentares esquerdistas do partido do governo, não tenham produzido quedas nos indices de crescimento portugues?  Pois porque esse crescimento foi essencialmente provocado pela recuperação economica europeia e não reflectiu qualquer progresso induzido por medidas decretadas pela geringonça. É esta a trapaça que urge desmontar. Não faz sentido nenhum existir um governo de cariz europeista apenas sustentado por partidos anti-europeistas. É um contrasenso politico, uma originalidade portuguesa que não é originalidade nenhuma, pois é uma farsa.
          Nesta indefinição reside a confusão que paira no PSD e que ficou bem patente no congresso deste fim de semana que entronizou Rui Rio como novo lider laranjinha. A bacoca divisão entre os apoiantes de Rio (que supostamente acreditam que a modesta recuperação economica portuguesa se deve ao grande Costa e à sua geringonça) e que aceitarão a constituição dum novo bloco central quando o malandro do Costa for enfrentado com a realidade (isto é, quando o PC constatar que perdeu mais com a geringonça do que ganhou com ela) e os apoiantes de Passos Coelho (que foi longamente aplaudido no congresso) reunidos à volta do vencido Santana, que persistem na defesa dum PSD uno, forte e grande. Nessa altura, ou o PSD governa sozinho ou se junta ao PS numa coligação governativa ou num simples apoio parlamentar, ou então o PS consegue maioria parlamentar para governar sozinho. A ver vamos. O que não me parece curial é que ainda antes das eleições haja já quem antecipe resultados e trace estratégias em conformidade. Se não é saloio, parece.

                     ALBINO  ZEFERINO                                                                  18/2/2018
         

segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

THE SHITHOLE COUNTRIES


          Aos países menos desenvolvidos chamava-se antes países sub-desenvolvidos e hoje chama-se mais prosaicamente países em desenvolvimento. Mas será que esses países estarão mesmo em desenvolvimento? Ou será antes uma outra forma mais leve ainda de designar um território povoado por ignorantes e atrasados como sendo um país?
          Um país é a desgnação vulgarmente atribuida a um território povoado que constitui uma unidade cultural, politica e economicamente viável. Os países independentes (hoje já não existem territórios não independentes) constituem-se em Estados que são entidades formadas por uma população vivendo num território e dirigida por um governo. Mas será que todas estas entidades serão iguais umas às outras? Bastará existir uma mesma população, um mesmo território e um mesmo governo para que todos os Estados se reclamem iguais? Por muito que custe a muita gente, não me parece que assim seja.
          Todos aceitam que haja países ou Estados mais desenvolvidos do que outros. Mais cultos, mais ricos, mais influentes.  Parece ser pacifico e isento de quaisquer duvidas que os EUA, por exemplo, sejam mais importantes do que o Haiti ou as Ilhas Comores. Ou até que a Alemanha seja mais importante do que Portugal. Ou que Angola seja mais importante do que a Guiné-Bissau. Alguns pensadores até começaram a chamar aos países menos desenvolvidos (e portanto ainda débeis, de duvidosa autonomia e com poucos recursos) pseudo-estados, estados falhados ou estados inviáveis.
O que é então preciso para que determinados países sejam considerados viáveis? Pois que se consigam governar a si próprios, autonomamente e sem recurso permanente a ajudas externas. Sem necessidade de se ir tão longe como foi o grande Tolstoi ao afirmar que "o Estado é uma conspiração criada não apenas para explorar, mas acima de tudo para corromper os cidadãos", poderá dizer-se que sem Estado não há ordem civica. Ora há países onde impera a anarquia e a corrupção generalizada e que contudo continuam a ser considerados Estados como quaisquer outros onde isso não acontece. O que faz então diferir uns Estados de outros? A meu ver é a organização politica que determina a qualidade de Estado ou País viável. Se determinado país está politicamente organizado, funcionando as suas instituições regularmente e a respectiva economia cresce sustentavelmente, então poderemos dizer que se trata de um país viável ou desenvolvido. Se porventura nada disto ocorre ou o que acontece é um simulacro de organização e de crescimento económico sustentável, então o país está sub-desenvolvido, ou mais prosaicamente, poderá ser classificado como país em vias de desenvolvimento, ou mais dogmaticamente, país falhado ou pseudo-estado. As agencias de notação, muito em voga nos tempos de hoje, costumam classificar estes países como sendo de lixo, ou seja insusceptiveis de satisfazer os seus compromissos crediticios e portanto pouco ou nada aconselhaveis ao investimento externo.
          Vem isto a propósito da imigração, tema hoje recorrente em todo o lado, dadas as facilidades de movimentação das pessoas entre países e até dentro do mesmo país de região para região. É perfeitamente legitimo que os governos dos países receptadores de imigração limitem as entradas de refugiados (sejam eles refugiados politicos ou económicos) estabelecendo quotas ou condições objectivas para a sua entrada. A abertura descontrolada de fronteiras baseada na solidaridade entre os povos ou nações conduz necessariamente a um desequilibrio social, pernicioso ao desenvovimento sustentado das politicas sociais e economicas dos estados receptores. Não é assim de estranhar que os governos que privilegiam o crescimento economico dos estados que governam imponham limites a essa imigração descontrolada, a fim de evitar a prazo que o excesso de despesa social e a insegurança cidadã derivados dessa imigração, possam afectar o normal desenvolvimento social e económico dos Estados afectados.
          É uma visão estreita e pouco realista a que defendem alguns governantes, baseada numa indiscriminada liberalidade na autorização de entrada nos seus países de quaisquer refugiados venham de onde venham ou como venham, fundamentada apenas na solidaridade entre estados e entre cidadãos, sem atender aos interesses dos países que esses mesmos governantes representam, sem atender aos interesses dos seus próprios cidadãos e ao seu normal e legitimo desenvolvimento.

                                   ALBINO  ZEFERINO                                               15/1/1018