terça-feira, 7 de março de 2017

A MORTE DA UNIÃO EUROPEIA


          A recente decisão dos novos quatro grandes (Alemanha, França, Itália e Espanha) de transformar a actual UE numa UE a várias velocidades significou a passagem da certidão de óbito à velha CEE transformada em União, que nunca foi. Com esta decisão rápida e quase informal, os novos patrões europeus deram por finalizado um percurso de mais de 60 anos criado no rescaldo duma Europa desfeita pela guerra total e que ensaiava uma reconstrucção ainda incipiente à época.
          Efectivamente, a nova organização saida da anterior (a dos tratados de Roma, Maastricht, Schengen e Nice) que vai resultar da desintegração pacifica e programada desta, será outra coisa diferente do que Schumann, Monet, Briand, De Gaspieri e mais tarde Rocard sonharam. Uma UE a várias velocidades consoante as capacidades integradoras de cada país membro e as respectivas vontades politicas, será coisa diferente da UE a caminho da verdadeira união de Estados, fosse ela federalizadora ou meramente cooperativa. Uma união de Estados desiguais no seu desenvolvimento e no seu empenhamento não é uma união. Uma verdadeira união pressupõe a vontade de agir coordenadamente, de igual para igual, com os mesmos pressupostos e os mesmos meios, face a problemas comuns que afectam todos por igual e cuja luta é travada por todos com o mesmo empenhamento e a mesma vontade. Uma união a duas ou mais velocidades, separada por diferentes níveis de empenhamento (e de capacidade) na busca de soluções comuns e estáveis que sirvam a todos da mesma maneira não é uma união. É quando muito uma aliança, um projecto de trabalho ou um mero objectivo.
          Dir-se-á que foi o melhor que se poude arranjar perante as crises que não cessam nem aparentam estar controladas. Ao contrário dos britanicos que abandonaram o barco abalroado à sua sorte, os novos lideres querem evitar que ele se afunde, transformando a grande nau em dificuldades em salva-vidas especiais para cada grupo de passageiros: uns mais sofisticados, mais confortáveis, com condições mais seguras para sobreviver no mar encapelado e outros menos, destinados aos passageiros da terceira classe, que fazem menos falta no mundo e pesam mais aos outros. Presumo que as velocidades queiram significar politicas comuns, integradas ou únicas: como o mercado unico, a politica agricola comum, a moeda unica, a união bancária, a livre circulação de pessoas, a livre circulação de capitais, etc.etc. Presumo tambem que desta hierarquização de Estados membros da nova UE resulte que haverá Estados coordenadores de outros menos desenvolvidos ou menos integrados. Uma espécie de protectorados, que terão fiscalização constante por parte dos seus controleiros (como aquando da troika). Quer dizer que os países de maior velocidade (os mais integrados) encaminharão os de menor velocidade integradora (porque não podem ou não querem integrar-se mais) no sentido das politicas comuns. Mas atenção. Só gozarão de plena integração nesta ou naquela politica comum os Estados que estejam integrados, não os que apenas aspirem a (ou rejeitem) estar. Assim, os Estados ricos livram-se de sustentar os Estados pobres, pois só quando estes estejam ao seu nivel é que gozarão dos beneficios duma integração plena. Até lá são amparados, guiados, aconselhados, a troco de juros e de créditos que lhes aumentarão os encargos e as hipótses de se integrarem (os que quiserem, bem entendido). Já conhecemos o filme.
          Não sei se uma solução destas tem viabilidade. Creio que não passe de um estratagema para salvar os que se podem salvar da tempestade que espreita. Trump e o Brexit marcaram para a UE um caminho que não vai ser fácil de percorrer. Queira Deus que os governantes portugueses (estes ou os que se lhes seguirem) tenham o suficiente discernimento para aguentar esta barca nestas águas procelosas, senão vamos mesmo ao fundo. E serão os espanhois a afundar-nos outra vez.

                     ALBINO  ZEFERINO                                                     7/3/2017

segunda-feira, 6 de março de 2017

A POLITICA EXTERNA DE PORTUGAL


          Como facilmente se compreende, a prossecussão duma politica externa própria, autónoma e independente da vontade alheia, é apanágio da soberania nacional dos Estados ditos independentes. Assim foi no passado, assim é no presente e assim será no futuro. Independencia aqui não terá que pressupor isolamento, seguidismo ou originalidade bacoca. Não é por seguir uma politica externa diversa da dos seus vizinhos que Portugal é deles independente. A politica dos vizinhos pode ser a mesma ou conduzir aos mesmos resultados (se acaso isso for do intersse nacional) mas o que distingue as diversas politicas nacionais é cada uma delas ser criada, executada ou desenvolvida independentemente da vontade alheia. Podem até ser criadas, executadas ou desenvolvidas ao mesmo tempo ou em paralelo, mas se isso acontece é porque foi decidido livremente pelos governos de cada um dos Estados seguir por esse caminho. Não por imposição da vontade dum Estado sobre a do outro.
É precisamente essa faculdade de livremente decidir qual o caminho que deve seguir determinada politica (externa ou não) que caracteriza a independencia nacional dos Estados.
          Uma vez integrados numa organização maior, dita supranacional, como é o caso da UE ou da NATO, os seus países membros terão que sujeitar a prossecução das respectivas politicas externas (e não apenas essas) ao resultado das decisões colectivas tomadas em conjunto pelos diversos Estados membros. Mas tudo isto em consequencia e em resultado de negociações colectivas levadas a cabo no seio dessas organizações e de acordo com as respectivas regras procedimentais. Não há assim submissão da vontade livre e independente de cada Estado a vontades alheias, mas apenas uma adaptação voluntária e livre das várias politicas externas individuais de cada Estado a uma vontade colectiva (ou a uma politica comum) resultante duma negociação formal e colectiva. Desta forma, a soberania de cada um dos Estados é melhor defendida face às ameaças ou aos desafios comuns, do que se fosse feita por cada um deles isoladamente duma forma desintegrada e sem o aproveitamento das sinergias que uma acção conjunta e organizada de Estados proporciona.
          Definida assim a essencia da formação e da prossecução duma politica externa (e não só) dum Estado soberano integrado em organizações internacionais - a chamada relação multilateral - caberá perguntar se a relação bilateral desaparece ou, melhor dizendo, se a politica externa de cada país membro duma organização internacional fica reduzida à definição e prossecução das suas relações externas apenas e só quando age no âmbito das organizações internacionais a que pertence. Não é de facto assim. Cada organização internacional tem os seus objectivos especificos que não esgotam - bem pelo contrário - a acção externa individual de cada Estado, que pode ser prosseguida de forma bilateral (através da assinatura de tratados bilaterais ou de simples negociações caso a caso) conforme for o interesse nacional definido por cada país por si só no exercicio da sua soberania.
          Portugal é assim livre de definir como, quando e com quem deseja manter, aprofundar ou reduzir as suas relações internacionais. Porem, a pertença a organizações internacionais limita de certo modo essa faculdade, na medida em que as decisões colectivas e a própria natureza das organizações internacionais a que Portugal pertence traçam as balizas dentro das quais o país deve agir internacionalmente. Não seria curial, por exemplo, que Portugal ensaiasse uma maior aproximação à Russia enquanto não fossem levantadas as sanções que a NATO e a UE impuseram àquele país pelo facto de ter invadido e ocupado militarmente a Crimeia.
          Como se vê, a soberania nacional em matéria internacional (como noutros dominios) está limitada. E esses limites estão inclusivamente previstos na nossa Constitução. Constituem os chamados limites materiais ao exercicio da soberania. Não é portanto possivel (nem legitimo) que se defenda (com a maior lata e impunidade, como o fazem os dirigentes dos partidos anti-sistema que apoiam a geringonça socialista) que Portugal deva abandonar a UE e a NATO, pois são (aos vesgos olhos deles) perigosos antros do capitalismo opressor do povo e das suas amplas liberdades conquistadas por guedelhudos soldadinhos de chumbo armados de velhas escopetas municiadas com cravos, ao som das baladas arranhadas do Zeca Afonso e cantadas em coros desafinados por varinas oferecidas e vagabundos bebedos.
          Mas será que esses limites às soberanias nacionais dos seus membros impostos pela NATO e pela UE serão impeditivos que os países soberanos prossigam politicas próprias (tanto externa como internamente)? Não creio, nem admito. Todas as relações externas que não choquem com as orientações e com as decisões tomadas no seio dessas organizações podem e devem ser desenvolvidas livremente pelos Estados membros. Só que esse exercicio deve tambem ser empreendido com a sensatez e com a prudencia que as relações exteriores devem revestir. Por isso são normalmente conduzidas por diplomatas. Sempre que, por qualquer razão menos clara, os nossos politicos encartados se metem no relacionamento com paises terceiros, Portugal perde sempre. E as perdas não são a feijões. As relações com Angola (e com Moçambique tambem, embora menos) têm sido afectadas por razões de politica interna que 40 anos após as descolonizações já não fazem nenhum sentido. Há que ter sentido de Estado e pragmatismo neste tipo de relacionameno. Angola (e Moçambique precisam de nós) e nós precisamos deles. Haja bom senso e inteligencia.
          Tambem com a Espanha devemos ter cuidado especial. Somos ambos países membros das mesmas organizações internacionais, temos ambos interesses comuns dentro e fora dessas organizações. Não deixemos que o nosso eterno (e natural) complexo de inferioridade se deixe levar pela arrogancia espanhola, que mais não é do que a outra face do nosso complexo. Temos interesses comuns e destinos tambem comuns. Não percamos isso de vista sempre quem nos relacionemos com eles. E as relações são diárias e permanentes. E tambem globais. Espanha é um mosaico de nações, todas elas diferentes entre si mas iguais no seu nacionalismo perante estrangeiros. Continuemos a privilegiar essa diferença. Por muito que tenhamos em comum, somos um país independente há muito tempo. Os outros são meras regiões que anseiam por aquilo que nós já temos há muitos séculos. Saibamos distinguir aquilo que nos une e aquilo que nos separa. Só assim prosseguiremos no caminho certo, com uma politica própria, soberana e livre. Quanto ao resto é só deixar os cães ladrar.

                          ALBINO  ZEFERINO                                                 6/3/2017