quinta-feira, 10 de março de 2016

O MUNDO A SEUS PÉS


          Qual Citizen Kane de Orson Wells, Marcelo Rebelo de Sousa tomou ontem posse como 20º Presidente da Republica portuguesa.  De inteligencia brilhante e cultura acima da média, Marcelo quiz marcar diferenças com os seus antecessores. Apareceu em S.Bento a pé, como fez Manuel de Arriaga há 100 anos e prolongou a sua posse por Portugal adentro (festa popular em Lisboa, depois no Porto e finalmente em Paris, as tres maiores cidades portuguesas). Recebeu personalidades e amigos na Ajuda e almoçou com os colegas estrangeiros que convidou para o acto. Filipe VI de Espanha representou a inevitabilidade; Junker da Europa, a dependência; Nisi de Moçambique, as origens; Henrique Cardoso do Brasil, a saudade. E mais ainda, a presença destas personalidades definiu as prioridades de Marcelo em termos de estratégia internacional para Portugal: pertença indispensável à UE, defesa permanente da indepedência nacional face à Espanha, ligação institucional à CPLP e de afectos ao Brasil.

          Marcelo Rebelo de Sousa é um misto de Soares e de Sampaio com a cabeça de Cavaco. Tem a natureza inquieta e instintiva de Soares, a cultura e a visão estratégica de Sampaio e o nacionalismo e a inteligencia de Cavaco. Diria mesmo que Marcelo está talhado para o lugar que hoje começa a ocupar. Neste periodo de indefinição substancial que atravessamos, com um governo preclitante e com pés de barro, ameaçados na nossa identidade por uma Europa cercada pelas suas contradições, o novo Presidente terá muito por onde penar e muito onde exercer os seus talentos. Não creio que possamos progredir consistentemente neste mundo globalizado e cada vez mais exigente sem que definamos definitivamente as nossas prioridades e a estratégia possivel dentro das baias em que nos encontramos. Não é com tácticas utópicas e jogos de cintura permanentes que conseguiremos sair do atoleiro em que sócretinos e corruptos associados nos colocaram. Isso era dantes, quando os nossos compromissos com os credores permitiam ainda alguma margem de manobra aos governos portugueses para "èpater le bourgeois". Hoje o povo está mais atento e a governação é feita a descoberto.

          O novo Presidente terá que descer do pedestal cavaquiano e envolver-se mais com as gentes. Tudo isto, é claro, sem ferir as competencias do governo nem da Assembleia. O exercicio da Presidencia já não poderá ser visto como uma espécie de reinação (o Presidente reina e não governa) mas sim como um compromisso com o povo e com o serviço que se espera do Presidente. Creio que Marcelo tem consciencia disto e que irá pautar as suas condutas neste sentido.  Por isso foi eleito pela maioria dos portugueses logo à primeira volta. O contacto com o Zé povinho já não será através das presidencias abertas de Sampaio e de Soares, nem dos roteiros temáticos de Cavaco. Marcelo vai pôr o seu feitio interveniente e desinibido ao serviço da procura de consensos e de compromissos, falando com os diversos intervenientes e tentando persuadir uns e outros no sentido de atingir resultados concretos para problemas concretos. Para isso serve a Presidencia. Não para impedir ou empecilhar o exercicio do poder governativo (o verdadeiro poder que atinge os interesses dos cidadãos) mas para com ele ajudar a encontrar soluções que satisfaçam os interesses nacionais (que não são mais do que os interesses colectivos definidos pela maioria dos eleitores) dentro dos compromissos que o país assumiu. Continuar a eterna luta entre a Presidencia e o governo ou entre a Presidencia e o Parlamento, como infelizmente se tem verificado ultimamente, não parece ser a melhor forma de exercer o mais alto cargo da Nação. Pôr toda a gente de acordo uns com os outros não é possivel em democracia. Mas permitir que uns se voltem contra os outros a pretexto de distintas interpretações dos conceitos enformadores da coisa publica, tambem não é desejável. Há que ter inteligencia e senso comum para conduzir um povo. Não é tarefa para qualquer um. Mas Marcelo tambem não é um homem vulgar.

             ALBINO  ZEFERINO (correspondente diplomático aposentado)             10/3/2016

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