quarta-feira, 29 de junho de 2016

AINDA O BREXIT : SUAS CAUSAS E CONSEQUENCIAS


          Após as primeiras reacções ao Brexit, começa a desenhar-se o que foi o fenómeno, porque aconteceu e quais serão as suas prováveis consequencias. Não devemos afastar liminarmente desta análise o peculiar estado de espirito manifestado desde o inicio do projecto - já lá vão mais de 60 anos - pelos britânicos, únicos vencedores europeus incontestáveis do conflito mundial que quase acabou com o mundo civilizado de então. Não é dificil de compreender que um povo vencedor, depois de sacrificios incomensuráveis e de valentia indiscutivel, rejeite a submissão da sua soberania a favor duma entidade supranacional dominada pelo inimigo, que tanto esforço e sangue lhe exigiu para ser contido.
          Á medida que o tempo decorria, sem que efectivamente se constatassem vantagens palpáveis na união para além duma globalização de mercados que não necessitava mais do que um simples acordo comercial, os britânicos disseram finalmente, alto e bom som, que não estavam dispostos a ceder no papel aquilo que duramente conquistaram pelas armas. Não foram unanimes nessa decisão, nem o poderiam ter sido, pois o Reino Unido é isso mesmo: uma união de reinos ou de povos que se juntaram por interesse, o que não significa que tenham ou defendam os mesmos interesses. Os escoceses e os irlandeses - só para falar destes - têm reivindicações autonómicas antigas (mais velhas do que a independencia de muitos dos actuais Estados da União europeia). Não será pois de admirar que o Brexit tenha tido mais de que uma causa especifica ou única para ter acontecido. Nunca os britanicos esconderam a sua desconfiança perante os avanços preclitantes (para eles, apesar disso, intoleráveis) duma Europa cada vez mais germanizada, nem a gente do campo (gentlemen farmers ou simples agricultores ingleses) aceitou de bom grado os mecanismos da politica agricola comum, feita para calar os numerosos agricultores franceses, cada vez mais apoiantes dum extremismo politico crescente, que assusta os burocratas europeus e os herdeiros do maio de 68.
          Por estas e outras razões custa-me acreditar que o Brexit possa não avançar, enredado em obstáculos administrativos de que a União europeia é fértil, tentando forçar ingleses, escoceses, galeses, irlandeses do IRA ou da Commonwealth, a reverterem uma decisão que lhes foi penosa de tomar e que reflecte, mais do que uma repentina decisão sentimental, uma profunda convicção de que o caminho europeu não lhes serve da maneira como estava a ser conduzido.
          A germanização da Europa unida é pois um facto que os britanicos rejeitam liminarmente. Mas como evitá-la senão desistindo de pertencer a uma União de Estados, feita precisamente para evitar novas guerras devastadoras e fratricidas, mas à custa duma perda de independência intolerável para uma nação de vencedores? A resposta foi dada há dois dias pelos britanicos duma forma brutal, pragmática e soberana, afrontando tudo e todos em mais um exemplo de coragem e determinação que sempre caracterizou os anglo-saxões, quando os quiseram encostar à parede.
          E agora o que fazer? Les jeux sont faits, alea jacta est. Terá agora que voltar-se ao principio. A União europeia é baseada essencialmente em tres principios ou liberdades básicas: a liberdade de circulação de pessoas, a liberdade de circulação de bens e de mercadorias e a liberdade de circulação de capitais. Se o RU não quiser abandonar as relações com a UE, terá que definir com esta a melhor forma de se relacionar com ela no futuro. Surge assim o primeiro problema (ou, melhor dizendo, a primeira contradição). Como quer o RU manter o acesso ao mercado único europeu, que se baseia basicamente nestas tres liberdades de circulação, se recusa a liberdade de circulação de pessoas e de bens no seu território? A circulação de capitais está hoje generalizada com a globalização, mas o livre acesso de pessoas e bens não. Mesmo que a UE esteja disposta a manter a liberdade de acesso ao mercado único do RU, como poderá esta ser concretizada sem o livre acesso de pessoas e de bens?
          Sem esta contradição resolvida não me parece possivel que o RU possa continuar associado à UE duma forma que não cause muitos engulhos, quer a uns quer a outros. É esta a incógnita que terá que ser resolvida antes mesmo de accionar o artº50 do Tratado de Lisboa. Por isso Cameron deixará para o seu sucessor (presumivelmente o famigerado Boris Johnson, que se crê um novo Churchill, salvador da Pátria ameaçada) a solução deste enorme imbróglio, sem a qual, britanicos e europeus estão paralizados. Dizem os portugueses mais vernáculos: nao f nem sai de cima.

                              ALBINO ZEFERINO                                      29/6/2016
         

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