quarta-feira, 24 de agosto de 2016

GANDULAGEM


          A cena de pancadaria da semana passada em Ponte de Sôr, que quase matava um jovem local, envolvendo dois iraquianos filhos de diplomata acreditado em Lisboa, leva-me a pensar sobre o abuso da imunidade diplomática consagrada na Convenção de Viena, que hoje se verifica a quase todos os niveis e em todos os países.
          A dita convenção surgiu nos anos 60 do seculo passado, no rescaldo da 2º guerra mundial e na sequência do redesenho do mapa mundo que, como se sabe, ficou dividido em dois grandes blocos, o do mundo comunista, comandado pela URSS e o do mundo livre, comandado pelos EUA. Desta divisão nasceu a guerra fria, que caracterizou a segunda metade do seculo 20 e que pôs duas concepções de vida frente a frente. O caso mais paradigmático foi o das duas Alemanhas, a Alemanha dita democrática ou do Leste e a Alemanha federal ou dita ocidental. Ambas eram alemãs, produto da divisão artificial do país depois da Guerra, em ambas se falava alemão, familias inteiras ficaram divididas por décadas, mas a vida quotidiana dos cidadãos era distinta (para não dizer oposta) em ambos países. Estive lá nessa altura e pude constatar o que digo pessoalmente.
          Deste facto surgiu a necessidade de colocar os países no mesmo patamar uns dos outros (já que não era possivel garantir a liberdade e a fraternidade para todos ao menos que ficasse consignada a igualidade para todos). Até então havia os países soberanos e as colónias, os estados unos e indivisiveis e os estados imperiais onde o sol não se punha nunca, os estados tampão e os estados continente, em suma, os que mandavam e os que obedeciam. Com o fim da guerra, que foi mundial por ter envolvido todos (uns mais do que outros), houve a necessidade formal de põr todos no mesmo saco, ou seja, obedecendo todos às mesmas regras gerais. Daí o nascimento da CEE na Europa, da Declaração universal dos direitos do Homem nas Nações Unidas e da Convenção de Viena para as relações diplomáticas. Nesta, ficaram definidas as regras básicas que regulam as relações formais entre os estados e donde resulta o principio da imunidade e dos privilégios diplomáticos para os respectivos agentes.  Quer isto dizer que os diplomatas acreditados em determinado país gozam, nesse país, de imunidades e privilégios que os demais cidadãos não usufruem. Não significa que não estejam obrigados a cumprir a lei, apenas que o cumprimento dessa obrigação é-lhes imposto, não pelas autoridades do país onde vivem, mas pelas autoridades dos seus países de origem. Ora isto obriga a que os países de origem desses funcionários (e das suas familias que com eles convivam) aceitem as mesmas regras de convivencia das vigentes nos países onde vivem e onde gozam dessas imunidades.
          Entrados francamente no século 21 e várias guerras (e gerações) depois da 2ª grande guerra, é natural que os países de hoje já não observem as mesmas regras de conduta comuns que a convenção de Viena pressupunha quando foi assinada. Eu diria mesmo que a maioria dos países signatários da dita convenção não existiam ainda quando ela foi assinada. É o caso concreto sobre o qual hoje escrevo. O Iraque de hoje não é o Iraque dos anos 60 de 1900 e muito menos o Iraque da Mesopotamia que os livros de história ensinam. O Iraque de hoje é um país desfeito por várias guerras ferozes que ainda não conseguiu por-se de pé apesar (e talvez por causa) do seu petróleo. Não será pois de admirar que os representantes diplomáticos iraquianos (e sobretudo os seus familiares) não consigam distinguir o verdadeiro significado da imunidade diplomática de que gozam do simples exercicio da prepotencia sobre os demais cidadãos. Era como se dessemos a um jovem imberbe uma metralhadora para brincar sem lhe explicar que carregando no gatilho poderá matar todos à sua volta sem se dar conta disso. É o que se passa em certos países africanos.
         Em conclusão, é a meu ver necessário que, antes de fazer uma séria e profunda revisão na convenção de Viena sobre relações diplomáticas ( o que julgo não será possivel antes duma nova guerra mundial que volte a por em causa as relações entre os diferentes estados), devemos julgar (nos tribunais, nas esquadras de policia, nas chancelarias diplomáticas e na imprensa em geral) casos como este de Ponte de Sôr, sem demagogias baratas, sem aproveitamentos politicos demagógicos e com o pragamatismo e a coragem que se espera dum governo dum país velho de quase 900 anos, o que não foi mais do que uma acção de gandulagem que resultou mal, porque teve consequencias más.

                ALBINO  ZEFERINO                                                      24/8/2016

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