terça-feira, 1 de novembro de 2016
A CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS
Muito se tem falado nas ultimas semanas da Caixa Geral de Depósitos, primeiro a propósito da sua recapitalização e depois a respeito dos ordenados milionários que os seus novos gestores vão usufruir. Mas será mesmo assunto que interesse à generalidade das pessoas? É claro que sim, pois toda esta polémica se insere na velha discussão sobre se faz sentido nos dias de hoje que o Estado detenha a propriedade do maior banco nacional.
Para os que pensam à esquerda, o Estado deveria não só ser proprietário da Caixa, como da generalidade da banca em Portugal. Segundo eles, o negócio bancário é demasiado importante e envolvente dos interesses do país, que não deverá ser deixado em mãos particulares (ou privadas). Sendo a banca privada, a intervenção do Estado na Economia fica reduzida e facilita as moscambilhas de que a recente queda do chamado grupo BES/GES é o exemplo mais flagrante. Mais ainda! Não estando em mãos privadas, a banca não poderá ser vendida ou cedida parcialmente em bolsa a entidades estrangeiras (como hoje acontece com a maioria da banca portuguesa).
À direita pensa-se precisamente o contrário. O negócio bancário é um negócio como outro qualquer e ao Estado não compete fazer negócios (ou seja, buscar lucros). A angariação de recursos para cobrir as despesas com as actividades do Estado deve resultar apenas da cobrança dos impostos e de mais nenhum outro lado (seja de empréstimos, seja da intervenção em quaisquer actividades comerciais ou lucrativas) . De quanto menos actividades o Estado estiver incumbido, menos recursos necessita e portanto menos impostos tem que cobrar. É a velha permissa: menos Estado, melhor Estado.
Em Portugal, porque somos contemporizadores e nos vangloriamos disso, fomos buscar uma zona intermédia, cinzenta, sem ser carne nem ser peixe, uma espécie de neutralidade activa que consiste em abrir a banca em geral às regras do mercado (onde juridicamente nos inserimos desde 1986) mas conservando prudentemente a Caixa Geral de Depósitos nas mãos do Estado para poder intervir na Economia quando nos apeteça. Esta originalidade lusitana está porem a desgastar a paciencia com que os nossos compadres europeus nos olham ultimamente e a prejudicar, a meu ver, a desejada recuperação económica inicada pelo governo Passos e inusitadamente travada pelo governo actual. E porquê? Porque, com a Caixa nas mãos do Estado, desvirtuamos a liberdade do mercado, a
livre concorrência entre bancos e adulteramos o principio da livre iniciativa a que nos vinculamos desde Maastricht.
A Caixa Geral de Depósitos foi fundada em 1876, no dealbar da expansão capitalista, para proteger as poupanças das classes trabalhadoras contra a ganância dos banqueiros privados, que surgiam como cogumelos na vida económica de então. A sua génese de banco do povo prosseguiu quando mais tarde passou a exercer, simultâneamente com o seu papel de guardião das poupanças populares, o papel de Caixa de Aposentações dos funcionários do Estado.
Só com a Republica, a partir de 1918, é que a Caixa começou a operar como banco publico (concedendo empréstimos e demais produtos bancários, como faziam os bancos privados) mas sempre submetida às regras aplcáveis aos demais organismos do Estado. Só a partir de 1974, com a aquisição do banco Itaú do Brasil, é que a Caixa passou a actuar no estrangeiro, obedecendo às regras dos mercados onde se ia instalando. Em 1975 abre a sua sucursal em Paris e depois da fusão com o Banco Nacional Ultramarino (tambem por razões politicas) passa a intervir como banco privado nos novos países de lingua portuguesa. Em 1991 (quiçá acompanhando o namoro politico com os espanhois que se desenvolvia nessa altura) resolveu intervir em força no mercado espanhol, comprando um pequeno (e falido) banco privado em Espanha, tendo-se nessa altura tornado empresa publica portuguesa (state-owned public company). A partir de então o seu estatuto permitiu-lhe alargar-se pelo mundo fora e hoje tem agencias, sucursais e bancos subsidiários e companhias de seguros em Espanha, Brasil, França, África do Sul, Timor, E.U.A., Ilhas Caimão, Mexico, Canadá, Alemanha, China, India, etc. etc. passando a ser o primeiro banco portugues.
A Caixa Geral de Depósitos pratica hoje (como qualquer outro banco comercial) banca de retalho, banca comercial, banca de investimento, gestão de banca privada, crédito especializado e seguros, alem de emitir empréstimos de todo o tipo, fazer intermediação bancária, dar credito hipotecário, emprestimos sindicalizados e outros a pequenas, médias e grandes empresas, incluindo ao governo e a empresas publicas.
É esta dimensão global geográfica e operativa da Caixa que lhe dá a importancia que hoje se lhe atribui. Tem sido através dela que os sucessivos governos têm intervindo escandalosamente (criminosamente nalguns casos) na actividade económica e financeira portuguesa, financiando projectos de natureza politica de rentabilidade duvidosa e até beneficiando alguns amigos de amigos que pudessem ser uteis aos governos deste ou daquele partido. Desde que o bloco central de interesses se instalou na politica portuguesa que o presidente da Caixa era sempre escolhido pelo partido que estava na oposição, quiçá para evitar que as traficâncias feitas através da Caixa transbordassem para fora do bloco de interesses que mandava em Portugal.
Conhecendo,como é hoje publico e notório,a má fama que as várias gestões da Caixa deixaram no espirito de muitos portugueses,não é de admirar que a questão da futura gestão da instituição seja motivo de preocupação. Sobretudo quando os salários principescos foram duplicados e os gestores se recusam a ser escrutinados. A questão da Caixa cuja solução foi tão apregoada pelo governo como tendo sido uma grande vitória, revelou-se afinal um enorme tiro no pé, não me admirando que regresse a discussão de não quem deva governar a Caixa mas simplesmente da sua simples extinção.
ALBINO ZEFERINO 1/11/2016
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