segunda-feira, 26 de novembro de 2018
BREXIT: ACORDO OU DECLARAÇÃO DE GUERRA?
Com a histórica aceitação sem reservas, neste fim de semana, do plano May, por parte dos sócios da Grã-Bretanha para a saída "soft"dos ingleses da União Europeia onde se meteram para não ficarem isolados numa Europa em mudança profunda, iniciou-se uma fase sem retorno nesta aventura a que alguns chamaram Brexit. Resta agora o acordo do Parlamento britanico para que o divórcio se concretize. Mas será assim tão simples? Infelizmente não me parece.
Nunca os ingleses se conformaram na submissão a uma entidade supranacional que não controlavam, depois de terem sido os únicos a conseguir evitar a invasão hitleriana há mais de setenta anos atrás. A participação britanica na UE foi sempre pautada por reservas consubstanciadas em "optings out" que, conferindo aos ingleses um estatuto de que os outros não gozavam, fez nascer nos parceiros comunitários um certo desconforto pela presença inglesa nas lides comunitárias. Alguns até chegaram a atribuir aos britanicos algumas culpas por certos atrasos ou desvios ao natural e progressivo processo integrador europeu. Não é pois de admirar a vontade (por enquanto escondida, é certo) de certos parceiros em "despachar" este assunto, que constitui para alguns a remoção de um obstáculo essencial ao avanço mais rápido na direcção de uma verdadeira união politica que afaste de uma vez para sempre o espectro duma nova guerra na Europa.
Mas será assim tão fácil "despachar" os ingleses de vez? Não me parece. Em primeiro lugar, porque o Brexit não constitui apenas uma simples declaração de vontade em sair, pelo contrário, reflecte uma decisão popular, que apesar de não ser peremptória nem unânime, traça um caminho ao qual não se poderá fugir com subterfugios e esquemas paralelos, como tem sido uso e costume na Comunidade europeia. Depois, não é fácil, neste contexto de confrontação, encontrar uma forma pacifica, aceite por "brexiters" mais encarniçados e por "remainers" mais empedernidos, que possa merecer aceitação generalizada de todos os cantos de um reino que se diz unido mas que está afinal junto com cuspo (o que pensam os escoceses, e os irlandeses do norte, e os galeses, e os trabalhistas e os tories, e os comuns e os lordes, e os das docas e os proprietários rurais?). Será que todos se porão de acordo como se puseram quando Churchill exortou os britânicos a resistir aos avanços de Hitler?
Finalmente, será dificil seja a quem for emendar a mão, seja com outro referendo, seja com algum zigue-zague muito próprio dos ingleses, do qual não vejo um resultado útil e evidente para sair desta embrulhada.
Será assim, a meu ver, muito dificil que o Parlamento britanico se ponha de acordo na aprovação dum projecto que, sem lhe retirar o mérito especifico, não satisfaz nem gregos nem troianos nesta guerra sem quartel em que os britânicos se meteram quando decidiram aderir à então CEE, convencidos de que a dominariam desde dentro, o que alemães e franceses nunca permitiriam, como nunca permitiram que os britanicos dominassem a Europa desde que a história é história. Não se pode fazer história contra a história. Talvez os americanos possam dar uma ajuda quando verificarem que essa ajuda lhes poderá ser útil. Como reza, de resto, a história.
ALBINO ZEFERINO 26/11/2018
terça-feira, 20 de novembro de 2018
TOTALITARISMO E DEMOCRACIA
Será curial opor o totalitarismo à democracia? Eu acho que sim. O totalitarismo pretende - como o nome indica - controlar tudo à sua volta: pessoas, bens e organizações. A democracia, pelo contrário, permite que as decisões colectivas sejam apenas impostas pela maioria dos decisores (os que votam). Num regime totalitarista não há liberdade: de pensamento, de acção, de voto, de decisão, etc.etc.; num regime democrático é precisamente o contrário: pode-se fazer tudo o que não estiver proibido e só a vontade da maioria poderá proibir alguma coisa (um dos slogans de Maio de 68 era precisamente este: é proibido proibir - foi um lema anarquista muito atraente que fez voga no principio do século passado com o trotskismo).
Tal como o totalitarismo - que pode ser de esquerda (bolchevismo soviético, chavismo bolivariano, comunismo castrista, etc. etc.) ou de direita (nazismo hitleriano, fascismo italiano, islamismo fundamentalista, etc.etc.), a democracia pode ser levada a cabo por esquerdistas (socialistas, sociais democratas, sociais-cristãos, etc.) ou por direitistas (conservadores, liberais, cristãos-democratas, etc.). Todos estes sistemas já foram alguma vez experimentados e deixaram, uns mais do que outros, gratas saudades ou penosos sacrificios nos espiritos daqueles que os experimentaram.
A história mundial mostra-nos que, após periodos de longos e penosos sacrificios impostos às populações, há sempre periodos de alguma distensão nas sociedades que permitem às pessoas recuperar a esperança perdida e a alegria de viver. Durante o século passado isso aconteceu por tres vezes: a primeira vez na sequência do final da Primeira Grande Guerra (cujo centenário foi este ano celebrado com euforia); a segunda verificou-se após a vitória dos Aliados na Segunda Guerra mundial; e a terceira vez ocorreu na sequência da Queda do muro de Berlim, com o desmoronamento do comunismo no mundo. Contrariando porem as expectativas daqueles que ansiavam nunca mais voltar a suportar os sacrificios e as perdas que os regimes totalitários derrotados lhes tinham imposto, passados poucos anos volta a tentação do controle de uns sobre os outros, usando as mesmas técnicas e os mesmos processos, quiçá mais sofisticados pelo avanço das tecnologias.
Sendo a democracia um meio através do qual os povos exprimem a sua liberdade, esta requer porem mais do que escolher um dirigente atraves do voto. Não é pelo simples facto de ter ganho uma eleição que o vencedor fica com licença de fazer o que quiser. Numa verdadeira democracia, os dirigentes respeitam a vontade da maioria, mas tambem os direitos das minorias. Isto é, as garantias constitucionais dos individuos devem ser defendidas, mesmo quando se tornam inconvenientes para quem manda. Em 2017, o índice de democracia do Economist mostrou um declinio na saude democrática de 70 países, com base em critérios como o respeito pelo processo democrático, a liberdade religiosa e o espaço concedido à sociedade civil. O relatório conclui que "a confiança da população nos governos, nos representantes eleitos e nos partidos politicos, desceu para niveis extremamente baixos. Esta tem sido uma tendência a longo prazo". A crise financeira de 2008 reforçou esta tendência levando muitos cidadãos a duvidar da competência dos dirigentes e a pôr em causa a justeza de sistemas que parecem proteger os ricos à custa de todos os outros.
Outra razão para o descontentamento com a democracia consiste no facto de ser cada vez mais dificil para os governantes comunicarem as suas acções e as suas intenções. As chamadas redes sociais ganham cada vez mais protagonismo na passagem da informação entre as pessoas em detrimento dos velhos sistemas institucionais como a propaganda ou o comicio politico. As pessoas julgam que sabem a verdade porque viram ou ouviram nas redes sociais. A táctica é eficaz pois as pessoas não têm uma forma fiável de determinar se a origem do que vêm ou lêm é legitima, ou se é transmitida maliciosamente por um governo estrangeiro ou por um impostor por conta própria. O custo de espalhar falsidades através das redes sociais é minimo, assim como é minimo o esforço exigido. Hoje em dia as democracias estão a ser contaminadas por mentiras que chegam em vagas através das redes sociais. Os dirigentes que respeitam as regras democráticas estão a ter dificuldades em refutar histórias que parecem ter saido do nada e que foram inventadas unicamente para acabar com eles. A globalização, que não é uma escolha ideológica mas um facto da vida, tornou-se para muitos um mal que tem que ser combatido. Há governos que optam por avançar noutra direcção - o uso dos firewalls - como acontece na China, por exemplo.
Esta transição está a levar as populações - incluindo editorialistas, colunistas, locutores e bloggers - a exigir cada vez mais dos governos. Sentem que é seu direito inato atacar por todos os lados os representantes eleitos, mesmo quando não votaram nas eleições que aqueles venceram. O povo anseia pelos beneficios da mudança, mas sem os custos a ela inerentes. Por isso é surpreendente, em certo sentido, estarmos dispostos a ceder a liderança das nossas sociedades à sabedoria colectiva de uma opinião publica imperfeita e frequentemente alheada. Como pode alguem ser tão crédulo ao ponto de entregar permanentemente o poder - uma força corruptora inerente - a um unico dirigente ou partido? Quando um ditador abusa da autoridade, não há forma legal de o fazer parar. Dizia Masarky, presidente da Checoslováquia independente, em 1930: "A democracia não é apenas uma forma de Estado, não é apenas algo que está contido numa constituição; a democracia é uma perspectiva de vida, exige crença nos seres humanos, na humanidade....A democracia é um debate. Mas o verdadeiro debate só é possivel se as pessoas confiarem umas nas outras e se tentarem honestamente descobrir a verdade.
ALBINO ZEFERINO 20/11/2018
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