terça-feira, 20 de novembro de 2018

TOTALITARISMO E DEMOCRACIA



          Será curial opor o totalitarismo à democracia? Eu acho que sim. O totalitarismo pretende - como o nome indica - controlar tudo à sua volta: pessoas, bens e organizações. A democracia, pelo contrário, permite que as decisões colectivas sejam apenas impostas pela maioria dos decisores (os que votam). Num regime totalitarista não há liberdade: de pensamento, de acção, de voto, de decisão, etc.etc.; num regime democrático é precisamente o contrário: pode-se fazer tudo o que não estiver proibido e só a vontade da maioria poderá proibir alguma coisa (um dos slogans de Maio de 68 era precisamente este: é proibido proibir - foi um lema anarquista muito atraente que fez voga no principio do século passado com o trotskismo).
          Tal como o totalitarismo - que pode ser de esquerda (bolchevismo soviético, chavismo bolivariano, comunismo castrista, etc. etc.) ou de direita (nazismo hitleriano, fascismo italiano, islamismo fundamentalista, etc.etc.), a democracia pode ser levada a cabo por esquerdistas (socialistas, sociais democratas, sociais-cristãos, etc.) ou por direitistas (conservadores, liberais, cristãos-democratas, etc.). Todos estes sistemas já foram alguma vez experimentados e deixaram, uns mais do que outros, gratas saudades ou penosos sacrificios nos espiritos daqueles que os experimentaram.
          A história mundial mostra-nos que, após periodos de longos e penosos sacrificios impostos às populações, há sempre periodos de alguma distensão nas sociedades que permitem às pessoas recuperar a esperança perdida e a alegria de viver.  Durante o século passado isso aconteceu por tres vezes:  a primeira vez na sequência do final da Primeira Grande Guerra (cujo centenário foi este ano celebrado com euforia); a segunda verificou-se após a vitória dos Aliados na Segunda Guerra mundial; e a terceira vez ocorreu na sequência da Queda do muro de Berlim, com o desmoronamento do comunismo no mundo. Contrariando porem as expectativas daqueles que ansiavam nunca mais voltar a suportar os sacrificios e as perdas que os regimes totalitários derrotados lhes tinham imposto, passados poucos anos volta a tentação do controle de uns sobre os outros, usando as mesmas técnicas e os mesmos processos, quiçá mais sofisticados pelo avanço das tecnologias.
           Sendo a democracia um meio através do qual os povos exprimem a sua liberdade, esta requer porem mais do que escolher um dirigente atraves do voto. Não é pelo simples facto de ter ganho uma eleição que o vencedor fica com licença de fazer o que quiser. Numa verdadeira democracia, os dirigentes respeitam a vontade da maioria, mas tambem os direitos das minorias. Isto é, as garantias constitucionais dos individuos devem ser defendidas, mesmo quando se tornam inconvenientes para quem manda. Em 2017, o índice de democracia do Economist mostrou um declinio na saude democrática de 70 países, com base em critérios como o respeito pelo processo democrático, a liberdade religiosa e o espaço concedido à sociedade civil. O relatório conclui que "a confiança da população nos governos, nos representantes eleitos e nos partidos politicos, desceu para niveis extremamente baixos. Esta tem sido uma tendência a longo prazo". A crise financeira de 2008 reforçou esta tendência levando muitos cidadãos a duvidar da competência dos dirigentes e a pôr em causa a justeza de sistemas que parecem proteger os ricos à custa de todos os outros.
          Outra razão para o descontentamento com a democracia consiste no facto de ser cada vez mais dificil para os governantes comunicarem as suas acções e as suas intenções. As chamadas redes sociais ganham cada vez mais protagonismo na passagem da informação entre as pessoas em detrimento dos velhos sistemas institucionais como a propaganda ou o comicio politico. As pessoas julgam que sabem a verdade porque viram ou ouviram nas redes sociais. A táctica é eficaz pois as pessoas não têm uma forma fiável de determinar se a origem do que vêm ou lêm é legitima, ou se é transmitida maliciosamente por um governo estrangeiro ou por um impostor por conta própria. O custo de espalhar falsidades através das redes sociais é minimo, assim como é minimo o esforço exigido. Hoje em dia as democracias estão a ser contaminadas por mentiras que chegam em vagas através das redes sociais. Os dirigentes que respeitam as regras democráticas estão a ter dificuldades em refutar histórias que parecem ter saido do nada e que foram inventadas unicamente para acabar com eles. A globalização, que não é uma escolha ideológica mas um facto da vida, tornou-se para muitos um mal que tem que ser combatido. Há governos que optam por avançar noutra direcção - o uso dos firewalls - como acontece na China, por exemplo.
          Esta transição está a levar as populações - incluindo editorialistas, colunistas, locutores e bloggers - a exigir cada vez mais dos governos. Sentem que é seu direito inato atacar por todos os lados os representantes eleitos, mesmo quando não votaram nas eleições que aqueles venceram. O povo anseia pelos beneficios da mudança, mas sem os custos a ela inerentes. Por isso é surpreendente, em certo sentido, estarmos dispostos a ceder a liderança das nossas sociedades à sabedoria colectiva de uma opinião publica imperfeita e frequentemente alheada. Como pode alguem ser tão crédulo ao ponto de entregar permanentemente o poder - uma força corruptora inerente - a um unico dirigente ou partido? Quando um ditador abusa da autoridade, não há forma legal de o fazer parar. Dizia Masarky, presidente da Checoslováquia independente, em 1930: "A democracia não é apenas uma forma de Estado, não é apenas algo que está contido numa constituição; a democracia é uma perspectiva de vida, exige crença nos seres humanos, na humanidade....A democracia é um debate. Mas o verdadeiro debate só é possivel se as pessoas confiarem umas nas outras e se tentarem honestamente descobrir a verdade.

            ALBINO  ZEFERINO                                                                            20/11/2018

2 comentários: