domingo, 9 de dezembro de 2018

PARIS BRÛLE-T-IL?



          Recordando o best-seller de Collins e Lapierre, premiado em 1966, que relata o épico momento em que o general von Choltitz, comandante militar das forças nazis de ocupação de Paris, recebeu, em 1944, na retirada desesperada dos alemães de França, a ordem de Hitler para incendiar a mais bela cidade europeia de então, o recente movimento dos coletes amarelos, que tem posto a capital francesa a ferro e fogo, parece levar-nos para os tempos de maio de 68, quando Sartre e Cohn-Bendit promoveram a maior onda de protestos populares nas ruas de Paris, a pretexto de manifestações estudantis para pedir reformas no sector educacional em França e que evoluiram para uma maciça manifestação de trabalhadores e depois para a maior greve geral de sempre, que foi brutalmente reprimida pelo governo frances de então, forçando de Gaulle a convocar eleições gerais e só assim retomar o controle da situação, mas abrindo as portas para a sua retirada politica (o que ocorreu pouco depois) e deixando o caminho aberto às reformas politicas que marcaram a França nos anos seguintes.

          Os acontecimentos recentes em Paris e no resto da França, que mobilizaram milhares de policias e provocaram centenas de detenções, parece não estarem para acabar tão cedo, deixando nos espiritos mais preocupados a ideia de que, tal como ocorreu em 1968, não será sem profundas reformas que a situação politica se normalizará. O pretexto da contestação ao anunciado aumento do preço da gasolina, que passou já para patamares mais dificeis de conter e que não se antevê onde acabará, prenuncia o fim de uma época e o inicio de outra, que a vitória eleitoral de Macron simulava ter protagonizado, mas que afinal, parece não ter conseguido. 

          Outros países europeus estão passando por experiências novas que tambem configuram uma vontade popular de mudança do paradigma politico que foi iniciado no pós-guerra, mas que parece ter chegado ao fim. A alternância no poder entre partidos demo-liberais e socialistas (um pouco como os conservadores e os trabalhistas britânicos) parece ter acabado na Europa e perfilam-se no horizonte outras fronteiras divisórias de interesses politicos opostos. Com o fim da pobreza absoluta e da submissão social, os novos eleitores tornaram-se mais inteligentes, mais cultos e mais preparados do que os seus progenitores, para atingir patamares de vida antes reservados apenas a certas classes sociais ou profissionais. A influência de ideologias progressistas ou conservadoras mistura-se no espirito das novas gerações, mais como acontece com o leite e com o café e menos do que ocorre com a água e o azeite, que naturalmente não se misturam. Nada é hoje inatingivel por ninguem e já não existem coutadas reservadas para uso ou frequência de uns e onde outros estavam naturalmente excluidos. É neste contexto que se inserem as opções governativas e de vida da maioria dos cidadãos dos países ditos desenvolvidos. Mas tambem entre países se verfica a mesma coisa, pois já não existem países de primeira ou de segunda categorias, embora subsistam ainda laivos de subalternidade entre os estados mais desenvolvidos e os menos desenvolvidos. E não só entre países de continentes diferentes, mas tambem entre paises do mesmo continente. Basta pensar-se na China, na India, no Brasil ou no México. Todos estes países são subdesenvolvidos, mas detêm todos eles altos graus de desenvolvimento em certos sectores.

          Mas é sobretudo na Europa onde nos inserimos que esta problemática se revela mais premente.  Com a União europeia (com as suas vitórias e os seus desaires) todos os países europeus (mesmo os não membros da UE) atingiram depois (e como consequência) da queda do muro de Berlim, niveis de desenvolvimento acentuados (uns mais do que outros, naturamente).  A integração europeia não é (como alguns ainda pensam) um projecto unificador, mas sim um padrão de vida que todos querem usufruir por igual e o qual todos têm o mesmo direito de almejar. Assim se compreendem as influências que os estados europeus (dentro ou fora da União) exercem uns nos outros. Influências politicas, sociais, económicas, culturais e até de costumes.

          Compreende-se assim a impaciencia que alguns demonstram no alcançar dos desideratos a que se julgam capazes ou com direito, sobretudo quando comparando com as formas, por vezes ardilosas e até soezes, com que outros já os atingiram. As manifestações em França (até agora incontroláveis) são bem a prova disto. Porque razão uns pagam mais do que outros para conseguir o mesmo resultado? Porquê uns chegam mais depressa ou mais alto do que outros tendo capacidades semelhantes?  É disto que se queixam os coletes amarelos e é disto que se queixam todos aqueles que estão na mesma situação. Vivam onde vivam e estejam onde estejam. Coletes amarelos todos temos na mala do nosso carro. Não vivemos é todos em França.


                    ALBINO  ZEFERINO                                                             9/12/2018

2 comentários:

  1. Ainda hoje publiquei um texto no Velho da Montanha, um texto semi-filosófico em que analiso o fosso entre Governantes e Governados.

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