sexta-feira, 14 de março de 2014

O PERIGO DA SAIDA DA TROIKA


          Os portugueses são anarquistas. À primeira vista poderá dizer-se que não estou a ser justo com este povo simples, manso, obediente e ignorante. Mas não é verdade. A verdade é que o povo portugues é, além disso, timorato. E o que é ser timorato? De acordo com os dicionários, timorato é aquele que manifesta temor por alguém ou por alguma coisa. E o povo portugues tem-se manifestado normalmente timorato durante a sua longa história, mesmo nos momentos de glória onde ganhou prestigio e fama. Não nos esqueçamos que sempre que algo de grandioso resultou de acções de valor por parte do povo portugues, esse valor nasceu invariavelmente de um seguidismo cego e inconsciente da populaça. Não foi por terem confiado cegamente na audácia de D.Afonso Henriques que os portugueses seguiram o seu dux na conquista da independencia do condado portucalense do reino de Leão? Não foi por terem seguido obedientemente o Condestável, armado e financiado pelos ingleses para uma batalha desigual, que os portugueses sairam vitoriosos em Aljubarrota? Não foi por terem inconscientemente embarcado na aventura do Infante que os portugueses deram novos mundos ao mundo? Não foi por mero acaso que os 40 libertadores aventureiros expusaram a duquesa de Mântua de Lisboa, aproveitando a distracção dos espanhois preocupados com as tentativas independentistas da Catalunha? Não foi pela degradação politico-social dos ultimos anos da monarquia que meia duzia de anarquistas inconscientes implantaram a republica em Portugal? Não foram as sequelas da desastrosa e vergonhosa participação portuguesa na 1ª guerra mundial que determinaram o manso levantamento militar do 28 de maio de 1926? Não foi o cansaço pela guerra do ultramar que deu origem ao movimento dos capitães que arrastou a multidão simples e ignorante para uma alegre anarquia, em 25 de abril de 1974?  Estes e outros exemplos mostram aos mais atentos a personalidade timorata e seguidista do povo portugues, evidenciada nos momentos mais marcantes da sua vida colectiva.
          Os portugueses são timoratos e ao mesmo tempo anarquistas. A anarquia é, como nos ensinam ainda os dicionários, uma situação de desordem e de ausencia de comando que conduz à destruição das instituições politicas e ao caos social. O povo portugues tende sociologicamente para a anarquia e para o livre-arbitrio. Normalmente, os portugueses são recalcitrantes do poder politico e amantes de situações de contestação. Porém o seu carácter timorato coarta-lhes a vontade, impedindo que a sua tendencia anarquista se manifeste em acções colectivas de rebelião contra o poder instituido, sem que alguem ou alguma coisa os motive e os conduza à acção. É sempre preciso que alguem os lidere ou que por eles se responsabilize para que façam algo de concreto ou de objectivo. Os portugueses necessitam sempre de alguma coisa ou de alguem a quem recorrer ou que possa justificar as suas atitudes ou os seus actos.
         Vem isto tudo a propósito do perigo que, a meu ver, representa a saída da troika de Portugal, num momento em que ainda há enormes duvidas sobre a capacidade que Portugal manifesta em manter por si só a sua independencia, face aos desafios que a globalização mundial apresenta, sobretudo relativamente aos países que, como Portugal, ainda não atingiram níveis de desenvolvimento suficientemente sustentáveis e credíveis para continuarem a endividar-se. Foi esta, a meu ver, a grande razão que levou os 70 sábios saloios a produzirem o manifesto sobre a divida publica, que tanta celeuma provocou esta semana nos espíritos lusos. Preocupados com a ausencia de algo ou de alguem sobre quem lançar as culpas dos inconvenientes duma reforma ainda incipiente e inacabada das instituições que regem este pobre país à deriva, os ditos sábios não se lembraram de outra coisa senão de culpar os credores por uma situação criada por eles próprios (e pelos seus seguidores), apregoando que a solução dos nossos problemas consistiria em não pagar atempadamente as nossas dívidas, antecipando os inconvenientes duma eventual situação anárquica que resultaria do aumento descontrolado da dívida publica, que a tornaria definitivamente incontrolável.
          A troika (ou quem ela representa) tem servido a este governo corajoso, mas ao mesmo tempo tíbio, de desculpa para fazer aceitar ao povo portugues, simples e ignorante, as drásticas medidas de austeridade que lhe vem impondo, necessárias para endireitar Portugal das diatribes criminosas que governos anteriores realizaram neste país de brandos costumes e de alegre descontracção.  Acabado o bode expiatório das maldades governativas, receio que a necessária continuação desta politica regeneradora venha a provocar reacções descontroladas neste povo naturalmente anárquico e cansado de tanto sofrer sem entender a razão, que, liberto da sua tibieza congénita por algum indómito libertador do qual Portugal é fértil, nos lance a todos numa profunda crise ainda mais comprometedora para o nosso futuro do que aquela em que os socialistas do Sócrates nos fizeram cair. Deus nos livre de tal inferno!

                                ALBINO ZEFERINO                                14/3/2014
         
         

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