quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

O GOVERNO E O ACTO MÉDICO


          Tal como só os médicos devem agir medicamente tambem os governos devem ser os garantes dessa acção exclusiva. Só os médicos foram preparados para curar os doentes. Mais ninguem deverá intrometer-se na acção médica de curar. Nem feiticeiros, nem curandeiros, nem enfermeiros. Cada macaco no seu galho, como diz sabiamente o povo. Os feiticeiros afastam os maus olhados, os curandeiros aliviam as dores com mézinhas e os enfermeiros providenciam os curativos prescritos pelos médicos. Nada de confusões, pois isto da saúde é coisa séria. Por menos do que isto muitos governos cairam e só isto poderá fazer cair um governo.
          O ministro da Saude tem sido talvez aquele cuja prestação politica maior impacto provocou na imagem deste esforçado mas esgotado governo que nos governa. Homem competente e sério, frio e analítico, o ministro vê-se agora confrontado com um dilema essencial: deve ou não ser permitido aos enfermeiros prescrever a feitura de actos complementares de diagnóstico (mesmo apenas circunscrito às urgencias) para dar a ilusão aos utentes de que alguém se preocupa com eles durante as exageradas horas de espera que o apressado abandono dos médicos dos serviços de urgencia impôs aos utentes mais carenciados?  O bastonário dos médicos já veio claramente denunciar esta intenção marcando a linha divisória daquilo que é razoável fazer e do que se torna perigoso que se faça. Perigoso para os doentes significa perigoso para o governo. Urge definir legalmente o conceito de acto médico para que não surjam confusões nesta área quanto àquilo que compete aos médicos fazer e até onde os enfermeiros podem actuar. Sem enfermeiros não se curam doentes, como sem agentes judiciais não se ministra justiça (veja-se o desgraçado episódio do falhado lançamento do programa informático para a justiça). São agentes auxiliares (ou complementares, como se queira) de actos essenciais praticados por agentes principais - os médicos e os juizes, procuradores ou advogados, respectivamente -  e só por estes, pois só estes estão preparados para o fazer.
          Na sua ânsia liberalizadora o governo deve ter em atenção que mexer na saúde é mais comprometedor do que privatizar a TAP ou a banca. A saude diz directamente respeito à vida das pessoas. A economia só indirectamente as afecta. Para resolver um problema criado pela soberba dos médicos e pela desorganização administrativa do Estado que o governo permitiu ou não foi capaz de controlar, não deverá ser tocado o âmago do problema que reside na confiança do utente no sistema. Preocupe-se o governo em evitar que os médicos "fujam" para os hospitais privados deixando as urgencias publicas no caos a que chegaram, definindo claramente as suas obrigações profissionais e domando a altivez dos clinicos que se julgam os donos da saude alheia, em vez de comprometerem de vez um sector essencial para o funcionamento normal do Estado.

                            ALBINO ZEFERINO                            4/2/2015

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