domingo, 17 de abril de 2016
A CORRUPÇÃO E OS PAPEIS DO PANAMÁ
Muito se tem falado ultimamente acerca dos famosos papeis do Panamá que levantaram o espinhoso e sensivel problema dos "off-shores". Mas afinal o que são os "off-shores" e para que servem? Prosaicamente os "off-shores" são, como o seu nome indica, "locais para além da margem", ou seja, locais longe das vistas alheias, normalmente com mar pelo meio. E para que servem estes locais escondidos, com pouca visibilidade (hoje dir-se-ia com opacidade) e de dificil acesso? Pois naturalmente para lá se guardar aquilo que não se quer que seja visto. E só se esconde aquilo que não se quer mostrar. Sendo o ser humano vaidoso por natureza e gostando de provocar a inveja alheia, não parece natural que esconda aquilo que genuinamente possui ou detém legitimamente. Por exclusão de partes então, o que esconde, oculta para que não se saiba que possui. E só se esconde o que se possui quando isso é proveniente de origens ilegitimas, por vezes ilegais mesmo, mas sempre de origens moralmente duvidosas. Desde resultados de simples furtos, a partes de fortunas não declaradas ao fisco ou aos outros co-herdeiros, ou a produto de negócios ilicitos ou moralmente condenáveis. A vergonha ou o medo de ser apanhado terá necessariamente que ser maior para o titular dum "off-shore" do que a vontade se esmagar o parceiro com a exibição dessa riqueza.
Mas nem só para esconder bens de origem inconfessável servem os "off-shores". Muito boas pessoas (ou pessoas de bem) têm "off-shores" constituidos no simples intuito de fugir ao fisco. A fuga ao fisco é proporcional à repulsa gerada no espirito do contribuinte pela obrigação cívica do pagamento dos impostos. E essa repulsa é tanto maior quanto a convicção que se instala na mente do contribuinte de que o destino final da sua contribuição cívica, traduzida no pagamento voluntário do imposto que lhe cabe, não é canalizada para os fins a que o Estado se propunha inicialmente. Por outras palavras, o contribuinte relapso, ao esconder o seu dinheiro do Estado, não acredita que os impostos que deveria pagar (e que não paga porque se evadiu a esse pagamento através do "off-shore") sejam gastos em acções legitimas praticadas pelo governo. Trata-se, como se vê, dum processo psicológico provocado pela acção ilegitima do governo que impele o contribuinte a não desejar contribuir para um mau gasto do seu dinheiro, preferindo incorrer numa falta (agora essa falta está criminalizada em Portugal) a entregar o seu dinheiro à incompetência e à gestão danosa (e por vezes criminosa até) de governos incompetentes e ilegitimos, a seu ver.
Compreende-se assim que neste mundo cada vez mais orwelliano em que vivemos, os meios informáticos se intrometam cada vez mais nas nossas vidas e denunciem cada vez mais situações objectivas e moralmente incorrectas. A acção denunciadora destes processos (Panama papers, Wikileaks e outros menos conhecidos), à partida intrusiva (e portanto incómoda) não deixa de trazer à sociedade os meios de se regenerar, quer materialmente, quer juridicamente e até legalmente, a fim de combater os flagelos que o desenvolvimento tecnológico vem destapando. Os "off-shores" não são por si mesmos ilegais, podem é servir (o que acontece na maioria dos casos) para encobrir negócios sujos que convém combater e tentar desmontar à medida que aparecem. Não é acabando com os "off-shores" (o que tambem se me afigura dificil, pois a sua existencia depende dos governos de cada país ou região onde se encontre o "off-shore") mas usando os meios ao dispor dos governos (que cada vez são mais sofisticados) para tentar erradicar o flagelo da corrupção das nossas sociedades.
Mas não é só atacando os "off-shores" que a corrupção é combatida. Como em todas as questões melindrosas, há que atacar as causas antes de combater as consequencias. Todos os males têm causas exteriores ao fenómeno visado. A corrupção feita através do exercicio da função politica (os favores, os jeitos, os arranjinhos, os financiamentos partidários, as mordomias informais, os empregos politicos, os negócios entre e com os politicos, etc.etc.) tem que acabar (ou ser contida, ao menos). De outra forma quem sofre são os países, é a democracia, são as instituições e finalmente são os cidadãos que são a causa da politica, a sua origem e a sua justificação. Sem cidadãos pagadores de impostos, não haveria politicos. Não devemos matar a galinha dos ovos de ouro, senão ainda ficamos sem ovos.
ALBINO ZEFERINO (correspondente diplomático aposentado) 17/4/2016
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