domingo, 2 de abril de 2017
AS NEGOCIAÇÕES DO BREXIT
Com a entrega do pedido formal de abandono da União Europeia pelo Reino Unido, ao abrigo do artº 50 do Tratado de Lisboa, aos presidentes do Conselho europeu e da Comissão europeia, terminou o período prévio ao inicio das negociações entre as autoridades britânicas e europeias no sentido da criação de um quadro institucional que regulamente as futuras relações entre aquele país e as instituições europeias. No final do periodo de 2 anos estabelecido por ambas as partes, ou seja em Abril de 2019, supõe-se que ficará definido o quadro relacional entre britânicos e europeus, o que não excluirá naturalmente a possibilidade de acordos bilaterais entre qualquer Estado Membro e o Reino Unido em matérias não reguladas no quadro comunitário. O RU, tal como a Suiça ou a Noruega (só para mencionar países europeus), ficará livre de negociar (como estes estão) com qualquer Estado ou organização internacional, qualquer matéria que não colida com matérias já negociadas anteriormente com esses Estados enquanto membros de organizações internacionais. Melhor dizendo, o RU, como membro da NATO, continuará vinculado (como qualquer EM pertencente à NATO) às obrigações decorrentes do tratado de Washington, que fundou a NATO. Não se pense assim que a eventual (ainda não concretizada) saida do RU da UE vai colocar os britânicos nas antípodas da UE, como é o caso do Haiti ou das Ilhas Faroé, por exemplo. O RU será sempre um país europeu, membro da NATO e com especial relacionamento com a UE. E é precisamente desse relacionamento especial com a UE que vão tratar as negociações que agora começam.
A escolha de Vanveerhofstadt para chefiar a delegação negocial europeia com os brits pareceu-me acertada. Veerhofstadt é um liberal da escola social-cristã belga, antigo lider partidário dos sociais-cristãos flamengos, trilingue (como o luxemburgues Junker), primeiro ministro do governo belga por várias vezes, experiente negociador e politico consagrado há mais de 30 anos (apesar de ainda ser relativamente jovem). Ministro das Finanças do seu país por várias vezes e antigo comissário europeu com esse pelouro, o belga terá todas as referências necessárias para levar a bom termo umas negociações que vão ser necessariamente dificeis e complexas. Do lado ingles não me parece que haja alguem com a experiencia de Veerhofstadt, mas certamente que encontrarão personalidades igualmente aptas para conseguir levar a cabo esta dificil tarefa.
As negociações irão versar sobre uma variedade de temas mas o essencial (ou seja, as razões fundamentais que levaram ao referendo britânico) são a livre circulação de pessoas entre o espaço eurpeu e o espaço britânico e o consequente acesso mutuo ao mercado único europeu e ao mercado britanico de nacionais europeus e britanicos. Como consequencia deste desiderato, as relacões financeiras mutuas serão afectadas, podendo pôr em causa a supremacia da praça finaceira britânica no espaço europeu (e portanto no mundo inteiro). É este o calcanhar de Aquiles dos brits que será certamente explorado por Vanveerhofstadt e pelos seus negociadores europeus. Como se intui, as negociações não serão fáceis e eu próprio me atreveria a afirmar que não são sequer óbvias. Ninguem garante (muito pelo contrário) que se conseguirá chegar a um acordo completo e global e muito menos dentro de um periodo de tempo pré-determinado (os tais 2 anos). O que poderá então acontecer, no caso extremo de não se ter conseguido nenhum acordo substancial ao cabo dos 2 anos de negociações previstos?
Sendo impensável que o Reino Unido (com ou sem a Escócia recalcitrante) se desligue da União europeia sem um acordo regulador das suas futuras relações (circulação de pessoas, circulação de bens e circulação de capitais, acesso aos respectivos mercados, intercâmbio cultural e cientifico, etc. etc.) poderá chegar-se a um ponto onde ambas as partes acordem em não conseguir chegar a acordo sobre pontos essenciais para o prosseguimento duma relação proficua para ambas as partes. O que fazer então? Não podendo cada uma das partes voltar costas à outra parte, haverá que voltar atrás e recomeçar tudo de novo. Mas a partir de onde? Nessa altura haverá já certamente quem ponha em causa a própria essência do problema, ou seja, a razão formal das negociações (nessa altura) impossiveis. Ou melhor dizendo, o referendo britânico de 2016. Tendo nessa altura já passado os 2 anos de defeso para a repetição da consulta popular, não me repugnaria que o governo britanico (já não é sequer o mesmo que lançou o referendo inicial que deu origem à confusão) repetisse a consulta (como tem acontecido várias vezes em países da UE sobre várias questões, desde a constitucional à orçamental) e que o resultado fosse diferente. Os britânicos continuariam membros da UE com um estatuto especial de acordo com as suas especificidades e benéfico para eles em comparação com os restantes EMs e tudo voltaria ao normal, tal como quando Cameron regressara de Bruxelas em 2016, acenando ao povo britanico com um acordo excepcionalmente favorável conseguido dias antes do referendo, na esperança de que este resultasse negativo. Mas Cameron (e os europeistas) foram enganados pelos ingleses intransigentes e pelos retrógados euro-cépticos, que transformaram a vitória cameroniana numa vitória de Pirro, que o atirou para as cordas e quase atirava o RU para fora da Europa.
Será assim? Let`s hope so!
ALBINO ZEFERINO 2/4/2017
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