sábado, 3 de junho de 2017

O ADMIRÁVEL MUNDO NOVO


          Parafraseando Bertrand Russell parece-me - sem pretensão - que estamos entrando paulatinamente, com Trump e com o Brexit, num mundo novo diferente daquele que existia antes do aparecimento destes dois fenómenos.  Efectivamente, após a tragédia das duas guerras mundiais, o sistema criado para erradicar definitivamente das nossas vidas a auto-destruição da Humanidade que os conflitos generalizados pressuposeram, parece ter entrado na recta final da sua existência. Em consequencia da crise financeira e social iniciada em 2007 nos E.U.A. e agora parece que definitivamente em remissão, as mentes brilhantes que nos governam estão lançando as pontes para a criação dum novo mundo relacional de contornos ainda indefinidos e de desfecho incerto. Os velhos ideais da democracia permanente e das liberdades sem fim, das igualdades de raça, de género e de confissão ou das oportunidades iguais para toda a gente, parecem terem entrado em crise existencial neste novo mundo de incógnitas e cujo rumo ainda permanece desconhecido.
          A ONU e o seu sistema caduco, a NATO e a sua estratégia indefinida e a UE e os seus eurocépticos, não têm manifestamente conseguido articular as vontades num sentido virtuoso para toda a gente e capaz de erradicar aquilo para o qual foram afinal criados - acabar com o expectro da guerra e da destruição de valores que ela comporta. Vivemos hoje todos com o pesadelo do terrorismo, seja ele bombista, cibernético, ambiental ou nuclear, esperando todas as manhãs quando ouvimos as noticias que brotam incessantemente para dentro de nós mesmo que não queiramos, que a tragédia do dia não nos tenha caido em cima. Por muito fortes que sejamos ou pareçamos, este ambiente de tensão permanente afecta decididamente os nossos espiritos e as nossas atitudes e provoca um sentimento de egoismo e de auto-defesa pouco propicio à propagação dos ideais do altruismo e da tolerancia. Sem valores e sem prespectivas dum futuro risonho, as novas gerações escondem as sua frustrações na intransigencia cega e na violencia gratuita. Só assim se explica as aberrações a que ultimamente o terrorismo irracional nos tem habituado.
          Por outro lado, a miscenização étnica que as ditas sociedades ocidentais hoje apresentam, fruto das descolonizações mal preparadas dos anos 60 do século passado (os ingleses chamaram-lhes "winds of change") muito tem contribuido tambem para a criação de condições propicias à contestação dos valores aos quais os nossos pais nos habituaram e que hoje estão desvalorizados. Para a juventude de hoje é mais importante ter dinheiro do que ter carácter ou tenacidade. Donde vem o dinheiro é indiferente; como se arranjou tambem. Este "american way of life" miscenizado e multi-cultural instalou-se na velha Europa que, convertida aos drones e às novas tecnologias, vai progressivamente perdendo os valores éticos e sociais que a distinguiam dos novos mundos de antanho. O heroi corajoso, valente e salvador dos oprimidos deu lugar ao heroi acidental, patinho feio vulgar, introvertido e medroso, que por acaso se vê confrontado com uma situação espinhosa da qual sai airosamente sem que nada tivesse feito para isso.
          Novas alianças fruto de novas estratégias e de novas afinidades estão em formação. Afastado o perigo comunista do pós-guerra com a queda do muro de Berlim, novas ameaças despontaram no horizonte: o terrorismo sem sentido, o aquecimento global fruto de ataques ambientais, a segurança colectiva por ausencia de prevenção e a informatização das sociedades pelo avanço da cibernética. Da relevancia que uns e outros dão a estes fenómenos inultrapassaveis, nascem novas estratégias e novas amizades. Trump e a sua politica do "America first" (como se os seus antecessores tivessem deixado para trás os interesses americanos em proveito dos interresses estrangeiros) vai-se aproximando do colega russo, oferecendo-lhe em troca uma Europa empobrecida e desorganizada, incapaz de decidir colectivamente e portanto vulnerável à cobiça de outros que pretendem engoli-la. A UE, por seu turno, vira-se agora para a China, ultimo recurso para fazer face aos inumeros problemas que enfrenta resultantes duma falta de coerencia comum na defesa dos valores tradicionais europeus e na dificuldade em criar mecanismos eficazes que a protejam dos predadores financeiros e dos hackers.
          A forma como conseguir negociar o Brexit, a reforma do processo de financiamento comunitário, a firmeza como defenderá o ambiente após a saida dos EUA dos acordos de Paris e a assunção das responsabilidades europeias em matéria de segurança e defesa, serão os temas fortes que determinarão o futuro da UE e os seus relacionamentos com o resto do mundo. Será um admirável mundo novo como o via Russell há quase 100 anos o que nos espera? Ou será um mundo desconhecido, cheio de espinhos e de obstáculos, capaz de nos lançar de novo num periodo de terror e mágoas? Quem sabe?

              ALBINO  ZEFERINO                                                                                      3/6/2017

         

2 comentários:

  1. Com o Brexit e Trump é mais "1984" de Orwell que o "Admirável Mundo Novo" de Huxley. Muito embora, em última análise, as visões não sejam antagónicas.

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  2. Nada no mundo dura muito tempo, o crescimento populacional gera tensões incontroláveis, e a democracia criou indivíduos insaciáveis e volúveis. Admirável Mundo Novo na Ciência e na Saúde, no Homem será pedir demais.Obrig Zeferino,bom artigo!

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