domingo, 22 de outubro de 2017

A DECLARAÇÃO DA INDEPENDÊNCIA DA CATALUNHA


          Conforme se esperava, o presidente da Generalitat da Catalunha proferiu a polémica declaração que lançou a vizinha Espanha na maior crise politico-constitucional das ultimas décadas. Apesar de pífia, a declaração não deixou de constituir o zénite dum processo iniciado há 40 anos, após a morte de Franco, e que serviu precisamente para enquadrar as reivindicações independentistas catalãs reprimidas desde o fim da guerra civil espanhola. Sem a Catalunha não teria nascido a Espanha autonómica e não teria sido possivel que a Peninsula Ibérica vivesse harmonica e pacificamente desde o final da 2º grande guerra, como aconteceu. Diria mesmo que a entrada de Portugal e de Espanha na CEE, em 1986, não se teria produzido com a mesma naturalidade e simplicidade se não tivesse sido implantado em Espanha o regime autonómico, no seio do qual as aspirações independentistas catalãs se foram progressivamente desenvolvendo (e crescendo) ao longo dos anos.
          Chegados ao ponto a partir do qual quaisquer mais cedências autonómicas à região catalã configurariam a quebra dos já ténues laços de solidaridade nacional que unem a Catalunha às restantes autonomias espanholas (através do governo nacional de Madrid), não restava outra solução ao governo da Generalitat do que constatar isto mesmo, declarando a indepenência da região do resto da Espanha. Só que a formalização duma relação cuja dinâmica conduzia precisamente a este desiderato, provocou uma convulsão politica semelhante a uma declaração de guerra, que se antevia mas que não se desejava.  Ao declarar que o regime autonómico consagrado na constituição espanhola de 1978 já não servia à Catalunha, o governo regional catalão, pela voz do seu presidente, declarou tambem a morte do regime democrático saido do "cambio" politico e social que se seguiu ao desaparecimento do ditador e que, evitando nova guerra civil, manteve a Espanha unida por mais 40 anos.
          Consciente destas consequencias, Puigmont apressou-se a acresentar no final da sua declaração publica que a independencia da Catalunha acabada de declarar ficaria suspensa, a fim de poder ser negociada com o governo central. Santa ingenuidade! Em que armas ou bagagens se apoiaria a Catalunha para negociar de igual para igual uma independência - é certo que desejada por alguns -  mas rejeitada pela maioria dos espanhois não catalães? Nos Mossos de Esquadra? Num simulacro de referendo realizado sem garantias de liberdade e de generalidade ou de observação isenta?  Tal declaração, por muito lógica ou esperada que tivesse sido, foi ilegitima e carente de oportunidade. Para ter algum valor, teria que ser apoiada formalmente pela maioria da população catalã em referendo legitimo e previamente negociada com o resto da Espanha, de modo a garantir a perenidade do regime democrático-constitucional espanhol que assenta precisamente num sistema autonómico, posto em causa pela declaração unilateral ilegitima da independencia duma das suas 17 autonomias. Por isso digo, e repito, que essa declaração unilateral de independência, além de ilegitima é contrária à democracia. A democracia espanhola não foi - como a portuguesa - resultado de um golpe de Estado que derrubou o governo e se instalou no poder pela força das armas. Resultou de negociações longas e trabalhosas, perturbadas constantemente por forças de extrema-esquerda e de extrema-direita que pressionaram o governo provisório de Adolfo Suarez na intenção de o desestabilizar, a fim de impedir a instauração do regime democrático na Espanha pós-franquista. A solução autonómica foi assim a forma mais expedita e inteligente de manter a Espanha unida democraticamente. Pôr a autonomia em causa é atentar contra o regime democrático. Tal como tentaram fazer há 40 anos os extremistas anti-Suarez.
          Olhemos com atenção e preocupação (como eles olharam para o nosso 25 de Abril) para o desfecho deste processo que está a ser conduzido pelo governo central com cautela e prudencia (até agora), mas nunca descartemos a possibilidade da situação descambar e acabarmos todos (nós incluidos) embrulhados uns nos outros. Afinal eles são espanhois e nós portugueses somos. E com espanhois nunca se sabe como a coisa acaba. Ou com assobios ou pela porta grande.

                    ALBINO  ZEFERINO                                                                  22/10/2017

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