segunda-feira, 14 de julho de 2014

AS PREMONIÇÕES CAETANISTAS


          Do seu exilio doloroso, Marcello Caetano escreveu há anos: "Em poucas décadas estaremos reduzidos à indigência, ou seja, à caridade de outras nações, pelo que é ridiculo continuar a falar de independência nacional. Para uma nação que estava a caminho de se transformar numa Suiça, o golpe de Estado foi o principio do fim. Resta o sol, o turismo e o servilismo de bandeja, a pobreza crónica e a emigração em massa. Veremos alçados ao Poder analfabetos, meninos mimados, escroques de toda a espécie que conhecemos de longa data. A maioria não servia para criados de quarto e chegam a presidentes de Câmara, deputados, administradores, ministros e até presidentes da Republica."

          Marcello Caetano foi um ilustre professor de Direito, insigne mestre de muitos dos nossos herois da democracia, da esquerda à direita do espectro politico portugues, que, naturalmente, assumiu o lugar proeminente ocupado por Salazar 40 anos antes, quando este foi obrigado, por razões de saude, a demitir-se de chefe do Governo de Portugal. Na altura vivia-se numa "democracia orgânica", eufemismo salazarista que escondia uma ditadura de luva branca, apenas não tolerada por extremistas comunistas e proto-comunistas, perseguidos regularmente pela policia politica do regime.

         A chegada de Caetano ao poder efectivo (tinha sido antes colaborador próximo de Salazar tendo ocupado lugares da maior relevância politica) trouxe para o anquilosado regime, instalado 40 anos antes através do golpe militar de 28 de maio de 1926, uma certa frescura, prenunciadora duma abertura politica a que alguns chamaram a "primavera marcelista". Só que essa primavera cedo se foi pelo medo de Marcello em enfrentar a resistencia salazarista enfeudada por detrás do presidente da Republica que, de fantoche de Salazar, se tornou em simbolo do salazarismo, já sem o ditador. A esperança que a "evolução na continuidade" trouxera a alguns dos críticos do regime dissipava-se como um fogo fátuo aos olhos da maioria dos portugueses, desejosos duma evolução do regime no sentido duma negociação equilibrada para o fim da guerra em África e duma democratização à europeia do regime politico portugues. Desta timidez resultou aquilo que Marcello tão bem soube definir anos depois, já no exilio brasileiro, mas do que não pode deixar de ser considerado como primeiro responsável. A revoluçao dos cravos rebentou por incapacidade do governo marcelista em reformar Portugal no sentido duma modernidade que Salazar e os seus sucessores espirituais não conseguiram compreender e que, pelo contário, não aceitaram e se prontificaram a combater. Ganharam a Marcello, mas perderam com os abrileiros. Só que as consequencias dessa vitória estão a ser pagas hoje pela geração seguinte.

                       ALBINO ZEFERINO                                    14/7/2014

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