domingo, 26 de abril de 2015

A DEMOCRACIA E OS SEUS LIMITES


          A democracia, como tudo na vida, é um conceito relativo. Relativo porque não é absoluto. Não há democracia absoluta, como nada na vida é absoluto. Nem a própria vida. Significa isto que o exercicio do poder pelo povo (através dos seus legitimos representantes) é relativo. Relativo em relação à forma e relativo em relação à matéria. O relativismo formal da democracia manifesta-se através da circunstância dele só poder ser exercido através dos partidos politicos. Quer isto dizer que é só dentro dos limites programáticos e pessoais que cada partido apresenta que as escolhas populares podem ser feitas. Mas tambem relativismo em relação à matéria. As escolhas só podem recair nas matérias que os partidos decidirem submeter ao veredicto popular.
          Ora as próximas eleições que vão ser propostas ao eleitorado portugues revestem este relativismo. Quer isto dizer que o povo portugues vai ser confrontado apenas com as opções governativas que os candidatos a próximos deputados configurem dentro dos partidos que os irão propor à eleição. E não a quaisquer outras. Significa assim que os portugueses só poderão exercer o seu direito de voto dentro dos limites, quer formais (só podem votar nos candidatos previamente escolhidos pelos partidos), quer materiais (só se podem pronunciar sobre as matérias programáticas que lhe sejam propostas pelos partidos) que os partidos politicos lhes apresentarem.
          Vem toda esta lenga-lenga a propósito daquilo que verdadeiramente será dado a escolher aos portugueses nas próximas eleições que aí vêm. Se uma mudança radical nos paradigmas governativos (p.ex. a instalação de um governo tipo Syrisa em Portugal, que conteste por sistema todo o edificio reformador proposto pela União europeia, dentro dos condicionalismos emanados dos tratados europeus); se apenas uma alteração de rumo nas decisões governativas, dentro dos limites impostos pelas instituições europeias (p.ex.de um governo defensor dum abrandamento da austeridade, mesmo que isso represente um atraso na recuperação económica do país); ou a manutenção da determinação governativa em ultrapassar o mais rapidamente possivel a crise economica, mesmo que isso represente a continuação da austeridade por mais uns tempos). Creio que as opções eleitorais que se vêm definindo se podem resumir a estas tres. Não antevejo outras.
          Eis pois o quadro em que se irão mover as próximas eleições legislativas, com as limitações e as margens de manobra que os diversos partidos em presença poderão contar. Quanto às eleições presidenciais que lhes sucederão, o panorama será outro. O Presidente da Republica tem sido sempre olhado pelos eleitores como o lídimo representante do povo portugues. Já contam menos, as suas origens politicas e as suas preferencias partidárias (a Constituição não lhe confere poderes executivos e mesmo os poderes moderadores que tem, tendem a passar para a Assembleia legislativa em próximas revisões constitucionais). O que se procura é alguém que defina o país em função duma época. Eanes representou o rescaldo feliz dos desvios comunizantes do 25 de Abril; Soares foi o bem sucedido regresso ao civilismo presidencial; Sampaio representou a intelectualização que o exercicio da mais alta função do Estado exige e Cavaco foi a consagração da vitória da regeneração (embora os seus méritos politicos tenham brilhado muito mais na presidencia do governo). Agora espera-se do novo presidente, além da necessária postura de Estado que deve trazer inata, uma cultura e sensatez indispensáveis a uma eficaz e tranquila moderação politica, bem como um toque de modernidade que as novas gerações exigem como matriz do novo Portugal a que ambicionam pertencer.

                                 ALBINO ZEFERINO                                   26/4/2015

sábado, 18 de abril de 2015

GREXIT


          Desde que os gregos manifestaram nas últimas eleições legislativas o seu desânimo face às politicas europeias aplicadas ao seu país votando maioritariamnete no partido extremista Syrisa cujo lider é hoje o PM grego, que se criou uma nova crise na UE resultante das diversas reacções que os europeus (e não só) apresentam relativamente ao futuro do euro, da sua zona e até da própria União europeia. A isto chamou-se mediaticamente Grexit, que significa Grecia exit, ou seja a Grécia tem que (ou vai) sair da UE. Não há dia onde as noticias mundiais não se refiram ao estado das pseudo-negociações que o actual governo diz manter com as autoridades europeias (nomeadamente com a comissão e com o governo alemão) sem que se tenha chegado a quaisquer conclusões para sair do impasse. Os europeus (sobretudo os alemães) não cedem na exigencia de impôr aos gregos a estabilidade orçamental e a redução da sua enorme divida publica através da implementação das reformas necessárias já anteriormente negociadas, enquanto que o novo governo grego - sempre afirmando publicamente a sua fé europeia - não quer desdizer o que prometeu na campanha eleitoral que seria a luta contra a austeridade imposta pela troika que estava a destruir o bem estar dos gregos e aumentando a depressão da Grécia.
          Não se pense porém que com o Grexit tudo se resolverá, a contento dos europeus (e do resto do mundo) e dos gregos (que passariam a fazer o que lhes passasse pela cabeça sem dar contas a ninguem). Pelo contrário. Uma hipotética saida da Grécia da zona do euro comprometeria todo o edificio monetário sobre o qual a UE assenta, tal como se um constructor resolvesse a meio duma obra retirar uma das fundações (ou sapatas como se diz em linguagem de empreiteiro) da casa em construcção. O resultado seria o imediato desabamento do que já estivesse erguido. Por essa simples e óbvia razão os tratados europeus não prevêm a saida de qualquer dos membros, quer da zona euro, quer da própria União. Se o Grexit não é possivel, o que fazer então?
          Chegados a um ponto de impasse - que creio ter sido atingido - haverá que apelar à responsabilidade das partes para as consequencias que uma negociação abortada poderá acarretar. Mais ou menos como acontecia antes na iminência duma declaração de guerra. À Europa não restará outra solução (e os alemães terão que aceitar isto) do que convencer os gregos a aceitar fazer as reformas mediante um tratamento de favor (ou seja, aplicável só a eles ou aos países que estejam na mesma situação) que sairá dos seus cofres. Aos gregos tambem não restará alternativa senão manter o governo do Syrisa continuando com a austeridade anterior ou então fazer novas eleições substituindo o governo do Syrisa por outro que faça as reformas necessárias. Ambos cedem e ambos avançam para o bem de todos. É isto o que está implicito nos tratados europeus e é isto o que a maioria dos europeus espera que aconteça.

                                   ALBINO ZEFERINO                            18/4/2015

segunda-feira, 13 de abril de 2015

O NOVO CICLO


          Com a chegada da Primavera iniciou-se o preâmbulo do novo ciclo politico que irá definir o Portugal dos próximos anos. É a despedida dos Cavacos, dos Passos e dos Portas, já que os Sócrates, os Guterres e os Barrosos há tempo que estão arrumados. Marcelos e Santanas ainda mexem, mas só até ao Verão. Depois de férias, outros galos cantarão. Um deles, mais apressado e talvez mais ousado, já saiu da capoeira. Refiro-me ao tal Nóvoa (que até já tem cognome, o Reitor) sob cuja candidatura vão dançar, xuxas, comunas e blogueiros, uns agarridinhos aos outros numa orgia de alegria enebriante e de bebedeira épica, sonhando com o novo Prec, que se adivinha após o duo eleitoral da época. Outros aparecerão, mas cedo passarão à história engolidos pela onda solidária que se formará atrás do nóvel Nóvoa que, aos ombros do trio dos velhotes Soares, Sampaio e Eanes, dará o tom aos novos amanhãs que cantam. Cá mais em baixo, sorrindo matreiramente, Costa exulta, pois sabe que, sem a sua iniciativa, nada se fará. E o que fará ele?
          Depois de unificado o partido, desmembrado pelas vergastadas dos inconformados seguristas (agora já todos costistas), o novo PM avançará sozinho, à Guterres, com apoios à esquerda (com quem à cautela fez acordos secretos) e à direita (agora com o amigo Rio a comandar o que ficou do PSD) e a única oposição do CDS (sob o comando de Pires de Lima, agora que Portas foi de sabática) empenhado em cescer à séria, ambicionando tornar-se no Front National portugues. Sempre com os olhos postos no Syrisa, Costa manobrará (nisso ele é mestre) para evitar os escolhos onde Tsirpas ia encalhando e, embalando na sua voz suave o pateta do Juncker, lá o irá convencer a mandar para cá os fundinhos com os quais vai "epâter le bourgeois" lusitano. Com o apoio aberto do bloco e a abstenção encapotada do PC e do PSD do amigo Rio, Costa aguentará o tempo que Nóvoa determinar, ou seja, até às eleições legislativas seguintes (2019). Até lá, enquanto o pau vai e vem, folgam as costas.

                                       ALBINO ZEFERINO                                            13/4/2015

terça-feira, 7 de abril de 2015

MANOEL DE OLIVEIRA, O PORTUGUES PORTUENSE


          Morreu o portugues que todos gostavamos de ter sido. Popular, artista, longevo e feliz. Manuel de seu nome e tripeiro de nascimento, Manoel de Oliveira foi o típico portugues da burguesia nortenha. Boémio na juventude, sem vocação definida a não ser perseguir as moçoilas do bairro, acabou agarrado a uma máquina de filmar. Fez um filme que o tornou conhecido no meio - Aniki Bóbó - e a seguir só fez disparates. Porém, como bom portugues que era (ainda por cima tripeiro), conseguiu, com lata e descontração natural, fazer passar os tristes documentários que ia fazendo ao sabor do imprevisto (a que ele chamava inspiração) como sendo obras primas do cinema portugues. Desde o "Douro faina litoral" ao "Benilde ou a Virgem Mãe", passando pelo "Non, ou a vã glória de mandar" e outras patacuadas, aproveitadas por espertalhões como o Paulo Branco para se promoverem a si próprios à custa da saloice nacional, lá foi deixando passar os anos agarrado à máquina, até que chegou aos 100. A partir daí já não foi preciso filmar mais. A sua existencia provecta bastava para lhe dar palco neste país de revista barata.
         As suas visitas bem organizadas a Cannes e a Veneza durante os habituais festivais de cinema trouxeram-lhe amizades úteis, como Malkovitch e Deneuve, que não se cansaram de enaltecer o génio do ancião lusitano. Depois foi a época dourada das Leonores Sliveiras e do netinho Trepa, que, sem grande vocação, bastava aparecerem ao lado do genial velhote para serem aplaudidos com ele pelos mamarrachos que protagonizavam juntos sob a batuta marota do "produtor" Branco.
         Já depois de morto, foi o amigo Malkovitch quem melhor o soube definir: um espertalhão jeitoso que soube bem explorar a ingenuidade saloia do povo que o aplaudia.
         Que repouse em Paz.


                                  ALBINO ZEFERINO                                                7/4/2015
         

segunda-feira, 6 de abril de 2015

RISKY BUSINESS


          António Costa ou não define nada ou, num repente, define tudo, arriscando muito tambem. A escolha de Sampaio da Nóvoa para candidato presidencial (agora já não há volta a dar-lhe) constituiu um risco enorme. Risco para a presumivel vitória do PS nas legislativas e risco de perder tambem as presidenciais. Mas, se acerta, a vitória será estrondosa. Mata de uma só vez Guterres, Sócrates, Vitorino, Seguro e Soares e todos aqueles que os acompanham e conservará o poder por muito tempo, pois a direita ficará num frangalho.
          Como bem definiu Marcelo na sua ultima charla televisiva, a escolha dum desconhecido, ilustre, educado e com boa presença, embora sem nenhuma experiencia politica, e ao mesmo tempo federador das esquerdas tradicionalmente desunidas, traz objectivamente ao PS a novidade da experiencia em Portugal duma frente de esquerda no governo. Só que, ao mesmo tempo que une os esquerdistas órfãos do marxismo, afasta os verdadeiros socialistas democráticos, arriscando-se a uma cisão mortal no PS. Caberá assim ao ambicioso secretário geral socialista a ciclópica tarefa de aguentar os socialistas sociais democráticos, europeístas e defensores do mercado livre, juntos com os neomarxistas, sindicalistas, reivindicativos e invejosos, no apoio a um governo de coligação á esquerda, com bloquistas e comunistas e a um candidato presidencial que os representa.
          À direita as coisas tornaram-se tambem mais claras. O penoso percurso para a necessária coligação eleitoral entre PSD e PP vai apressar-se e a própria escolha (será sempre informal) do candidato presidencial oficial da direita vai começar. Apostaria num desconhecido (género Sampaio da Nóvoa à direita) como poderia ser Leonor Beleza (se não estivesse sentada no maior tacho do país) ou (se não tivesse tido uma prestação parlamentar tão apagada), ou então (mudando de registo) Alberto João Jardim (se não tivesse tido uma derrota tão pesada na Madeira).
          Seja como for, de agora em diante e até ao fim dos dois periodos eleitorais quase coincidentes que nos esperam, vamos ter animação e frisson que baste. Só desejo que depois disso não caiamos pela escada abaixo como os gregos (depois da inconsciente eleição do Syrisa para mandar nos destinos do país) e deitemos a perder 4 anos de sacrificios e de penas a que fomos obrigados, por culpa precisamente dos nossos próprios syrisas.

                           ALBINO ZEFERINO                                                   6/4/2015