quarta-feira, 23 de abril de 2014

O SILOGISMO E A AUSTERIDADE


          Todos conhecemos René Descartes e o seu famoso silogismo. No seu tratado "O Discurso do Método", o criador da Teoria do Conhecimento -  base da filosofia moderna -  ensina que a partir de duas permissas se chega sempre a uma conclusão. É a base da famosa lógica cartesiana ou forma de raciocinio dedutivo. Exemplo: "Todo o ser pensante existe; eu penso, logo existo".
          Vem isto a propósito da tambem famosa "austeridade", conceito nascido politicamente há tres anos e que ligado a outro - a "troika" - tem sido o refrão com o qual, oposicionistas, oportunistas, vigaristas e outros recalcitrantes nos têm chateado a cabeça regularmente de cada vez que resolvem zurzir no governo. Estas pobres almas não conheceram seguramente o ilustre filósofo francês do séc. XVII nem a sua lógica cartesiana. Senão vejamos.
          O que a troika (e os nossos credores) pretendem é que os portugueses endireitem as suas finanças de modo a que possam pagar (ou ir pagando) as dívidas que contrairam. Para que isto aconteça têm que gastar menos do que gastavam antes, poupar mais do que poupavam antes e produzir mais do que produziam antes. Mas quanto menos e quanto mais? Isso é o que a troika nos vem dizendo. Reduzir as despesas onde mais se gasta e trabalhar mais e melhor do que antes. Nisto se resume a tal "austeridade".  Vamos agora fazer um silogismo com Descartes: Permissa 1: "Para endireitar as finanças há que gastar menos dinheiro"; Permissa 2: "Onde se gasta mais dinheiro é na saúde, na educação e na assistencia social"; Conclusão: "Há que gastar menos recursos na saúde, na educação e na assistencia social". Outro silogismo: " Sem os recursos consumidos antes não é possivel manter os níveis de serviço na saúde, na educação e na assistencia social; A saude, a educação e a assistencia social consomem demasiados recursos; Os níveis de serviço na saude, na educação e na assistencia social vão necessariamente baixar".
          Outro silogismo: "Para sair desta crise há que produzir mais e melhor; Para produzir mais e melhor há que trabalhar mais tempo e ganhar menos dinheiro; Não se sai da crise sem trabalhar mais tempo e sem ganhar menos dinheiro". Outro ainda: "Para acabar com o excesso de impostos (IRS, IVA, Selo, IA, IUC, etc.etc.) há que reduzir os gastos do Estado; o Estado gasta demais consigo próprio; Para reduzir os impostos o Estado tem que poupar nos seus gastos". E assim sucessivamente.
          Pois tem sido isto o que  troika nos tem vindo a dizer e que os portugueses dizem não compreender. A mim parece-me porem muito simples. Passei a pagar mais impostos, passei a receber menos pensão, passei a ter menos rendimentos e necessariamente baixei o meu nivel de vida. É só isto o que se pede aos portugueses que compreendam.

                               ALBINO ZEFERINO                                              23/4/2014
         

terça-feira, 22 de abril de 2014

OS 40 ANOS DO 25 DE ABRIL


          Prestes a cumprir 40 anos, a revolução do 25 de Abril de 1974 atingiu uma idade onde já é possivel fazer-lhe um balanço desapaixonado. Para que serviu? Que vantagens trouxe? Quem beneficiou com ela? Quem ficou prejudicado? O que acrescentou o 25 de abril à história de Portugal?
          Comecemos pelo principio. Lançada pelos tres D - democratização, descolonização e desenvolvimento - a ultima revolução da já longa história deste país trágico-cómico pretendeu acima de tudo terminar uma guerra sem fim, que se travava longe e sem hipóteses de ser vencida. Tinhamos entrado num impasse com os terroristas, donde dificilmente poderiamos sair sem custos.  A saida teria que ser negociada, isto é, politicamente motivada e dirigida.  Vendo que os politicos de então estavam divididos e pouco convencidos em abdicar dos principios que eles próprios consideravam vitais para a manutenção da independência de Portugal, os militares de abril resolveram rebelar-se e manifestar pelas armas o seu desacordo quanto à continuação da guerra. A adesão popular foi imediata e sem reservas (melhor dizendo, sem reflexão) pois imaginava-se que, acabada a guerra, tudo o resto continuaria como dantes. É isso o que todas as revoluções têm em comum. Imprevisibilidade nas suas consequencias.
          Ao fim da guerra no Ultramar (à qual a maioria dos jovens da época nunca aderira convictamente) os militares revoltosos juntaram a promessa da democratização do país. Desde há mais de 40 anos que Portugal vivia pacata e pobremente à sombra de um regime que tinha trazido ao país um pouco de sossego à confusão politica resultante dos primeiros anos da republica, mas à custa de alguma segregação social e económica que opunha as classes mais possidentes à maioria pobre dos restantes cidadãos. O regresso anunciado da democracia que a maioria do povo portugues nunca tinha experimentado, conferia às promessas dos militares uma novidade modernizadora, dificil de esconder nos corações angustiados da maioria dos portugueses de então. Para compor o ramalhete das promessas, os militares revoltosos juntaram-lhe o desenvolvimento. O desenvolvimento significava para a maioria das pessoas, modernidade, riqueza, mundanismo e acesso a certos bens de consumo, que naquela altura eram raros e caros. Tudo isto era apetecível a uma população maioritariamente ignorante, inculta e iletrada.
          Só que as promessas não foram cumpridas da forma que a maioria das pessoas esperava. O fim da guerra não trouxe nem glória nem fama. A democratização foi capturada à nascença pelos sectores mais radicais da revolução, que pretenderam pura e simplesmente substituir-se ao poder instalado sem fazer quaisquer concessões, não permitindo que a democracia se instalasse ordeira, progressivamente e sem distorções que a desvirtuam e o verdadeiro desenvolvimento nunca surgiu até hoje; eramos um país pobre e um país pobre continuamos a ser.
          As independências africanas resultaram na sua maioria em guerras civis fratricidas e o desenvolvimento dos novos países ainda está hoje longe de se considerar adquirido. Nalguns países (se não em todas as antigas colónias portuguesas) a vida das respectivas populações perdeu qualidade e as esperanças de que a independência trazia de novas oportunidades de desenvolvimento não se concretizou. A democracia formal de que Portugal e as suas antigas colónias juridicamente gozam não trouxeram aos respectivos povos as garantias de melhoria de vida que os revolucionários militares de abril tinham prometido. E o desenvolvimento tem sido incipiente, quer no Portugal europeu, quer nos novos países africanos de expressão portuguesa ou em Timor. A liberdade conquistada não serviu até hoje senão para a criação de lobbies e para a difusão de esquemas de corrupção em larga escala, comprometedores de um desenvolvimento equilibrado e progressivo que permita o exercicio do poder verdadeiramente democrático, próprio dos países mais desenvolvidos e progressivos do mundo, onde pretendemos incluir-nos.
          Poderemos dizer que a revolução que cumpre dentro de dias 40 anos de vida nos trouxe (e aos países que criamos) mais bem-estar e mais oportunidades do que aquelas que o regime caduco e sem futuro nos oferecia há 40 anos?  Será dificil responder positivamente a esta magna questão, mesmo que queiramos justificar um gesto inegavelmente corajoso e determinado, feito por meia-duzia de iluminados e aceite inconscientemente pela maioria da população descrente e cansada duma politica sem futuro e sem visão.

                                 ALBINO ZEFERINO                                  22/4/2014
         
         
   

sábado, 19 de abril de 2014

O BLOCO CENTRAL


          Se duvidas houvesse sobre a vontade maioritária do povo portugues sobre quem deseja que governe este pobre país intervencionado (com ou sem troika à vista), a recente sondagem da Universidade Católica é reveladora. PS e PSD juntos ficam perto da maioria qualificada necessária para modificar a Constituição politica feita no tempos do PREC e que só a matarruanice lusa não tem permitido que se actualize.
          A quase certa vitória socialista nas próximas eleições europeias determinará uma viragem à esquerda no Parlamento europeu, atirando o seu dinamico presidente para chefe da Comissão europeia e proporcionando ali tambem uma guinada à esquerda na gestão da Europa.  Tudo isto aliado à já visivel recuperação da economia portuguesa vai certamente proporcionar uma maior estabilidade politica e social em Portugal.
          Falta porém ainda desmontar a crispação com que os actuais lideres do PSD e do PS se encaram mutuamente como se de ferozes inimigos se tratassem, transferindo para os respectivos seguidores e apoiantes uma animosidade inexistente entre as hostes socialistas e social-democratas, que não só é preversa como contraproducente.
          Efectivamente, ambos partidos concordam no essencial (forma de governo, europeismo, liberdades fundamentais, construcção europeia, cooperação internacional, nacional e regional, etc.etc.) apenas divergindo entre uma maior ou menor intervenção estatal na economia. Não têm assim qualquer fundamento (a não ser eleitoralista) as divergencias abertas com que Passos e Seguro se apresentam aos portugueses, defendendo as suas damas como se de uma luta fratricida se tratasse.
          Creio que, uma vez realizadas as eleições europeias no próximo mes, será altura para enterrar os machados de guerra e não prolongar por mais um ano (tempo marcado por Cavaco para consultar de novo a população, nessa altura para a eleição dos deputados portugueses) as guerrinhas entre PS e PSD, nem que para isso tenham que ser dispensados os respectivos chefes de tribo. Seria útil que os dois maiores partidos portugueses tomassem juizo e se entendessem de facto no essencial dando mostras aos portugueses, à Europa e ao mundo que algo aprenderam com a intervenção da troika e com a confiança que os credores têm demonstrado na recuperação de Portugal duma crise inédita e profunda que abalou a Europa e o mundo.

                                    ALBINO ZEFERINO                                19/4/2014
         

sábado, 12 de abril de 2014

A PLATAFORMA MARITIMA PORTUGUESA


          Desde sempre que os portugueses procuraram algo onde agarrar-se para pendurar a endémica dependencia em que nasceram. Está-lhes na massa do sangue como soi dizer-se. São um povo colectivista no mau sentido, ou seja, não têm iniciativa individual para avançar, precisando sempre de algo ou de alguem que os anime a moverem-se. Tal como os jumentos, que se não fosse o chicote do dono ficariam placidamente esperando inputs (como hoje se diz), marchando pachorrentemente em redor da nora.
          Se bem atentarmos, veremos que não existem portugueses que se tenham distinguido por feitos ou descobertas individuais. Há os chefes militares, os lideres politicos e as equipas vencedoras. Não há prémios Nobel, nem empreendedores excepcionais, nem compositores famosos ou escritores de excepção (vá lá o Pessoa, mas que não era sequer completamente portugues). E se atentarmos ainda melhor, verificamos que mesmo esses que se distinguiram por mandar ou ter influencia nos outros, fizeram-no sempre dependentes ou mancomundados por estrangeiros. O caso actual é paradigmatico. Passos Coelho ficou intimamente ligado a Merkel e aos alemães, que lhe deram a força necessária para desencadear as reformas (modestissimas) que empreendeu.
          Agora que vão ficar sem a "protecção" da troika (desculpa para as aleivosias governamentais contra os interesses instalados) os portugas começaram à procura do seu novo D. Sebastião. À falta de melhor, "descobriram" uma coisa que sempre lá esteve, quietinha e sossegada, que é o Mar. Ele é o surf e as ondas da Nazaré, é os paquetes carregados de turistas que desembarcam por escassas horas no Terreiro do Paço a tempo de um cafezinho no Martinho da Arcada, é as férias no Algarve entalados como sardinhas em lata nos aldeamentos turisticos manhosos, é a Foz do Douro e a praia do Moledo, fria como ó caraças, é a Caparica e as bichas na ponte, são as praias desertas e desprotegidas da costa alentejana, etc.etc.
          Mas parece que o mar é mais do que isto. Dizem alguns com estudos que a nossa plataforma continental (contando com os Açores e com a Madeira e sobretudo com as ilhas Selvagens, que ninguem lá mora), cobre quase metade do oceano atlantico, o que aumenta o território nacional dez vezes mais. Reconhecida a soberania portuguesa sobre essa área aquática, passariamos a ser de longe o mais extenso país europeu.  Mas a questão é precisamente essa mesmo. Quererão os outros países do mundo (a questão está há anos para decisão no Conselho de Segurança da ONU) deixar a Portugal sózinho a responsabilidade na administração de tão vasta área? Não me parece. Pois se nós não conseguimos administrar capazmente este jardinzinho à beira-mar plantado, como teremos capacidade para explorar, fiscalizar, gerir, investigar, negociar, implementar ou até comerciar, as enormes riquezas que se adivinham nesta área descomunal e profunda do universo?
          Tal como com os territórios descobertos nos séculos XV e XVI e depois com as colónias nos séculos XIX e XX, os nossos "amigos" (vizinhos e credores) sempre nos quiseram "ajudar" a gerir aquele império descomunal para o nosso tamanho e para as nossas capacidades. De novo reduzidos a este quadradinho engraçado no extremo suroeste da Europa, receio que os nossos "amigos" apenas aguardem que os ânimos universais arrefeçam para (como antes fizeram) dividir ou destinar a concessão de tão vastas áreas de riquezas desconhecidas. Para Portugal ficará (se algo sobrar da partilha) a pesca nas 12 milhas da ordem e a livre circulação maritima por uma área que figurará como pertencente formalmente aos portugueses.
          Não nos esqueçamos nunca do ultimato ingles de 1890. Se D. Carlos não tivesse recuado, os bifes tinham disparado mesmo.

                                           ALBINO ZEFERINO                                     12/4/2014
       

terça-feira, 8 de abril de 2014

REFORMA DO ESTADO. SUA GÉNESE.


                    Para se poder falar em reforma do Estado tem primeiro que se definir o que se entende por reforma e o que se entende por Estado. Depois disso esclarecido, então poderemos averiguar como e em que condições poderemos reformar aquilo que definimos previamente como Estado. E acreditem os meus leitores que nem um nem outro destes conceitos são entendidos da mesma forma por toda a gente. Daí a dificuldade em reformar o Estado em Portugal.
                    Reforma é uma modificação na forma ou no modo de ser de qualquer coisa (para melhor, entenda-se, senão não valerá a pena reformar). Para se iniciar uma reforma é necessário que se conclua que ela é necessária. Caso contrário, o inicio duma reforma não consensual será um exercicio, não só inutil, como contraproducente, ou seja fonte de atritos escusados. 
                    Aceite a necessidade de reformar o Estado, teremos que definir o que é o Estado que se pretende reformar. Tambem aqui as opiniões divergem. Para uns, Estado é uma entidade abstracta, um mal necessário (como por exemplo, um vizinho indesejado ou uma fatalidade intransponivel) que separa os bons (nós e os nossos amigos) dos maus (os que nos exploram e que desejamos ver pelas costas). Para estes, a reforma do Estado consistirá numa redução ou num enfraquecimento do poder do Estado, que se consubstancia no famoso principio, muito querido dos liberais do séc.XIX,  de que " menos Estado equivale a melhor Estado". Para estes, o Estado deve apenas assegurar os serviços minimos da população de forma a evitar a anarquia. Reformar o Estado, para quem assim pensa, será reduzir-lhe a capacidade e a área de intervenção. 
                    Para outros, pelo contrário, quanto maior for a intervenção do Estado na sociedade, melhor esta se organiza e maior protecção social proporciona aos seus cidadãos. Para quem assim pensa, reformar o Estado é atribuir-lhe cada vez mais meios (humanos, financeiros, politicos, etc.) para o desempenho das suas funções, que tudo açambarcam (como dantes acontecia nos regimes comunistas) chegando ao absurdo de controlar as actividades individuais em beneficio do colectivo. Era o famoso principio marxista da prioridade do interesse colectivo sobre o individual. Quem definia essas prioridades eram os ditadores representantes (?) do proletariado. Viu-se felizmente como tudo isso se desmoronou. 
                    Quando hoje em Portugal se fala na necessidade de reformar o Estado, subentende-se que a forma como ele tem sido gerido não produziu os resultados que se esperavam. E tanto assim foi que houve necessidade de pedir auxilio ao exterior para sobreviver. Agora que a ajuda está a acabar, voltam as aves de mau agoiro afirmando que se reformou demais e que há que voltar atrás e repor as situações que deram origem ao desastre que originou o pedido de ajuda externa. Acabar com os cortes salariais, aumentar o salário minimo, repor os tribunais que se eliminaram e reabrir os hospitais e as escolas que fecharam. Em suma, voltar ao défice orçamental crónico, fazendo tábua rasa daquilo a que nos comprometemos.
                    Eu atrever-me -ia a dizer precisamente o contrário. O que o governo portugues terá que fazer (este e o próximo) é continuar o processo reformador com denodo e aplicação, sem hesitações nem sobressaltos politicos (ora vota sim, ora vota não), tentando aproximar as instituições portuguesas das suas congéneres europeias mais avançadas, a fim de poder assim contribuir para uma integração harmoniosa e progressiva das Nações e dos povos europeus numa entidade supranacional forte e respeitada, que se consiga impor aos novos gigantes mundiais que despontam e não regressar ao passado do "orgulhosamente sós" ou do "mais vale só do que mal acompanhado", que só nos trouxeram desgraças e misérias. Sejamos crescidinhos pois já temos idade (quase 900 anos) para ter (e sobretudo mostrar) juizo.

                         ALBINO ZEFERINO                                  8/4/2014 
                    

quinta-feira, 3 de abril de 2014

CARTA DE BERLIM


          Levado pela onda germânica que engole hoje a Europa, resolvi revisitar, na companhia de amigos, a capital daquilo a que hoje chamam a Europa comunitária e que afinal pouco tem a ver conosco, latinos empedrenidos poupados às desgraças das guerras europeias. Porque Berlim é de facto o estaleiro daquilo que a Europa pretende ser: uma montra de modernidade assente nas ruinas de um passado conflituoso e destruidor.
          Por todo o lado se vê e sente o passado. Desde as linhas demarcadoras no solo do que foi o vergonhoso muro de Berlim, às ruinas bem conservadas dos bombardeamentos aéreos (maioritariamente provocados pelos americanos durante a 2ª grande guerra), passando pelos vários memoriais que, como pedidos de desculpa colectiva, são exibidos ad nauseam pela cidade (memorial ao Holocausto no Potsdamerplatz, memorial ao soldado soviético em frente ao Reichstag em pleno Tiergaten, museus do Check-point Charlie na Friedrichstrasse e do Terror nazi na antiga Prinz Albert strasse, onde ainda paira a sombra da Gestapo, restos do campo de concentração de Sachsenhausen a poucos Kms de Berlim, etc.etc.) tudo faz lembrar as enormes provações por que passou Berlim no ultimo século.
          A tudo isto se juntam mostras esmagadoras de um progressismo novo-rico (o feérico centro Sony na Alexanderplatz, onde antes da queda do muro se viam apenas escassos passantes tristes iluminados pela luz difusa de um par de candeeiros de petróleo ou a prodigiosa obra de sir Norman Foster no Reichstag que transformou umas ruinas de 70 anos num esplendoroso local moderno e funcional onde são decididas as grandes questões que afectam mais de 80 milhões de alemães e subsidiariamente mais de 500 milhões de europeus, por exemplo) que conferem à capital federal a caracteristica que a distingue das outras capitais europeias: o renascimento.
          Porque de renascimento se trata. A construção europeia não é mais do que um renascimento das cinzas em que ficou a Europa desde o final da aventura hitleriana. E Berlim é a prova dissso mesmo. Cidade mártir, dividida, esmagada, destruida e vilipendiada, está-se transformando naquilo que a Europa quer ser. Centro do mundo civilizado, capaz de ombrear com os novos falcões asiáticos, não só em grandiosidade arquitectónica e urbanistica, mas tambem na área cultural e ludica. Por todo o lado são oferecidos concertos de musica séria (a filarmónica de Berlim compete com a sinfónica na apresentação de peças únicas e os principais chefes de orquestra mundiais disputam entre si a primazia). Os espectáculos populares são continuos e a cidade atrai diariamente milhares de visitantes do mundo inteiro. Os museus estão cheios e os hoteis tambem.
          Falta porem completar o processo integracionista. Os antigos alemães da zona Leste (denominados desprezivelmente "ossies") ainda se distinguem dos chamados ocidentais, pela sua rudeza no trato, pela pobreza da sua apresentação e até pela sua pronuncia antiquada. Os seus níveis de vida são distintos. Muito ainda há a fazer, tal como na UE. Não queiramos apressar aquilo que deve ser construido com cuidado e com o tempo necessário para que fique bem feito. Para trás é que já não é possivel andar, nem desejável.

                                               ALBINO ZEFERINO             (de visita a Berlim)    3/4/2014