quinta-feira, 3 de abril de 2014

CARTA DE BERLIM


          Levado pela onda germânica que engole hoje a Europa, resolvi revisitar, na companhia de amigos, a capital daquilo a que hoje chamam a Europa comunitária e que afinal pouco tem a ver conosco, latinos empedrenidos poupados às desgraças das guerras europeias. Porque Berlim é de facto o estaleiro daquilo que a Europa pretende ser: uma montra de modernidade assente nas ruinas de um passado conflituoso e destruidor.
          Por todo o lado se vê e sente o passado. Desde as linhas demarcadoras no solo do que foi o vergonhoso muro de Berlim, às ruinas bem conservadas dos bombardeamentos aéreos (maioritariamente provocados pelos americanos durante a 2ª grande guerra), passando pelos vários memoriais que, como pedidos de desculpa colectiva, são exibidos ad nauseam pela cidade (memorial ao Holocausto no Potsdamerplatz, memorial ao soldado soviético em frente ao Reichstag em pleno Tiergaten, museus do Check-point Charlie na Friedrichstrasse e do Terror nazi na antiga Prinz Albert strasse, onde ainda paira a sombra da Gestapo, restos do campo de concentração de Sachsenhausen a poucos Kms de Berlim, etc.etc.) tudo faz lembrar as enormes provações por que passou Berlim no ultimo século.
          A tudo isto se juntam mostras esmagadoras de um progressismo novo-rico (o feérico centro Sony na Alexanderplatz, onde antes da queda do muro se viam apenas escassos passantes tristes iluminados pela luz difusa de um par de candeeiros de petróleo ou a prodigiosa obra de sir Norman Foster no Reichstag que transformou umas ruinas de 70 anos num esplendoroso local moderno e funcional onde são decididas as grandes questões que afectam mais de 80 milhões de alemães e subsidiariamente mais de 500 milhões de europeus, por exemplo) que conferem à capital federal a caracteristica que a distingue das outras capitais europeias: o renascimento.
          Porque de renascimento se trata. A construção europeia não é mais do que um renascimento das cinzas em que ficou a Europa desde o final da aventura hitleriana. E Berlim é a prova dissso mesmo. Cidade mártir, dividida, esmagada, destruida e vilipendiada, está-se transformando naquilo que a Europa quer ser. Centro do mundo civilizado, capaz de ombrear com os novos falcões asiáticos, não só em grandiosidade arquitectónica e urbanistica, mas tambem na área cultural e ludica. Por todo o lado são oferecidos concertos de musica séria (a filarmónica de Berlim compete com a sinfónica na apresentação de peças únicas e os principais chefes de orquestra mundiais disputam entre si a primazia). Os espectáculos populares são continuos e a cidade atrai diariamente milhares de visitantes do mundo inteiro. Os museus estão cheios e os hoteis tambem.
          Falta porem completar o processo integracionista. Os antigos alemães da zona Leste (denominados desprezivelmente "ossies") ainda se distinguem dos chamados ocidentais, pela sua rudeza no trato, pela pobreza da sua apresentação e até pela sua pronuncia antiquada. Os seus níveis de vida são distintos. Muito ainda há a fazer, tal como na UE. Não queiramos apressar aquilo que deve ser construido com cuidado e com o tempo necessário para que fique bem feito. Para trás é que já não é possivel andar, nem desejável.

                                               ALBINO ZEFERINO             (de visita a Berlim)    3/4/2014  

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