domingo, 11 de maio de 2014

O LOGRO DOS REFERENDOS UCRANIANOS OU OS LIMITES DA DEMOCRACIA DIRECTA


                    Conhecidos os resultados dos referendos realizados no passado fim de semana em Donetz e noutras regiões autónomas ucranianas que se reclamavam favoráveis à integração na Russia, verifica-se que a consulta popular desligada da lógica eleitoral constitucionalmente estabelecida não passa de uma forma de iludir a vontade popular, cuja legitimidade só deve manifestar-se através de eleições de natureza geral e realizadas dentro duma periodicidade constitucionalmente estabelecida.
                   Consultar o povo sempre e quando pareça a um qualquer grupo contestatário que determinada situação deve ser alterada revela-se perigoso e até contraproducente com os principios democráticos, pois desvirtua o conceito do sufrágio universal e distorce a manifestação da vontade colectiva. Perguntar aos que contestam (e só a eles) se concordam com a situação contestada ou inquirir os queixosos (e só estes) sobre a legitimidade das respectivas queixas é partir vencedor para uma corrida ainda antes da partida. Este tipo de procedimentos caracteriza as sociedades anti-democráticas que fingindo utilizar processos democráticos atingem os seus objectivos politicos duma forma não democrática. Exemplos do que digo foi a época salazarista em Portugal, é o que se passa ainda hoje em muitos países africanos e asiáticos e caracterizou o período marxista-leninista na Europa do Leste no pós-guerra. Faziam-se eleições quando calhava ao governo, apenas eram admitidos ao sufrágio aqueles que concordavam com o governo e o acto eleitoral era monitorizado por agentes do governo.
                   Para melhor compreender o que aqui quero deixar expresso, façamos um suponhamos. Suponhamos que o governo regional da Madeira pretendia que o território se separasse de Portugal. Era convocado um referendo local para o efeito que obteria 99,9% de sins. O arquipélago ficaria independente de Portugal, mas como não tem condições de subsistir isoladamente, era imediatamente anexado pelas Canárias passando a fazer parte da Espanha. Seria isto o que os madeirenses quereriam?
                   A utilização dos referendos para apuramento da vontade popular fora duma contextualização muito precisa e constitucionalmente regulamentada é não só anti-democrática como é ilegitima, por distorcer precisamente aquilo que se pretende clarificar. Não tenhamos ilusões. Putin estabeleceu uma estratégia para desestabilizar a Ucrânia de forma a impedir que a UE e a NATO se instalem às portas da Russia. É a partir daqui que há que negociar. Os americanos já perceberam isso. Os europeus fingem não ter percebido.

                                  ALBINO ZEFERINO                                12/05/2014

Sem comentários:

Enviar um comentário