sexta-feira, 21 de novembro de 2014
OS REACCIONÁRIOS
Antigamente eram chamados reaccionários aqueles que reagiam à mudança. E o que era a mudança? A mudança era tudo aquilo que se apresentasse como novo, coisa nova, nova experiência, melhoria na situação dos mais desfavorecidos, progressismo nas ideias e nos actos. É claro que para os abastados (ou burgueses como tambem se lhes chamava) tudo aquilo que representasse mudança no status quo representava um risco para a situação dos burgueses. Risco de perderem os seus privilégios de classe (isenções de obrigações, ordenados chorudos, mordomias injustificadas, poderes pequeninos, etc. etc.), risco de perderem o seu dinheiro (nacionalizações das suas empresas e dos seus bens, pressões dos sindicatos, greves reivindicativas, manifestações publicas, exigencias salariais dos trabalhadores, etc. etc) e risco de perderem o seu estatuto (profissional, social e até económico). De tudo isto se viu logo a seguir à revolução de Abril, com as perseguições pessoais, as prisões arbitrarias, as nacionalizações selvagens e os roubos tolerados. Mas tambem em período democrático continuou-se a distinguir os bons dos maus (conforme a prespectiva de onde se observasse) entre os que tinham (dinheiro, poder, autoridade) e os que não tinham (os pobres, submissos e obedientes). Para os possidentes (seriam reaccionários) convinha-lhes que nada mudasse e que tudo ficasse na mesma. Para os possidónios (os amantes do progresso) tudo o que representasse mudança trazia-lhes esperança de melhores dias.
Tudo isto foi posto em causa com a maldita crise que trouxe austeridade para todos (ricos, pobres, poderosos ou insignificantes) quando todos se começaram a aperceber de que o futuro (que lhes tinha sido apresentado como risonho e cantado) seria negro e sem fim à vista. A partir do momento em que se generalizou a convicção que o status quo estava a mudar, os ricos passaram a recear que nada fazer não lhes garantia a manutenção do seu estatuto e os pobres começaram a perder as esperanças de melhorias das suas situações através dos mecanismos próprios da democracia. Estas convicções foram o rastilho necessário para que a grande confusão se instalasse nos espíritos da malta e que surgissem verdadeiras manifestações de desespero no seio dos mais recalcitrantes. Refiro-me à contestação aberta às medidas regeneradoras do governo por parte de antigos governantes e responsáveis por anteriores governos tão ou mais culpados do que o actual pela situação miserável a que chegamos, e à confusão ideológica da chamada esquerda que não sabe para onde ir, nem como proceder diferentemente quando lá chegar. Tambem são reflexos desta enorme confusão que paira nos espíritos fechados dos portugueses de hoje, o aumento generalizado e a forma escandalosa como a corrupção se pratica a todos os níveis da sociedade portuguesa. Já não é a simples cunha ou distorsão à lei que outrora fazia demitir ministros e expulsar responsáveis das suas funções, é a impunidade em que hoje ficam os verdadeiros gangsters que saquearam fortunas alheias e prejudicaram os seus concidadãos por várias gerações. A moralidade está em crise e a justiça tambem.
Natural é assim que os mais oportunistas (ou aproveitadores de oportunidades como se queira chamá-los) comecem a pensar em alternativas. Não apenas em alternativas aos governos instalados ou a instalar, mas mais em alternativas ao status quo. Status quo que aqui significa democracia representativa. Contesta-se abertamente a representatividade dos deputados, contesta-se igualmente a legitimidade do pagamento da divida externa, contesta-se a legitimidade dos governos e da autoridade em geral, contesta-se tudo aquilo que nos obrigue a mais sacrificios. A situação de confusão a que se chegou já não se compadece com simples mudanças de governos, de caras ou até de orientações. O que a malta quer é mudança de status quo. Mas como? Através de quê? Com que meios? Será possivel de um só golpe voltar atrás, fazer de conta que não devemos nada a ninguem, arranjar emprego para os desempregados, futuro para os jovens e bem-estar para a horda de desvalidos que consome os cofres do Estado com os seus subsidios e apoios à mendicidade? Não creio.
É neste contexto de mudança que começam a surgir por todo o lado (em Portugal ainda não) tentativas politicas que, a coberto de populismos e demagogias perigosos, se apresentam ao eleitorado como os salvadores do mundo em crise e profetas duma nova forma de gerir a coisa publica. É o caso do Syrisa de Tsirpas na Grécia, do Podemos de Iglésias em Espanha, do Cinco Estrelas de Beppe Grillo em Itália, do Partido Pirata na Suécia e do Die Linke na Alemanha (que vai entrar no governo da Turíngia). Tudo malta reivindicativa e esquerdófila. Não será isto o principio do fim da União Eurpeia como nós a conhecemos e a estudamos? Pela direita, em França, o Front National de Le Pen já vai mais adiantado e aspira a uma vitória esmagadora nas próximas eleições, enquanto que o perigoso UKIP de Nigel Farage, no Reino Unido, ameaça Cameron e sobretudo a Europa unida. Não será altura para que os novos responsáveis comunitários (e sobretudo os governantes alemães e franceses) aproveitem estas ameaças ao projecto europeu e duma vez por todas se lancem numa verdadeira união de Estados capaz de fazer frente a estas ameaças e de sobretudo trazer aos cidadãos europeus a esperança de que melhores dias vão chegar. Assim seja para todos e sobretudo para nós.
ALBINO ZEFERINO 21/11/2014
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