domingo, 4 de dezembro de 2016
AS DUAS EUROPAS
Nesta fase do processo unificador europeu iniciado há 60 anos atrás, pode dizer-se que estamos face a duas Europas distintas. A Europa do euro, que se revê na moeda unica e no mercado unificado, defensora da integração económica e politica dos povos europeus que o desejem, e a Europa dependente, que subsiste graças ao quantitative easing de Draghi e à paciencia de Job de Merkel, ameaçada de evicção pelos seus, pela sua polémica politica de acolhimento de refugiados extra-europeus.
Portugal, em boa verdade, pertence aos dois lados desta equação diabólica. Diabólica porque ainda não terminou o seu instável percurso e portanto ainda não se sabe como acabará este caminho cheio de escolhos e de surpresas, a próxima sendo o resultado, quer do referendo constitucional italiano, quer a repetida eleição presidencial austriaca, ambos a decorrer as I write. Portugal sobrevive graças à sua providencial pertença ao clube dos ricos (sendo pobre) e à sua proverbial estabilidade politica (apesar de estar a ser governada por uma Frente Popular).
A Europa defensora da UE é a Europa alemã, a Europa que outrora pertenceu ao Terceiro Reich e que se desintegrará (como ele se desintegrou em 1945) caso a UE acabe. A outra é a Europa velha, a Europa das Nações, outrora liderada alternadamente, quer pela França, quer pelo Reino Unido, que pensa poder subsistir após a desintegração da UE e ressuscitar dos seus escombros. A primeira Europa (a do euro) subsiste graças à moeda unica e às politicas monetárias do Banco Central Europeu, enquanto que a segunda Europa se desfaz em referendos e em contradições, tentando aguentar a soberania perdida e julgando assim poder subsistir sem a outra.
A recente eleição do presidente norte-americano para os próximos quatro anos veio desestabilizar ainda mais (se possivel) esta titubeante caminhada em direcção a uma Europa verdadeiramente unida e forte como sonhavam os fundadores das Comunidades europeias de antanho. Não interessando aos EUA um desmantelamento completo do mercado unico europeu com o qual desejam negociar (não com o TTIP, mas à sua maneira), convirá mais aos americanos enfrentar uma UE dividida e em crise do que uma organização una e forte, capaz de bater o pé às fantasias yanquies. Por isso apoiam o Brexit, por isso rejubilam com o crescimento dos governos extremistas na Europa e por isso ameaçam os países europeus com um desaceleramento da NATO.
Creio infelizmente que os próximos tempos sejam de expectativa (senão mesmo de crise aberta) não só quanto ao futuro da União europeia, mas tambem no que toca ao indispensável relacionamento da Europa (como um todo) com os EUA, ligados por ineresses mútuos da maior importancia politica, economica e estratégica. A forma como as relações entre a Russia meio-europeia e os EUA se desenvolverão com esta nova Administração norte-americana serão vitais para o desenvolvimento da UE e dos seus Estados Membros, neste mundo cada vez mais globalizado e por isso mais dependente dos relacionamentos dos países e dos grupos de países entre si. O que será do futuro da UE, o que acontecerá com a NATO, de que forma evoluirão as relações entre os EUA e a Russia, como reagirá a China e os restantes países asiáticos, como se desenvolverá a América latina nesta nova época pós-Fidel? Tudo isto são incógnitas que o governo portugues (seja qual for a sua composição) não deverá ignorar, pois Portugal é membro da UE e da NATO, tem relações especiais com a América Latina e agora depende cada vez mais da China.
ALBINO ZEFERINO (correspondente diplomático aposentado) 4/12/2016
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