sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

A GERINGONÇA


          Fala-se hoje muito em geringonça mas a maioria das pessoas não sabe exactamente o que o vocábulo significa. Segundo o dicionário Verbo, geringonça é uma linguagem obscura só acessivel a alguns e que, em calão ou na giria, pode tambem significar um objecto mal feito que ameaça partir-se ou desfazer-se, ou ainda um aparelho ou maquina considerada complicada. O politico que inventou o termo aplicando-o ao actual governo, quis certamente fazer graça com a originalidade do arrojo do lider socialista que, derrotado nas ultimas eleições, aproveitou a fresta constitucional da lei fundamental para se associar aos partidos da extrema esquerda ansiosos por empurrar o direitista Passos para fora do poder, criando assim uma verdadeira frente popular que tem vindo a governar Portugal, contra tudo e contra todos, já há mais de um ano (tudo, são os compromissos institucionais de Portugal e todos, são a maioria das pessoas que não votaram nesta solução governativa).
          Só a enorme resignação que caracteriza o povo portugues, e que por vezes se traduz na apagada qualificação de povo de brandos costumes, é que tem permitido a aparente normalização duma situação politica, que aparentemente não teria condições de vingar em qualquer outro sitio mas que em Portugal ainda resiste, ao fim de mais de um ano de experiencia titubeante. Os sinais vindos da Europa são cada vez mais prementes (ameaças de sanções económicas em forma de multas, desinvestimento estrangeiro macisso, fuga assustadora de capitais para o estrangeiro inutilizando os esforços laboriosos do anterior governo para fazer regressar voluntariamente os capitais expatriados alguns há mais de 40 anos, acentuação do fluxo emigratório de jovens qualificados, etc. etc.) mas, aparentemente sem explicação (alguns falam em milagre), a geringonça lá vai fazendo o seu titubeante caminho, não se sabendo porem para onde exactamente quer ir. Sair da UE como os britanicos e juntar-se aos chineses, agora que angolanos e cubanos estão em crise de identidade ideológica? Ou deixar que nuestros hermanos, entusiasmados com a recepção popular que o seu jovem rei teve recentemente em Portugal, embalado pelos actos de prestigisditação do nosso Marcelo, avancem de vez para cá vingando-se de 1640, a pretexto de salvar a banca portuguesa da falência generalizada em que os nossos competentes e impolutos banqueiros deixaram os bancos nacionais?
          Mas haverá mesmo milagre, ou terá que se encontrar uma explicação mais palpável? Para mim, o que aconteceu foi uma coincidencia perversa (tal como nas chamadas tempestades perfeitas) para a qual nem Nosso Senhor, nem qualquer Santo, teve influencia. A reversão das medidas de austeridade tomadas pelo governo da troika empreendidas pela geringonça, aumentando salários e benesses aos empobrecidos lusitanos, acompanhadas pelos indices económicos favoráveis resultantes dessa mesma austeridade, criou uma ilusão de prosperidade em Portugal, de que o governo tem aproveitado para justificar a excelência da sua opção governativa. Nem a austeridade produz resultados imediatos, nem a reversão dela conduz imediatamente à eliminação dos seus custos. Nesta coincidencia temporal dos efeitos de medidas antagónicas tomadas por governos antagóncos reside o facto do povo estar mais solto e de, ao mesmo tempo, ainda não se verificarem as consequencias perversas dessa reversão. Mas o ano que vai entrar será testemunha da tempestade que se avizinha. Durante o próximo ano começarão a ser evidentes os estragos que a reversão de 4 anos de austeridade vão provocar na economia. E nessa altura veremos como a geringonça se irá aguentar. Sinais preocupantes para a aparente estabilidade da geringonça já começaram a despontar. A decisão sobre o aumento do salário minimo à custa do abaixamento da TSU e a vontade em acabar com a precariedade no emprego são prenuncio de grandes discussões no seio dos partidos da geringonça. Não poderá haver aumento de salários sem aumento da produtividade nas empresas e não há diminuição do desemprego acabando com a precariedade laboral. Não se pode ter chuva no nabal e sol na eira ao mesmo tempo.
         Para que Portugal possa enfrentar os desafios que se adivinham para o próximo ano há necessidade de estabilidade governativa. Não será dividindo os portugueses em adeptos do mercado unico e em defensores à outrance do Estado social que conseguiremos progredir e manter os niveis de desenvolvimento que a pertença a uma sociedade desenvolvida exigem. As negociações para a saida ordenada do Reino Unido da União europeia que ditarão as regras pelas quais a futura UE se vai reger no futuro, a radical mudança de paradigmas que a eleição do novo presidente norte-americano vai trazer ao mundo, a generalização do terrorismo à escala global e a politica comum quanto aos refugiados serão, a meu ver, os grandes desafios que o mundo vai enfrentar em 2017. A UE não acabará com o Brexit. Vai sim refundar-se. E para estarmos nessa refundação teremos que arrumar a casa primeiro. Talvez tenha sido para falarem disto que Marcelo e Passos almoçaram ontem a sós.

                           ALBINO  ZEFERINO                                                 30/12/2016
         
         
         

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