terça-feira, 27 de março de 2012

A DESCENTRALIZAÇÃO E O MUNICIPALISMO

A génese do municipalismo reside no reconhecimento
de que o poder autárquico quando exercido dentro dos seus limites e
competências é mais eficiente e racional do que o poder central no que
toca à satisfação dos interesses dos respectivos munícipes. Dito de
outra maneira, é sempre perferível para os utentes que sejam as
organizações de proximidade as encarregadas de determinadas tarefas em
prol dos seus munícipes, do que exercidas pelo poder político central,
menos sensível aos particularismos locais de cada municipio. Por
exemplo, a recolha dos lixos, a gestão das infraestruturas básicas, o
apoio social de proximidade, as questões ambientais, o transito local,
os horários de funcionamento do comércio, a gestão dos equipamentos
escolares, o exercicio do poder policial na sua área de intervenção, a
gestão dos cemitérios, etc. etc.
Acontece por vezes porém que, por ausência de
critérios de sensatez mínimos, o legislador acaba por permitir que,
por acção ou por omissão, as autoridades municipais se intrometam na
esfera daquilo que deveria ser tratado pelo Estado central por se
tratar de matérias de âmbito geral, ou vice-versa, que, por simples
desleixo ou excesso no esforço de compressão financeira, as
autoridades centrais permitam que os autarcas se ocupem de tarefas de
cariz político para as quais não estão manifestamente preparados, nem
têm o necessário afastamento dos problemas locais que essas tarefas
por vezes levantam. Refiro-me concretamente a matérias que envolvem
pagamentos ou cobranças a favor do Estado ou obras que pela sua
dimensão ultrapassem o manifesto interesse autárquico.
São estes desajustamentos que criam por vezes as
condições para a generalização das acções que configuram casos de
corrupção, olhadas por alguns municipes com alguma benevolencia ao
ponto de se dizer que tal ou tal autarca "rouba mas faz", desculpando
actos juridicamente condenáveis que distorcem a legitimidade de certas
acções autárquicas e desacreditam o municipalismo em Portugal. É
contra este estado de coisas arreigado no mundo municipal desde que a
democracia se instalou no nosso país que a troika se insurge, prevendo
no memorando de entendimento assinado com o governo a redução e fusão
de câmaras e de freguesias que confiram ao mapa autárquico portugues
uma lógica administrativa mais de acordo com as suas necessidades. A
gestão dos terrenos baldios e os programas que definem as áreas
urbanas passiveis de construcção são os exemplos mais evidentes desses
referidos desajustamentos.
Reconheço a enorme dificuldade de que se reveste
qualquer reestruturação autárquica em Portugal, onde o municipalismo
sempre foi visto como uma forma de fixar hábitos e costumes ancestrais
num povo que, apesar de mais homogéneo do que a maioria das populações
europeias, reivindica especificidades próprias de cada região baseadas
na religião ou no costume arreigados em centenas de anos de história.
Enquanto não se conseguir estabelecer um novo mapa administrativo para
Portugal que seja coerente com as diversas idiossincrasias nacionais
mas lhe dê unidade sem ferir as legitimas especificidades sociológicas
da população, não será possivel fazer uma reforma autárquica que
corresponda aos verdadeiros anseios das populações e ao mesmo tempo
que procure sanear financeiramente a administração local, libertando-a
dos meios financeiros em excesso e limitando as despesas excessivas de
algumas autarquias que se reflectem negativamente no défice orçamental
do Estado. Descentralizar racionalmente sem despejar sobre o poder
local aquilo que não lhe compete é o segredo.

ALBINO ZEFERINO
27/3/2012

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