sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

A EUROPA E PORTUGAL


          Nos principios de cada ano novo os escrevinhadores costumam fazer previsões que, na maioria dos casos, saem furadas. Sem qualquer pretensão escrevinhadora, resolvi hoje tambem (não fora eu um correspondente diplomático, embora já aposentado) tecer algumas considerações sobre um tema assaz debatido mas sempre angustiante. Como será a Europa em 2016 e como será Portugal nela inserido?
          A Europa de hoje não é já a Europa do pós-guerra, desfeita e deprimida, com países ocupados uns pelos outros e necessitando de ajuda global. A Europa de hoje é uma união de Estados continentais pertencentes ao mesmo continente e que, unida, faz frente aos outros continentes, sejam eles constituidos por um só país, sejam constituidos por vários. A União europeia, como hoje é designada, não é porem um conjunto de Estados soberanos unidos sob a mesma coroa, nem mesmo uma confederação de Estados subordinados a uma mesma constituição politica. É um caso atípico de união de Estados de natureza politica (por enquanto pouco conseguida) com laivos de união económica (o mercado interno faz supor isso mesmo) e tentativas de união finaceira (que só agora começaram).
          A crise de 2008 (ainda em situação de rescaldo) travou as ânsias federadoras dos ultimos anos, pondo a nu as grandes diferenças desenvolvimentistas dos membros da UE e as diferentes capacidades de adaptação de cada Estado relativamente ao embate que a crise provocou na imberbe união monetária que o euro pretendia configurar. A quase desistencia da Grécia em resistir ao euro, bem como as indisfarçaveis tentativas nacionalistas escocesa e catalã em se desligar dos respectivos países, fazem prever um 2016 abalado nos seus projectos europeus e cada vez mais confundido quanto ao seu caminho. A UE faz-se caminhando, como gostam de vincar os europeístas. Ora parando, a UE tem tedência a desmembrar-se. E desmembrando-se, a UE tenderá a desaparecer como projecto. Mas os sinais desse caminho para o desaparecimento são contudo contraditórios. A reacção solidária à "invasão" dos refugiados extra-europeus capitaneados por uma Alemanha cada vez mais intervencionista, aliada à viragem à direita de alguns governos e eleitores europeus (Hungria, Polónia e França, por exemplo) são prova dessa contradição. Será que uma eventual eleição de um Presidente frances das direitas, ou um abandono formal da Grã-Bretanha da União europeia resultado de um referendo inevitável em 2017, poderão pôr em risco a continuidade do projecto europeu como ele foi desenhado no tratado de Lisboa? Aqui temos um desafio maior, cujo desfecho é por ora imprevisivel.
          E Portugal? Onde se situa este cada vez mais pequeno país limitrofe do centro de decisão comunitário? Portugal, como de resto os demais países chamados beneficiários dos fundos comunitários, foi confrontado com as responsabilidades inerentes à sua adesão à então CEE em 1986. Despojado das colónias que justificaram durante anos a sua independência, Portugal sentiu de inicio que a adesão à Europa desenvolvida fora o corolário da chamada "libertação" do isolamento a que a teimosia salazarista o levara. Só que essa adesão entusiasmada teve os seus custos. Pertencer à Europa que antes a desprezara, beneficiar das ajudas financeiras europeias para o desenvolvimento das suas estruturas orientadas para a defesa do chamado "império portugues" que desaparecera, teve os seus custos. Foi-nos dado tempo de sobra para nos adaptarmos, só que o desperdiçamos. Desperdiçamos na deficiente aplicação dos fundos, na recuperação do atraso estrutural das nossas mentalidades e na cobiça gananciosa dos novos responsaveis. O que foi feito em matéria de educação? E na reforma da Justiça? E na adaptação inteligente dos cidadãos à democracia que nos foi oferecida? E no desenvolvimento da economia adaptando-a às novas exigencias? Nada. Distribui-se o dinheiro pelos amigos e pelos amigos dos amigos, compraram-se coisas que cá não havia, destruindo o tecido produtivo sem o substiuir. Fizeram-se bancos desnecessários, deixou-se crescer em demasia os existentes, deixou de se fazer planeamento económico, entregou-se aos comunistas sectores inteiros da economia, que ainda hoje controlam, Venderam-se as joias da coroa aos estrangeiros e ficamos sem nada. Hoje somos um país periférico, sem importancia nem peso. É ilusório pensar-se que poderemos, a curto ou mesmo a médio prazo, reivindicar quaisquer vantagens especificas à UE, como o fazem os outros países do euro. Perdemos irremediavelmente qualquer capacidade de negociação em nosso beneficio. Limitamo-nos a reclamar as aleivosias que nos vão fazendo, à custa de nos enviarem as troikas para nos limitarem o nosso desenvolvimento.
          O que acontecerá aos portugueses neste contexto tão desfavorável? Diria que, face à nossa quase total incapacidade em defender os nossos interesses exclusivos (recordo, a propósito, que a decisão sobre a nossa pretensão sobre a plataforma maritima atlântica, em discussão morna na ONU, nunca terá, a meu ver, qualquer hipótese de merecer cabimento, face à dimensão do projecto, que, muito naturalmente, passará a ser considerado europeu e entregue a sua gestão às instancias comunitárias que o distribuirão pelos países mais capazes de o desenvolver eficazmente) nos vamos limitar a receber o necessário para subsistir enquanto membro da UE, sem voltarmos tão cedo a decidir por nós próprios o nosso destino colectivo. E sem UE, então ficaremos entregues aos chineses e aos espanhois, que já possuem, hoje, em conjunto, mais de metade do nosso PNB. Tal como ocorre com os países africanos nossos "irmãos".
          Feliz Ano Novo!

              ALBINO ZEFERINO (correspondente diplomático aposentado)              1/1/2016

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