Há para aí uns líricos que se entretêm a
escrevinhar em revistas conselhos sobre qual a melhor maneira (no ver
deles, está claro) de reformar o Estado. Uns dizem que há que cortar
nas "gorduras" como se o principal problema do Estado fosse ser gordo
demais. Outros distraem-se com palpites sobre que actividades deve o
Estado reduzir para poder aumenta-las noutros lados, como se o
problema fosse simplesmente uma questão de redistribuição de meios.
Outros ainda (mais radicais) aconselham (se não exigem) que se tire
aos ricos (onde estão eles?) para dar aos pobres, papagueando slogans
requentados de um marxismo morto e enterrado.
O problema não é conjuntural (mera mudança de
estratégia ou de rumo) mas muito mais profundo (é uma questão
paradigmática). Com os dogmas herdados do 25 de abril (que por sua vez
nasceram dos excessos de periodos anteriores) não conseguiremos mais
do que mascarar uma reforma que já aparece (felizmente) a todos como
indispensável mas que ainda ninguem conseguiu marcar-lhe uma direcção
ou um ritmo. Têm sido os estrangeiros (através dos famosos exames da
troika) que nos têm sugerido o caminho. O processo contudo já vai
pegando cada vez menos à medida em que o Zé se vai apercebendo disso
mesmo. Somos ignorantes mas não somos estupidos. A coisa progride aos
soluços com algumas vitórias aqui e acolá, mas sem ritmo nem direcção
definida. O mais fácil vai sendo feito, mas para os ossos mais duros
de roer parece não haver dentes.
Neste novo século (e com esta nova geração) os
paradigmas de vida são outros. Já não faz muito sentido falar-se em
emprego (ou em desemprego) como coisa vital, como objectivo de vida
como há 50 anos. Hoje é mais importante fazer-se o que se quer (mas
bem) do que apenas qualquer coisa que nos sustente. Por isso há mais
licenciados em biologia ou em ciencias exactas do que antes, ou
pessoas dedicadas a actividades que outrora eram consideradas meros
hobbies. A jardinagem por exemplo, ou a gestão de aquários ou de
hostels. O exercicio da politica como actividade profissional (que
hoje é visto como negativo à luz do funil do nosso dogmatismo) será
outro exemplo. Porque não considerar como uma profissão a gestão
política da coisa publica? Esta constatação leva-me à consideração de
outro dos elefantes brancos deste regime: o funcionalismo publico.
O funcionalismo publico nasceu da
institucionalização dos empregos do Estado. Quem trabalhasse para o
Estado (que é como quem diz para o governo, que é quem corporiza o
Estado) era considerado como o executante das decisões dos chefes. Era
assim uma pessoa importante, considerada, a quem se podia fazer
pedidos (empenhos como se dizia antanho) pois se presumia gozar da
intimidade dos chefes que representava, que por sua vez o tinha
escolhido para seu representante. Eram assim os cobradores de
impostos, os policias, os juizes, os diplomatas, os militares, os
professores e mais tarde os médicos, etc. etc. À medida que o Estado
engrandecia as suas tarefas administrativas, o funcionalismo publico
institucionalizava-se em corporações informais (algumas muito
poderosas que chegavam a influenciar os chefes nas suas decisões) e em
numero de agentes, divididos por sua vez em categorias profissionais,
de classe ou por actividades. Nasceu assim uma mole de gente que ia
crescendo à medida que o Estado crescia, por vezes até de uma forma
perversa (há actividades que são do Estado porque isso convinha aos
seus funcionários). Tudo isto pressupunha dinheiro, cada vez mais
dinheiro. O governo socorria-se dos impostos para sustentar esta mole
de gente maioritariamente inutil e excessiva. Assim surgiram os
défices e os sucessivos descontrolos orçamentais que chegaram aos
nossos dias com as consequencias conhecidas. Salazar, que sempre foi
avesso a alargar o âmbito dos funcionários do Estado, conteve esta
sangria financeira, reduzindo o numero de funcionários através de
contracções de pessoal (por vezes feitas de forma injusta) e criando
baias ideológicas às admissões.
A deificação do emprego (dogma marxista que
prevaleceu nas sociedades dos secs XIX e XX) deixou hoje de fazer
sentido. Assegurando o Estado os minimos de subsistencia dos seus
cidadãos (sejam eles cidadãos nacionais ou cidadãos europeus, ou seja,
vivam à custa do seu Estado de origem ou da comunidade de Estados de
que fazem parte) e deixando à livre escolha dos interessados a
actividade que o mercado livremente lhes proporciona independentemente
do que recebam (ou não) daquilo que fazem, deixa de ser necessário que
os governos sejam tão omnipotentes, açambarcadores e sufocadores dos
seus cidadãos, libertando-os das suas garras ao mesmo tempo que lhes
assegura segurança publica eficaz, cuidados medicos e medicamentosos
necessários, segurança social digna e justiça célere, simples e justa,
através de um sistema fiscal bem organizado, progressivo e despido de
preocupações ideológicas.
Isto sim seria uma boa reforma do Estado.
ALBINO ZEFERINO
1/2/2013
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