terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Assunto: " Uma Campanha Alegre " de Eça de Queiroz

“E estranho - que haja quem estranhe a emigração. Nós estamos num 
estado comparável somente à Grécia: mesma pobreza, mesma indignidade 
política, mesma trapalhada económica, mesmo abaixamento dos 
caracteres, mesma decadência de espírito. Nos livros estrangeiros, nas 
revistas, quando se quer falar de um país caótico e que pela sua 
decadência progressiva poderá vir a ser riscado do mapa da Europa - 
citam-se, a par, a Grécia e Portugal. Nós, porém, não possuímos como a 
Grécia, além de uma história gloriosa, a honra de ter criado uma 
religião, uma literatura de modelo universal, e o museu humano da 
beleza da Arte. Apenas nos ufanamos do Sr. Lisboa, barítono, e do Sr. 
Vidal, lírico. 

El-Rei D. Pedro V tinha lido o livro de E. About A Grécia 
contemporânea: e aquele rei que era um grave e fino espírito, e por 
vezes um subtil humorista - entretera-se anotando à margem o precioso 
livro de About. Onde estavam nomes dos estadistas da 

Grécia, o rei punha os nomes correspondentes dos homens públicos de 
Portugal; onde vinham as narrações das indignidades políticas de 
Atenas, ele lançava à margem as correlativas indignidades políticas de 
Lisboa; onde About desenhava com a sua pena maliciosa, cáustica e tão 
profundamente francesa, um certo ministro da Fazenda que era ladrão - 
D. Pedro V escrevera ao lado: «Cá chama-se o senhor...». Figura no 
livro, como torpe, segundo o julgamento do excelente rei, muito homem 
hoje célebre na vida pública, com bons ordenados e autoridade. O livro 
assim anotado, mudados os nomes -é a descrição mais exacta do estado 
de Portugal. Como deve ser infeliz um rei inteligente, quando, caído 
em cepticismo e misantropia pela certeza que adquiriu de que está no 
meio de uma pocilga política, não pode todavia entregar a Nação à 
experiência republicana, nem chamar a si o poder absoluto! Um tal rei, 
se não se converte por fastio num bom rei de Yvetot - termina sempre 
por morrer cedo. 

Ora, na Grécia, o facto permanente é a emigração. E nós emigramos, 
pelo mesmo motivo que o Grego emigra - a necessidade de procurar longe 
o pão que a Pátria não dá. 

O Grego que não tem indústria, nem agricultura, nem comércio, 
encontra-se ao entrar na vida sem colocação: - toma então a sua 
carabina e vai para as montanhas que Teócrito cantou, roubar viajantes 
ingleses, ou embarca no Pireu e emigra para Alexandria, para 

Trípolis, para as escalas do Levante, para os estados barbarescos, 
para Marselha, para qualquer ponto onde haja algum pão a roer ou 
alguma piastra a ganhar. 

Nós, que (bem a nosso pesar) não podemos ir roubar para as montanhas 
porque não temos a quem roubar - vamos procurar o Sr. Nathan. 

E o Governo, a opinião, admiram-se! Mas onde pode a plebe ganhar o 
pão? A grande indústria, a dos tabacos, dá 250 réis de salário a um 
operário com família. As indústrias fabris são poucas, periclitantes, 
com interrupções constantes de trabalho. A indústria mineira está 
abandonada à exploração de companhias estrangeiras. A agri-cultura 
vive de rotina - empobrecendo a terra e empobrecendo o homem. Não 
temos piscicultura, nem silvicultura, nem indústria pecuária. O 
trabalhador dos campos vive na miséria, come sardinhas e ervas do 
campo: a maior parte anda à malta, trabalhando aos dias, errante de 
fazenda em fazenda, por 80 réis diários, nos tempos de salário. A 
usura e a agiotagem, unidas, exploram a gente do campo: os tributos 
são fortes, as vexações do fisco incessantes. Na província, por um 
imposto de 20 e 30 réis, atrasado e relaxado, vimos nós pagar 5 e 6 
mil-réis, com custas, etc. Os pobres não tinham a quantia? penhora no 
casebre! Nas cidades o operário é vítima do monopólio - monopólio no 
pão, no bacalhau, no azeite. Não há entre nós uma escola teórica de 
aprendizagem! Que querem os senhores que se faça num país destes? 
Sair, fugir, abandoná-lo! O País é belo, sim, de deliciosa paisagem. 
Mas a política, a administração, tornaram aqui a vida intolerável. 
Seria doce gozá-la, não tendo a honra de lhe pertencer. Só se pode ser 
português - sendo-se inglês!” 

“(…) O País perdeu a inteligência e a consciência moral. Os costumes 
estão dissolvidos e os caracteres corrompidos. A prática da vida tem 
por única direcção a conveniência. Não há princípio que não seja 
desmentido, nem instituição que não seja escarnecida. Ninguém se 
respeita. Não existe nenhuma solidariedade entre os cidadãos. Já se 
não crê na honestidade dos homens públicos. A classe média abate-se 
progressivamente na imbecilidade e na inércia. O povo está na miséria. 
Os serviços públicos vão abandonados a uma rotina dormente. O desprezo 
pelas ideias aumenta em cada dia. Vivemos todos ao acaso. Perfeita, 
absoluta indiferença de cima a baixo! Todo o viver espiritual, 
intelectual, parado. O tédio invadiu as almas. A mocidade arrasta-se, 
envelhecida, das mesas das secretarias para as mesas dos cafés. A 
ruína económica cresce, cresce, cresce... O comércio definha, A 
indústria enfraquece. O salário diminui. A renda diminui. O Estado é 
considerado na sua acção fiscal como um ladrão e tratado como um 
inimigo. 

Neste salve-se quem puder a burguesia proprietária de casas explora o 
aluguel. A agiotagem explora o juro. 

De resto a ignorância pesa sobre o povo como um nevoeiro. O número das 
escolas só por si é dramático. O professor tornou-se um empregado de 
eleições. A população dos campos, arruinada, vivendo em casebres 
ignóbeis, sustentando-se de sardinha e de ervas, trabalhando só para o 
imposto por meio de uma agricultura decadente, leva uma vida de 
misérias, entrecortada de penhoras. A intriga política alastra-se por 
sobre a sonolência enfastiada do País. Apenas a devoção perturba o 
silêncio da opinião, com padre-nossos maquinais. 

Não é uma existência, é uma expiação. 

E a certeza deste rebaixamento invadiu todas as consciências. Diz-se 
por toda a parte: «o País está perdido!» Ninguém se ilude. Diz-se nos 
conselhos de ministros e nas estalagens. E que se faz? Atesta-se, 
conversando e jogando o voltarete, que de Norte a Sul, no Estado, na 
economia, na moral, o País está desorganizado - e pede-se conhaque! 

Assim todas as consciências certificam a podridão; mas todos os 
temperamentos se dão bem na podridão! 

Nós não quisemos ser cúmplices na indiferença universal. E aqui 
começamos, sem azedume e sem cólera, a apontar dia por dia o que 
poderíamos chamar - o progresso da decadência. Devíamos fazê-lo com a 
indignação amarga de panfletários? Com a serenidade experimental de 
críticos? Com a jovialidade fina de humoristas? 

Não é verdade, leitor de bom senso, que neste momento histórico só há 
lugar para o humorismo? Esta decadência tomou-se um hábito, quase um 
bem-estar, para muitos uma indústria. Parlamentos, ministérios, 
eclesiásticos, políticos, exploradores, estão de pedra e cal na 
corrupção. O áspero Veillot não bastaria; Proudhon ou Vacherot seriam 
insuficientes. Contra este mundo é necessário ressuscitar as 
gargalhadas históricas do tempo de Manuel Mendes Enxúndia. E mais uma 
vez se põe a galhofa ao serviço da justiça! “ 

Portugal 1871 

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