terça-feira, 26 de maio de 2015
A EUROPA CAÓTICA
As eleições regionais espanholas de anteontem marcaram o fim da Europa organizada segundo os cânones estabelecidos no pós-guerra. A Europa social construida por Monet, Schumann e Adenauer, baseada no estabelecimento do poder democrático à volta da alternancia entre sociais-democratas e democratas-cristãos na condução dos destinos dos países europeus, morreu definitivamente ontem. Este equilibrio entre a direita e a esquerda moderadas, evitando a repetição do horror nazi e o alastramento para ocidente dos excessos bolchevistas, serviu para recriar a Europa civilizada do século 19, no rescaldo das duas grandes guerras do século 20. Com o fim do comunismo soviético e o desaparecimento da cortina de ferro que separava as duas Europas (a civilizada da primitiva), a CEE, transfigurada em UE, tentou a unir a totalidade da Europa, mas foi travada pela Russia de Putin, na Ucrânia. Depois, foi a rebeldia britânica e os nacionalismos entranhados por séculos de frustrações que acabaram com o sonho. A Europa é hoje um continente em desmantelamento pacifico mas desordenado, como um baralho de cartas que se desfaz. Começou na Grécia e passou agora para o outro extremo geográfico do continente, como uma metástese que se passeia pelo corpo humano doente, antes de atingir fatalmente os órgãos vitais do organismo e eliminar o sujeito da face da terra.
A Espanha nunca mais será a mesma a partir de agora. Voltaremos às coligações imperfeitas de antes da guerra civil que trouxeram Franco e os seus intransigentes para a boca de cena, na onda dos nacionalismos que varreram a Europa de há 100 anos. E não será a bonomia de Merkel nem a teimosia de Schauble que evitarão o desmembramento da UE, como hoje a conhecemos. A própria Alemanha é um cadinho de povos e de etnias distintas, que dificilmente resistirá indemne ao caos que as rebeldias periféricas iniciaram. A ameaça lepenista em França, o desmembramento francófono-flamengo da Bélgica, os conflitos étnicos mal-resolvidos da guerra dos Balcãs, as pré-independencias escocesas e catalãs, o isolamento socio-cultural da Sicilia, o regresso do autoritarismo na Hungria, a estagnação desenvolvimentista dos países do Leste, a invasão pacifica dos árabes e dos africanos, tudo isto e muito mais que se adivinha, não auguram qualquer felicidade ao futuro da Europa, como os seus fundadores previam.
E em Portugal? O que irá acontecer agora que se antevê o fim do ciclo reformista iniciado pela troika? Um ano após a saida da troika de Portugal, o crescimento económico ainda débil e a travagem do aumento do desemprego são as diferenças mais visiveis, mas o desempenho está muito áquem dos programas anteriores. Em 1978 e em 1985, Portugal livrou-se do FMI com o PIB a subir 6,2 e 1,6 % respectivamente. Para 2014 o crescimento foi de menos de 1%, com a divida a ultrapassar os 130% do PIB. Dificilmente a coligação no poder poderá reivindicar uma vitória que lhe garanta mais 4 anos no governo. E a oposição? A oposição relevante (o PS) tambem não mostrou suficiente drive para conquistar o poder. O que acontecerá então? Num país estruturalmente pobre e envelhecido, com um povo de nivel cultural excessivamente baixo para os padrões europeus actuais, sem capacidade de realização pessoal ou profissional nem vontade de trabalhar, habituado às ajudas do Estado para tudo e mais alguma coisa (RSI, SNS, emprego fixo, apoios sociais de toda a espécie, fundos europeus para formação profissional (?), Banco alimentar contra a fome, Caritas e Misericórdias, etc. etc.) onde cada vez é mais evidente o fosso que separa os velhos e os novos, os ricos e os pobres e os cultos e os incultos, dificilmente se poderão excluir confrontos geracionais graves ou enfrentamentos sociais de relevância. O aparecimento no panorama politico como candidato presidencial dum sujeito apessoado, bem falante, com um curriculo invejável, que ninguem conhece e sem apoio partidário formal mas com fortes hipóteses de poder vir a ser eleito, é a prova de que os partidos politicos já pouco contam na paisagem politica portuguesa. Para a juventude portuguesa ( e não só) desempregada e desocupada, os velhos são aqueles que recebem sem trabalhar, curtem sem aproveitar, ocupam espaço nas casas e lugares na vida, que deviam ser deles. Este país não é para velhos. Esta Europa tambem não. O problema é que cada vez há mais velhos em Portugal e na Europa. E cada vez há mais desempregados jovens, tambem. Não será pois de admirar que as percentagens de abstenção venham a ser significativas nas próxiams eleições. Hoje em dia ultarpassar os 50% de votantes já é um exito e ganhar eleições com maioria relativa de 30% é considerado uma vitória estrondosa. Pois 30% de 50% são 15% do total dos eleitores. Será legitimo que 15% das pessoas mande nas 85% restantes? É por esta razão que os jovens já não creem na politica.
Não creio assim que do resultado das próximas eleições em Portugal saia uma situação que favoreça uma boa saida para a crise que ainda persiste. As pessoas estão descrentes e desconfiadas. Descrentes com as mentiras que ouvem e desconfiadas com as aldrabices que vêem. Por isso não irão votar em massa. E os que votarem só o farão por interesse. Os desgraçados, votarão radical. Os bem situados, votarão conservador. Como cada vez há mais desgarçados e menos bem situados, é de prever que algum radicalismo venha a ter expressão. Mas em Portugal as pessoas não arriscam. São medrosas. Mais vale apostar no cavalo ranhoso que se conhece (que não ganha a corrida, mas tambem que não desmerece o apostador) do que no novo corcel que não se sabe se chega ou não à meta, comprometendo de vez a nossa aposta.
O que será a Europa dos nossos filhos? Qualquer coisa parecida com a que existe, mas sem garra nem projecto. Um campo onde a experimentação abundará, não para procurar soluções inexistentes para problemas reais que tenderão a agravar-se com o tempo, mas para evitar males maiores que ameaçarão essa Europa que todos almejam mas que não conseguem alcançar.
ALBINO ZEFERINO 26/5/2015
sexta-feira, 22 de maio de 2015
A UNIÃO ORÇAMENTAL E FINANCEIRA DA EUROPA
Com a constatação da impossibilidade de encontrar uma solução para o problema grego, parece cada vez mais evidente que a Europa (ou melhor, a União europeia de Nações que a constitui) terá que emendar de vez o erro que cometeu quando da criação do euro, sem ter levado em linha de conta as devidas bases orçamentais e finaceiras de apoio. É certo que a UE de hoje já não é a UE de 1992, mas o entusiasmo que levou à constituição da moeda comum tambem já não é o mesmo. A crise de 2008 (que leva tempo a dissipar, sobretudo nos países mais vulneráveis) mostrou que o euro é útil, mas não é suficiente. Há que avançar mais depressa e mais consistentemente. Quanto mais tempo demorar a interiorização desta realidade e mais tergiversações forem apresentadas à única solução possivel à preservação do euro como moeda de referencia europeia, mais duvidas e mais hesitações surgirão no espirito das gentes sobre as virtualidades deste exercicio virtuoso e sobre a inexistencia de alternativas ao processo integrador.
Sem uma politica orçamental comum, com mecanismos claros e eficazes de fiscalização (uma espécie de troika permanente) e sobretudo de coercibilidade institucional que force (é esta a intenção) os governos locais a portarem-se na linha, não será possivel fugir a uma desagregação da Europa que lentamente vai despontado na Grécia para, passando pelo Reino Unido, vir a morrer em Lampedusa. Para que isto não aconteça, não basta fazer regulamentos e lançar directivas no sentido de unir a acção bancária, ou de intensificar os financiamentos a fundo perdido nos países em detrésse. A união politica é indispensável para que todos conheçam as regras dentro das quais se podem mover. Mesmos direitos, mesmas regras orçamentais, mesmos salários, mesmas reformas, mesma segurança social. É isto o que a maioria dos europeus quer.
Para que se atinja este desiderato não bastam as decisões maioritárias dos Conselhos europeus, nem as meras recomendações facultativas do Parlamento de Estrasburgo. É preciso mais. É preciso uma constituição europeia que enquadre as preocupações e as necesidades dos europeus, pois só assim poderemos reconquistar a crença na Europa que os nossos pais e avós manifestaram quando da sua fundação. Ao abrigo dela poderiam ser lançadas as bases financeiras e orçamentais sólidas que pudessem servir de base a politicas sociais concretas e definitivas, aplicáveis igualmente a todos os cidadãos europeus. Assim se punha em marcha a verdadeira coesão social europeia, baseada nas politicas sociais constitutivas da Europa social, na base das quais se chegaria à almejada união politica. Enquanto os governos continuarem mais procupados em defender os seus interesses pessoais ou partidários, com os olhos (e os instintos) postos nos vizinhos mais próximos (Alemanha e França p.ex.) nada se conseguirá e, pelo contrário, não conseguiremos sair desta maldita crise que nos assola a todos (é certo, a uns mais do que a outros) e que conduzirá a UE a um desmembramento a prazo, com prejuizo para todos e sem vantagens para ninguem.
ALBINO ZEFERINO 22/5/2015
sábado, 16 de maio de 2015
BYE BYE TAP
Finalmente parece que é desta vez que a TAP vai mesmo ser vendida. Foi preciso a greve dos pilotos para acordar esta gente estremunhada e dissimulada para a realidade dos factos. Como é que há ainda hoje quem queira que a TAP continue como está? Ou são cegos, ou ignorantes ou são aldrabões. Num mundo globalizado (o que signfica que nada nem ninguem está imune a tudo), onde as low-cost estão a ocupar o lugar das velhas companhias de bandeira tirando-lhes os passageiros e as rotas, já não é possivel subsistirem elefantes brancos com 13 mil empregados para 77 aviões e uma divida consolidada de mil milhões de euros. Admiro-me, isso sim, como ainda haja quem queira ficar com o monstro em que a TAP se transformou.
Desiludam-se os cépticos de que a TAP não venha a ser desmantelada a prazo depois de adquirida por nada. O que os compradores querem é ficar com os direitos de tráfego (como os chineses querem ficar apenas com o alvará do falido BANIF com a manifestação de vontade na compra do banco, desmantelando-o em seguida) para depois absorverem a companhia nas suas empresas reformando-a com o pretexto das sinergias. Bem podem os 15 sindicatos fazer greves de protesto (até todos de uma vez) que não se livram dum processo de despedimentos selectivo e impiedoso. E bem pode o governo artilhar o contrato com limitações a despedimentos e manutenções de regalias ou de condições anti-liberais que os tribunais internacionais, a quem os compradores recorrerão, se encarregarão de desmanchar os chico-espertismos lusitanos que eles fingiram aceitar sem se comprometer.
Numa fase onde toda a gente sabe que a TAP já não vale nada, pois tem divida e trabalhadores a mais, é estulticia pretender evitar o inevitável. A TAP já deveria ter sido negociada numa altura onde ainda valia alguma coisa (no governo do Guterres) e assim haveria ainda capacidade negocial para impor algumas condições, que hoje não serão aceites por ninguem. Esta é a ultima hipótese de vender formalmente a companhia (mesmo sem qualquer lucro) com uma aparência de normalidade. De contrário, a TAP abrirá oficialmente falência com as consequencias jurisdicionais que se lhe seguirão e que arrastarão o processo por dolorosos anos e penoso percurso, que afectarão, não só os seus trabalhadores, como o Estado, no aspecto financeiro e no da sua credibilidade internacional.
ALBINO ZEFERINO 16/5/2015
quinta-feira, 14 de maio de 2015
A INEXORÁVEL E LENTA CONQUISTA DA EUROPA
Depois de várias tentativas (sempre vãs) para conquistar a Europa, começa-se a definir de novo a próxima. Desde Gengis Kahn, passando pelos turcos, por Napoleão e por Hitler e depois pelos soviéticos na guerra fria, eis que surge agora, vinda de África, a ameaça de invasão protagonizada pelos desgraçados sem-terra que fogem do continente maldito na busca duma utópica nova vida de fartura e de felicidade nas terras dos seus antigos senhores.
Dir-se-ia que esta invasão (diária, pacifica e imperceptivel a olho nu) constituiu o refluxo daquilo a que se chamou o colonialismo europeu da África negra. Embora o europeu tenha chegado ao continente negro no sec. 15, através das primeiras incursões maritimas portuguesas (Bartolomeu Dias dobrou o Bojador em 1434), a efectiva invasão do continente africano pelos europeus só começou com o tráfico de escravos iniciado no séc.16, depois do descobrimento da América. Mas a verdadeira ocupação só viria a ocorrer no séc. 19, com as explorações de Stanley e de Livingstone, na sequencia das quais o continente foi dividido em zonas de influência europeias, na famosa conferencia de Berlim.
Parece agora ter chegado a hora da vingança, na qual os explorados de ontem passam a ser os exploradores de hoje. Porque efectivamente se trata de exploração. Os desgraçados embarcados quase à força em barcaças improvisadas, atravessam o Mediterrâneo sem as minimas condições de segurança e desembarcam (os que conseguem chegar sãos e salvos) nas costas italianas, invadindo pacificamente a Europa caduca, sem forças nem ânimo para os evitar e sem condições para os receber. Esta entrada forçada de gente de outras etnias e de outros costumes e hábitos de vida no continente outrora líder do mundo civilizado, está provocando inexoravelmente uma verdadeira revolução na forma de viver dos europeus e nos velhos hábitos quotidianos dos outrora exploradores de outras etnias.
Sem força de trabalho própria (ou sentindo-a reduzir-se drasticamente) pela baixa natalidade verificada desde as guerras mundiais do século passado, a Europa debate-se com o dilema de aceitar esta nova imigração ou de a excluir liminarmente por perturbadora da sua forma civilizada de viver. Cada vez mais se constata a utilização da xenofobia como argumento politico nas permanentes eleições que anualmente ocorrem nos civilizados e democraticos países europeus. O agitar da bandeira da crescente imigração (sobretudo africana) que desagua diariamente às catadupas nas costas mediterranicas da UE tem servido para fazer crescer os partidos mais xenófobos nos vários países europeus, fazendo perigar a democracia pluralista baseada na concertação e na negociação permanentes.
A recusa britânica das medidas contemporizadoras apresentadas pela Comissão europeia para a solução do problema é, a meu ver, prenunciadora do grave problema com que as autoridades europeias se vêem confrontadas, cuja abordagem conjunta não se me afigura fácil e que julgo se irá agudizando cada vez mais com o passar do tempo. O crescente aumento do índice demográfico africano aliado à cada vez maior descida do produto nos países daquele continente, irá empurrar inexoravelmente cada vez mais gente para a Europa, que se verá cada vez mais incapaz de suster a onda de imigrantes que afluem diariamente às suas costas. Teremos definitivamente que nos adaptar a conviver cada vez mais intimamente com os descendentes dos nossos antigos escravos, agora já não numa posição de submissão da parte deles, como ocorria no tempo dos nossos bisavós, mas de igual para igual e por vezes até aceitando as suas determinações e os seus caprichos e até as suas vinganças. Cést lá vie!
ALBINO ZEFERINO 14/5/2015
terça-feira, 12 de maio de 2015
O QUE SEPARA A GRÉCIA DO RESTO DA UE
Porque razão ainda não se chegou a um acordo com a Grécia? Quererão os gregos sair mesmo da UE? Será mesmo necessário fazer um referendo para apurar a vontade dos gregos? Vejamos o que separa o governo de Atenas dos seus credores:
1. Reformas e pensões: Os credores insistem que o governo grego tome medidas para aglutinar e simplificar a estrutura de fundos de pensões e sobretudo que diminua a despesa da Segurança Social publica. O que pretendem essencialmente é a modernização do sistema de pensões na Grécia para que este fique sustentável. Em termos práticos,os credores querem que a idade da reforma seja aumentada, querem que as regras para a atribuição das reformas antecipadas sejam apertadas e querem impedir que o governo volte a distribuir subsidios de férias aos reformados.
2. Legislação laboral: O governo grego anterior tinha-se comprometido com a troika que iria reformar o enquadramento legal associado aos despedimentos colectivos e à flexibilidade do mercado do trabalho, nomeadamente no que diz respeito à contratação. O actual governo do Syrisa fez orelhas moucas aos anteriores compromissos e nada reformou. Os credores querem tambem que o governo grego tome medidas que reduzam o poder dos sindicatos na economia grega, mas o governo não está de acordo argumentando com a disfuncionalidade do mercado de trabalho grego, com grande volume de emprego informal.
3. Dimensão máxima do défice orçamental (saldo primário): A troika queria, antes da eleição do Syrisa, que a Grécia mantivesse saldos orçamentais primários (diferença entre receitas e despesas do Estado, excluindo juros) positivos na ordem dos 3%. Varoufakis considera este objectivo exorbitante e oferece apenas 1%. A quebra da economia e da receita fiscal gregas desde a chegada do Syrisa tornaram o objectivo anterior totalmente impossivel.
4. Privatizações: A troika continua a exigir que o governo grego se comprometa com um plano abrangente de activos do Estado para privatizar, como acordado com o governo anterior. O governo actual tem tomado posições dubias quanto a este ponto, não estando ainda claro quais as privatizações que irão avançar, quais as que serão interrompidas e quais as que serão descartadas.
Em vésperas de eleições governativas, convirá que os portugueses não percam de vista esta embrulhada que os gregos criaram com a eleição de um governo desconfiado da UE, revoltado contra as medidas sugeridas pelos credores para reformar o país no sentido dele sair da crise que o assola e prestes a cair no abismo da indefenição e da negação duma situação que pode ser fatal para a continuação da Grécia como sendo um país civilizado no seio duma comunidade de Estados progressivos e desenvolvidos.
ALBINO ZEFERINO 12/5/2015
segunda-feira, 11 de maio de 2015
OS EXPLORADORES DO ESTADO
O que é o Estado? O Estado é a sociedade organizada. Para que uma sociedade esteja organizada é necessário que ela se constitua em Estado. E em que consiste esse Estado? Consiste numa entidade etérea, invisivel, imaterial e superior que determina a vida dos cidadãos membros desse mesmo Estado. A circunstancia de alguém nascer num determinado Estado, ou seja, ser membro desse Estado, confere-lhe desde logo determinados direitos e determindos deveres relativamente a esse mesmo Estado, que se obriga para com esse cidadão e o obriga tambem perante ele. É a constituição politica em vigor nesse Estado que determina os direitos e as obrigações dos cidadãos face ao Estado a que pertencem. Etimologicamente Estado significa situação. Quando se nasce, nasce-se dentro duma situação previamente existente. Ninguem escolhe em que Estado vai nascer, como ninguem escolhe os seus pais, nem as circunstâncias nas quais nasce. Nasce-se em determinado Estado e dentro de determinado circunstancialismo social e politico. Há quem nasça em Estados falhados e há quem nasça em Estados organizados. E as organizações dos Estados tambem podem ser distintas. Há os Estados totalitários e os Estados liberais. Há os Estados ricos e os Estados pobres. Há os Estados capitalistas e os Estados socialistas. Há ainda os Estados unitários e os Estados federais. Seja qual for a forma que o Estado revista é sempre necessário que cada Estado (para que seja considerado Estado) tenha orgãos que o constituam, através dos quais o Estado possa determinar a vida dos seus cidadãos. Caso contrário, cada um e cada qual fazia o que lhe dava na real gana tornando a sua vida e a dos demais num inferno. Chama-se a isto a anarquia. Quando um Estado falha na essência dos seus propósitos chama-se Estado anárquico, falhado ou inexistente. Não há leis ou regras de convivência, nem direitos, nem deveres. A vida humana deixa de ter valor e a existência torna-se num inferno. É a lei do mais forte que impera.
Para que os orgãos constitutivos do Estado possam funcionar é necessário que eles sejam constituidos e que se criem os meios para que esses orgãos exerçam as suas funções. Em Estados organizados democraticamente, a constituição dos orgãos do Estado faz-se através de eleições e os meios são criados através da recolha dos impostos. Ou seja, sem eleições nem impostos não há orgãos e sem orgãos legitimamente eleitos não há Estado. Para que as pessoas aceitem livremente cumprir as leis emanadas dos orgãos do Estado, esses orgãos devem ser legitimos e crediveis, caso contrário o Estado desaparece para dar lugar à anarquia. A legitimidade dos orgãos do Estado decorre da respectiva eleição e a sua credibilidade ou idoneidade deriva da forma como exercem o poder para o qual foram eleitos. Para isso existem os partidos politicos. Os partidos são a forma expedita para que os politicos se organizarem e se apresentarem ao eleitorado para a eleição para os orgãos do Estado.
Dito isto, poderá concluir-se que os titulares dos orgãos do Estado devem ser os mais crediveis, idóneos, competentes, probos e honestos cidadãos que se apresentaram às eleições, pois a sua escolha resultou da vontade popular maioritariamente expressa em eleições livres e justas. Ou seja, presume-se que se determinado sujeito foi eleito para determinado lugar é porque foi considerado pela maioria dos seus concidadãos como o melhor candidato ao lugar para o qual concorreu. Contudo, por vezes não é assim. O povo por vezes engana-se. E quanto mais vezes se engana (ou se deixa enganar) mais vezes é explorado na sua boa-fé. Quando a corrupção grassa no Estado ou quando a injustiça das decisões dos orgãos do Estado é patente, mais o povo que elegeu o corrupto ou o incompetente é considerado inepto. E é precisamente da exploração dessa inépcia que nascem as maiores injustiças e as maiores arbitrariedades. Há quem pense que o povo eleitor não deve ser chamado a decidir quem ocupa os órgãos do Estado, pois não tem competência nem conhecimentos para isso. O povo é ignorante e não lhe deve ser por isso dado o poder de eleger os seus chefes. Os titulares dos orgãos do Estado devem ser nomeados por uma elite e não eleitos livremente pelo povo ignorante. Só assim se poderão escolher os melhores para ocupar os lugares de mais responsabilidade.
Esta tese vigorou durante 70 anos na Europa, em resultado da expansão das doutrinas marxistas do séc. XIX e foi felizmente afastada em finais do séc. XX com a queda do muro de Berlim. Subsistem contudo ainda alguns partidos politicos nos Estados periféricos da Europa que pensam assim. E são precisamente esses partidos (ditos de esquerda) que boicotam todos os processos de modernização das sociedades que os outros partidos (ditos de direita) pretendem promover. Para a esquerda anquilosada o que interessa é manter um Estado controlador da vida dos seus cidadãos,suficientemente tentacular para chegar a todos os sectores da sociedade e todo-poderoso a fim de esmagar qualquer veleidade popular que não obedeça aos ditames da clique partidária que controla o Estado. Tudo o que seja subtrair ao controlo do Estado (ou seja ao controle da clique partidária que ocupa os orgãos do Estado) os sectores ditos estratégicos da sociedade (ensino, saude, segurança social, trabalho, transportes publicos, etc.) é considerado sacrílego e por isso justificativo para impôr greves selvagens que nada têm de laboral, mas que revestem natureza politica e que servem apenas para introduzir o caos na sociedade e perturbar a vida e os espiritos dos mais carenciados. São esses os exploradores do Estado que devem ser denunciados e punidos.
ALBINO ZEFERINO 11/5/2015
domingo, 3 de maio de 2015
A CRISE EUROPEIA
Agora que a Fénix renascida parecia estar em vias de domesticação, eis que suge no horizonte uma nova ameaça à paz e à tranquilidade que a Europa precisa para se recompor dos abalos que vem sofrendo neste principio de século exigente e um pouco imprevisivel. Refiro-me ao Brexit (agora que o Grexit parece estar a passar de moda) como a designação que alguns cómicos puseram à onda de indignação nacionalista que nasceu no coração do antigo Império britânico, encabeçada por um tal Farage que, qual Le Pen nos seus melhores tempos, tenta desencaminhar os brits para um abandono rebelde (porém anunciado) da Grã-Bretanha da União europeia, desencantados com o caminho que a UE está a levar.
É bem verdade que ainda não será possivel cantar vitória enquanto os gregos não tiverem entrado pacata e ordeiramente no redil, mas aproveitar-se deste afrouxamento da tensão (trazido pelas medidas de "quantitative easing" implementadas pelo esforçado Draghi, a partir do seu gabinete de Frankfurt) para mostrar as garras, não é próprio dum país civilizado e civilizador como é o caso da Grã-Bretanha e dos seus competentes dirigentes. Esta luta reflecte o auge do momento das grandes decisões onde a União Europeia se encontra, no sentido de definir para onde este conjunto de países quer ir, se para uma federação à americana, se para uma união de Estados, como parece quererem os britanicos. Uma e outra das decisões não são alternativas ao desenvolvimento do magnifico projecto lançado pelos visionários de 1957. A opção pela união de Estados, apenas solidários nas politicas comuns e pouco dispostos a abdicar dum nacionalismo bacoco onde a globalização mundial impõe novas soluções regionais integracionistas, não chega. Os países europeus para subsistirem devem fazer um esforço para se unirem cada vez mais e cada vez mais profundamente, sem olhar a interesses particulares ou paroquiais e abdicando de manifestações de soberania antiquadas e hoje inuteis, desajustadas e despropositadas. Dir-se-á que desta forma desaparecerá o espírito europeu, fruto de culturas por um lado díspares mas ao mesmo tempo complementares ou derivadas umas das outras, espírito esse que constitui a riqueza e a originalidade da União europeia.
Mas direi eu (e outros) que é precisamente para não "apagar" essa diversidade cultural caracteristica da Europa de hoje (aí estaremos todos de acordo), que é necessário prosseguir na construcção duma Europa forte e solidária, capaz de ombrear com os outros grandes grupos de países ou continentes, na busca duma civilização onde toda a Humanidade se reveja sem necessidade de voltar a tentar subjugar uns e outros para poder subsistir. Não se pense que sem a guerra civil norte-americana teria sido possivel construir aquele magnifico país como hoje o conhecemos. Não propugno mais guerras civis na Europa (já chegaram as que houve), mas afirmo que, sem uma vontade supranacional, desprovida de complexos históricos e sociológicos, não será possivel progredir na construcção da única obra susceptivel de evitar o desaparecimento, a mais ou menos curto prazo, da civilização europeia como a conhecemos desde o principio dos séculos. Neste mundo complexo e hostil, onde cada dia surgem novas manifestações de cuidado, não há outra forma de subsistir senão unindo esforços e capacidades para manter viva a ideia duma Europa firme e forte. Pensarmos que a opção é a de nos unirmos mais ou menos é um erro que pode vir a custar-nos caro. Se não subsistirmos como entidade una e firmemente disposta a assim permenecermos, não pensemos que poderemos subsistir muito mais tempo beneficiando dos privilégios de que gozamos como povos civilizados e civilizadores. Mais cedo do que possamos pensar, os vizinhos povos asiáticos descerão à planicie europeia e construirão (à força certamente) um bastião euro-asiático que possa fazer frente aos outros grupos continentais no dominio do universo. Podemos estar certos disso, infelizmente.
ALBINO ZEFERINO 3/5/2015
Subscrever:
Mensagens (Atom)