terça-feira, 26 de maio de 2015
A EUROPA CAÓTICA
As eleições regionais espanholas de anteontem marcaram o fim da Europa organizada segundo os cânones estabelecidos no pós-guerra. A Europa social construida por Monet, Schumann e Adenauer, baseada no estabelecimento do poder democrático à volta da alternancia entre sociais-democratas e democratas-cristãos na condução dos destinos dos países europeus, morreu definitivamente ontem. Este equilibrio entre a direita e a esquerda moderadas, evitando a repetição do horror nazi e o alastramento para ocidente dos excessos bolchevistas, serviu para recriar a Europa civilizada do século 19, no rescaldo das duas grandes guerras do século 20. Com o fim do comunismo soviético e o desaparecimento da cortina de ferro que separava as duas Europas (a civilizada da primitiva), a CEE, transfigurada em UE, tentou a unir a totalidade da Europa, mas foi travada pela Russia de Putin, na Ucrânia. Depois, foi a rebeldia britânica e os nacionalismos entranhados por séculos de frustrações que acabaram com o sonho. A Europa é hoje um continente em desmantelamento pacifico mas desordenado, como um baralho de cartas que se desfaz. Começou na Grécia e passou agora para o outro extremo geográfico do continente, como uma metástese que se passeia pelo corpo humano doente, antes de atingir fatalmente os órgãos vitais do organismo e eliminar o sujeito da face da terra.
A Espanha nunca mais será a mesma a partir de agora. Voltaremos às coligações imperfeitas de antes da guerra civil que trouxeram Franco e os seus intransigentes para a boca de cena, na onda dos nacionalismos que varreram a Europa de há 100 anos. E não será a bonomia de Merkel nem a teimosia de Schauble que evitarão o desmembramento da UE, como hoje a conhecemos. A própria Alemanha é um cadinho de povos e de etnias distintas, que dificilmente resistirá indemne ao caos que as rebeldias periféricas iniciaram. A ameaça lepenista em França, o desmembramento francófono-flamengo da Bélgica, os conflitos étnicos mal-resolvidos da guerra dos Balcãs, as pré-independencias escocesas e catalãs, o isolamento socio-cultural da Sicilia, o regresso do autoritarismo na Hungria, a estagnação desenvolvimentista dos países do Leste, a invasão pacifica dos árabes e dos africanos, tudo isto e muito mais que se adivinha, não auguram qualquer felicidade ao futuro da Europa, como os seus fundadores previam.
E em Portugal? O que irá acontecer agora que se antevê o fim do ciclo reformista iniciado pela troika? Um ano após a saida da troika de Portugal, o crescimento económico ainda débil e a travagem do aumento do desemprego são as diferenças mais visiveis, mas o desempenho está muito áquem dos programas anteriores. Em 1978 e em 1985, Portugal livrou-se do FMI com o PIB a subir 6,2 e 1,6 % respectivamente. Para 2014 o crescimento foi de menos de 1%, com a divida a ultrapassar os 130% do PIB. Dificilmente a coligação no poder poderá reivindicar uma vitória que lhe garanta mais 4 anos no governo. E a oposição? A oposição relevante (o PS) tambem não mostrou suficiente drive para conquistar o poder. O que acontecerá então? Num país estruturalmente pobre e envelhecido, com um povo de nivel cultural excessivamente baixo para os padrões europeus actuais, sem capacidade de realização pessoal ou profissional nem vontade de trabalhar, habituado às ajudas do Estado para tudo e mais alguma coisa (RSI, SNS, emprego fixo, apoios sociais de toda a espécie, fundos europeus para formação profissional (?), Banco alimentar contra a fome, Caritas e Misericórdias, etc. etc.) onde cada vez é mais evidente o fosso que separa os velhos e os novos, os ricos e os pobres e os cultos e os incultos, dificilmente se poderão excluir confrontos geracionais graves ou enfrentamentos sociais de relevância. O aparecimento no panorama politico como candidato presidencial dum sujeito apessoado, bem falante, com um curriculo invejável, que ninguem conhece e sem apoio partidário formal mas com fortes hipóteses de poder vir a ser eleito, é a prova de que os partidos politicos já pouco contam na paisagem politica portuguesa. Para a juventude portuguesa ( e não só) desempregada e desocupada, os velhos são aqueles que recebem sem trabalhar, curtem sem aproveitar, ocupam espaço nas casas e lugares na vida, que deviam ser deles. Este país não é para velhos. Esta Europa tambem não. O problema é que cada vez há mais velhos em Portugal e na Europa. E cada vez há mais desempregados jovens, tambem. Não será pois de admirar que as percentagens de abstenção venham a ser significativas nas próxiams eleições. Hoje em dia ultarpassar os 50% de votantes já é um exito e ganhar eleições com maioria relativa de 30% é considerado uma vitória estrondosa. Pois 30% de 50% são 15% do total dos eleitores. Será legitimo que 15% das pessoas mande nas 85% restantes? É por esta razão que os jovens já não creem na politica.
Não creio assim que do resultado das próximas eleições em Portugal saia uma situação que favoreça uma boa saida para a crise que ainda persiste. As pessoas estão descrentes e desconfiadas. Descrentes com as mentiras que ouvem e desconfiadas com as aldrabices que vêem. Por isso não irão votar em massa. E os que votarem só o farão por interesse. Os desgraçados, votarão radical. Os bem situados, votarão conservador. Como cada vez há mais desgarçados e menos bem situados, é de prever que algum radicalismo venha a ter expressão. Mas em Portugal as pessoas não arriscam. São medrosas. Mais vale apostar no cavalo ranhoso que se conhece (que não ganha a corrida, mas tambem que não desmerece o apostador) do que no novo corcel que não se sabe se chega ou não à meta, comprometendo de vez a nossa aposta.
O que será a Europa dos nossos filhos? Qualquer coisa parecida com a que existe, mas sem garra nem projecto. Um campo onde a experimentação abundará, não para procurar soluções inexistentes para problemas reais que tenderão a agravar-se com o tempo, mas para evitar males maiores que ameaçarão essa Europa que todos almejam mas que não conseguem alcançar.
ALBINO ZEFERINO 26/5/2015
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Muito boa análise. Infelizmente no que toca a Portugal põe o dedo na ferida.
ResponderEliminarUm abraço