Os portugueses são em geral manhosos. Não apenas numa prespectiva de rascas ou vulgares (como os ingleses dizem), pequenos no pensar e na acção (do latim parvus), despreziveis, mesquinhos e invejosos, mas sobretudo do ponto de vista intelectual. A manha (caracteristica de quem consegue de modo dissimulado enganar outrem ou levá-lo astuciosamente a fazer alguma coisa em seu proveito) é sinónomo de astucia ou malicia e é uma caracteristica humana muito própria de povos ancestrais que formaram a sua identidade ao longo de séculos de história comum. Ora Portugal, nascido há oito séculos e forjado à custa de muitas lutas, sacrificios e manhas, é um bom exemplo disso. Tal como a Grécia ou a Irlanda, irmãs no infortunio, Portugal nasceu pobre, periférico, desprezado e insignificante. Só à custa de manhas tem conseguido sobreviver, tendo passado por momentos dificeis que teriam feito outros nas mesmas condições soçobrar. Porém, graças à manha temos conseguido ultrapassar momentos dificeis e por vezes até críticos da nossa história secular de país independente. Foi com manha que Afonso Henriques enganou seu avô, o rei de Leão, ao conseguir o beneplácito papal à independencia de Portugal e foi tambem com manha que conquistou Lisboa aos mouros (veja-se o episódio de Martim Moniz). A manha não esteve ausente em Aljubarrota quando o Condestável conseguiu desbaratar o exécito castelhano (dez vezes superior ao nosso) que vinha tomar posse do reino de Portugal que cabia por herança legítima ao rei de Espanha. E a consagração do Mestre de Aviz na sua luta pelo poder tambem não foi isenta de intrigas orquestradas pelo manhoso João das Regras. Foi ainda com manha que Gama conquistou a India e Cabral o Brasil, ao ocultarem aos pobres indígenas as suas verdadeiras intenções. Foi com grande manha que os espanhois foram expulsos de Portugal em 1640 (o episódio do defenestramento do Miguel de Vasconcelos foi o desfecho brutal de uma manhosa urdidura da burguesia lisboeta contra o despotismo da Mântua). O consulado de Pombal não foi mais do que um conjunto de manhas que enganaram os pobres dos portugueses, tentando transformar Portugal num país moderno e civilizado. Foi ainda com muita manha que os portugueses evitaram a conquista de Portugal pelos exercitos de Napoleão. Foi com manha que se pretendeu impôr aos ingleses o mapa cor de rosa e foi tambem usando processos manhosos que os republicanos implantaram a Republica em Portugal. Já mais recentemente foi com manha que a ditadura militar foi imposta em 1926 e não foi sem uma grande dose de manha que Salazar se conseguiu conservar no poder durante 48 anos. E à revolução do 25 de Abril de 1974 e ao seu seguimento não faltou tambem grande dose de manha. Como se vê, a manha esteve sempre presente nos grandes momentos nacionais.
A manha agora manifesta-se de forma diferente. Inserido num espaço mais vasto do que aquele por onde começou, tem sido através de processos mais ou menos manhosos que Portugal tem prosseguido na sua dificil e espinhosa missão de se integrar na Europa. A utilização manhosa (em proveito só de alguns) dos fundos comunitários, a entrada subrepticia (eu diria manhosa) no restrito clube dos países do euro e a sua dificil manutenção dentro dele (através de sucessivas manhas, como a desorçamentação de certas despesas publicas e as parcerias publico-privadas em beneficio de alguns à custa de todos) são alguns exemplos das manhas em que se tem baseado a governação de Portugal nos ultimos anos. Até que chegou a crise internacional que tocou a todos e que, em Portugal, destapou o caldeirão das manhas, deixando a descoberto todas as manhas que têem caracterizado o processo da integração portuguesa na União europeia.
Agora que os estrangeiros cá estão para vasculhar as nossas contas e denunciar as manhas como elas têem sido contabilizadas, já não será possivel ao rei dos manhosos continuar a enganar os seus compatriotas e os credores que lhe proporcionavam os meios financeiros para executar as suas manhas. A natural exigencia da parte dos nossos credores de um apoio nacional maioritário para fazer executar as duras medidas económicas e sociais necessárias para endireitar o país que caiu desamparado empurrado pelas manhas de Sócrates, vai exigir um consenso, se não nacional (duvido que comunistas e bloquistas se associem), pelo menos amplamente maioritário dos partidos representados na Assembleia. Só que em plena pré-campanha eleitoral será muito dificil encontrar esse apoio. Receio que antes das eleições (cujos prazos procedimentais espantosamente não foram encurtados) não seja possivel conseguir consensos. Não se sabendo qual o partido que irá conduzir os destinos do país no futuro, ninguem se quer comprometer com decisões que necessariamente se reflectirão negativamente no voto popular. Continuamos assim num impasse enquanto se anuncia que só haverá dinheiro nos cofres publicos até para o mes que vem. Não sei como reagirão os credores perante tanta inconsciencia. Talvez Sócrates se lembre de alguma manha que permita que nos avancem algum dinheiro por conta. Entretanto Cavaco vai reflectindo.
ALBINO ZEFERNO 13/4/2011