segunda-feira, 22 de agosto de 2011

O TGV E A SOBERANIA NACIONAL

   O que terá o comboio de alta velocidade a ver com a soberania de Portugal? Eu diria que a polémica criada à volta da construção da linha de alta velocidade ferroviária (vulgo TGV) entre Lisboa e Madrid não é mais do que o reflexo da controversia entre aqueles que estão dispostos a que Portugal ceda soberania em favor de um projecto comum e aqueles que entendem que as decisões relativas a Portugal devem apenas e exclusivamente obedecer aos interesses imediatos do país, decididos por nós e só por nós, sem curar dos interesses comuns de uma organização onde nos integramos e que nos sustenta há quase 40 anos. 
             A soberania é um conceito antigo de natureza filosofico-politica que resulta da independencia do país que a detem ou que a reivindica face aos seus vizinhos. Etimologicamente a palavra provem da palavra soberano que significava aquele que detinha o poder dentro das fronteiras do país onde mandava. Hoje a soberania reside na vontade popular expressa em eleições livres e democraticas e portanto, quando hoje se fala de soberania, fala-se necessariamente de vontade popular. 
             Será que para se construir o TGV em Portugal precisamos de consultar a vontade popular? Se estivessemos na Suiça, não tenho duvidas de que sim. Em Portugal, a nossa Constituição não exige que se tenha que consultar a população a toda a hora para a tomada de decisões governativas. Sobretudo quando elas já foram tomadas em resultado de compromissos internacionais tomados pelo governo após consultas e estudos tecnicos e formalizadas com toda a pompa e circunstancia. Acresce que grande parte do financiamento do projecto (que por ser transnacional) é comparticipado por verbas comunitarias. Não parece, assim, fazer muito sentido abandonarmos uma decisão tomada há varios anos, sem o acordo das outras partes. Dir-se-á que entretanto sobrevieram circunstancias imprevistas que relegaram a prioridade da realização da obra para mais tarde e que agora não temos a capacidade financeira para arrancar. Não creio que seja assim. Só em despesas correntes com serviços em vias de restruturação ou de extinção, gasta-se mais do que a parte nacional do financiamento do projecto.
             Atrever-me-ia assim a classificar a decisão de suspender a obra já iniciada, como uma medida de natureza essencialmente politica. Não interessará a alguns agentes politicos ( alguns autarcas da raia, militares, empresários comprometidos com projectos de sentido diferente, etc. etc.) a continuação de um projecto que muitos associam a moscambilhas socialistas do tempo do Sócrates e portanto hoje mediaticamente maduro para poder ser abandonado. Não creio que seja assim. A ligação à Espanha e portanto à Europa atraves da alta velocidade é alem de uma prioridade que já tem anos e uma necessidade decorrente dos nossos compromissos comunitarios, uma mais-valia em termos de captação de investimento estrangeiro. Não tenho duvidas que uma vez em circulação, o TGV proporcionará um aumento de receitas provenientes do turismo. Para grande parte dos espanhois, as praias portuguesas estão mais perto das suas casas e são melhores do que as praias espanholas. O investimento espanhol e de outras origens crescerá no Alentejo (construção de campos de golf, de hoteis e restaurantes) e cidades como Elvas e Évora serão muito beneficiadas.
             A cedência de soberania a favor da UE (seja do Conselho, da Comissão, do Parlamento ou dos outros Estados-membros) será (ou já é) uma realidade por razões ligadas à nossa desesperada situação financeira e organizativa. Não será por não se cumprir um compromisso (teimosamente erigido em gasto sumptuario) que vamos conservar uma soberania já perdida por razões estruturais, nem o cumprimento da obrigação de construirmos o TGV de Lisboa até ao Caia nos vai retirar qualquer parcela da soberania remanescente. Haja juízo e seriedade nas decisões.
 
                                                   ALBINO ZEFERINO      21/8/2011 
            

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