A propósito da utilização recorrente da ameaça de
inconstitucionalidade relativamente a todos e quaisquer diplomas
anunciados pelo governo que desagradem às forças de bloqueio,
situem-se elas politicamente onde se situem, convirá deixar aqui
constância da diferença entre aquilo que deve ser classificado de
verdadeiramente inconstitucional e portanto corrigido, daquilo que
convém classificar de inconstitucional porque é simplesmente incómodo
para uma certa classe de gente e que portanto deve ser combatido.
Não será necessário ter-se formação juridica para
se perceber da vantagem das constituições politicas na normal gestão
da coisa publica. Parece óbvio que, sem uma cartilha onde estejam
fixados genericamente os principios pelos quais determinada sociedade
deverá ser regida, será muito dificil conduzir convenientemente um
país a caminho do desenvolvimento. Dir-se-à porém que em certos países
não há constituição escrita e eles não deixam de ser governados
adequadamente de acordo com os principios que regem as sociedades
desenvolvidas. Eu direi que, não havendo constituição escrita nesses
países, há porém uma série de regras de sociedade baseadas no costume
que estão genuinamente interiorizadas no espírito colectivo dos
respectivos cidadãos e cuja aceitação é por assim dizer automática, ou
seja incontestável.
Em Portugal não há infelizmente essa consciencia
cívica colectiva, que baliza automaticamente as condutas politicamente
relevantes dos seus cidadãos (sejam eles governantes, legisladores,
julgadores ou simples destinatários das decisões destes) permitindo
aos mais ousados (eu diria melhor, desavergonhados) usar
despudoradamente do recurso fácil à fiscalização da
constitucionalidade para evitar a entrada em vigor de certas leis que
eles consideram limitativas ou eliminatórias de privilégios de classe,
instituidos há dezenas de anos atrás no rescaldo da anarquia
esquerdista que se seguiu ao 25 de abril. É por isso necessário e até
indispensável que em países como o nosso exista uma constituição onde
estejam plasmados os principios fundamentais que regem a sociedade
portuguesa no seu conjunto. Mas apenas esses. Se, por esperteza
saloia, alguns ditos constitucionalistas resolveram fazer da
constituição portuguesa uma espécie de road map a caminho do
socialismo (como alegremente os abrileiros apregoavam há 30 anos,
agitando o cravo e trauteando os amanhãs que cantam) então há que
expurgá-la desses excessos que só a desvirtuam e lhe conferem uma
natureza meramente regulamentar. A constituição portuguesa de 1976
mais parece um regulamento camarário. São dezenas de capitulos e
sub-capitulos, centenas de artigos e de excepções, que misturam
principios com determinações particulares e que limitam o carácter
hegemónico que uma lei fundamental deve possuir.
A apreciação da inconstitucionalidade das leis
pode revestir na nossa ordem constitucional diversas formas: a
fiscalização preventiva, a fiscalização abstracta e a fiscalização
concreta, que necessita de tres decisões do tribunal constitucional
para que a inconstitucionalidade seja declarada. Como se vê, a
constituição portuguesa em vez de facilitar o caminho em direcção do
desenvolvimento do país, constitui pelo contrário um travão a esse
desenvolvimento, limitando a capacidade de decisão do legislador na
procura de soluções que conduzam a um maior e mais rápido progresso
económico e social do país. Permitindo um constante e detalhado exame
a todas as iniciativas legislativas, coartando a margem de manobra dos
governos na prossecução de medidas tendentes à modernização das
estruturas do Estado, a constituição portuguesa constituiu um
obstáculo ao progresso do país em vez de cumprir a sua missão de
balizar o caminho de acordo com as regras e principios genericamente
aceites por todos os países civilizados onde o nosso país se insere.
ALBINO ZEFERINO
24/11/2012
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