Foi preciso ano e meio de troika para finalmente
se chegar ao ponto de partida da caminhada em direcção à salvação. Com
a já famosa palavra "refundação" despoletou-se o ânimo regenerador que
há meses teimava em sair abafado do peito do primeiro-ministro,
envolvido nas teias dos interesses contraditórios que o assolam de
todos os lados. Aprisionado entre a consciencia da necessidade de
fazer algo mais do que seguir à letra as contabilidades dos
financeiros da troika (com Gaspar à cabeça), Passos Coelho decidiu
finalmente dar o grito do Ipiranga lusitano, ao exibir sem complexos
de esquerda ou tergiversações inuteis, a necessidade de alterar
substancialmente o circunstancialismo em que hoje se move a sociedade
portuguesa. Herdeira das locuras abrilistas, que só não conduziram
Portugal para a bancarrota mais cedo graças aos cofres cheios deixados
pelo vil salazarismo, a sociedade portuguesa, obnubilada pelo rápido,
fácil e exuberante acesso aos beneficios da civilização, ficou
hipnotizada pelos feiticeiros do novo poder, cada um mais demagogo do
que o anterior, convencida da perenidade das riquezas que, quais
sucessivas "sortes grandes", lhes caiam no colo sem parar. Até que a
maldita crise importada das Américas surgiu sem prevenir, semeando o
caos nas planícies lusitanas e a fome e a indignação nos estomagos e
nos espíritos dos pobres portugas. O resto já se sabe. O continuo e
crescente endividamento do país vai comprometendo de dia para dia mais
profundamente a soberania nacional, com o aplauso cínico daqueles que
preferem aproveitar-se das desgraças alheias em proveito próprio, do
que em salvar o país duma derrocada certa que nos está conduzindo
progressivamente para níveis de desenvolvimento de décadas atrás.
Depois de enunciado o problema parece fácil a sua
concretização. Mas num país como o nosso nada é fácil. Como se vai
contabilizar as necessidades daqueles que efectivamente precisam se
ajuda? O dinheiro apurado nos impostos será suficiente para continuar
a prestar os cuidados publicos básicos a toda a população sem
discriminação de classe? Qual o nível minimamente exigido para a
prestação estatal de apoios sociais? Até que ponto é aceitável (e até
possivel) recorrer ao outsourcing na concessão dos apoios sociais a
que o Estado se obriga? Estas e outras questões terão que ser
discutidas a nível nacional sob pena de não ser legítimo decidir sobre
elas. Caberá a todos os que não estejam a apostar na desagregação do
Estado dar o seu contributo. A crise transformou a sua resolução num
designio nacional.
Entalado entre as duas grandes facções
ideológicas que hoje compõem o actual partido socialista, o líder
alternativo debate-se no dilema de optar por subir ao poder a curto
prazo, empurrado por eleições incertas resultantes da queda do actual
governo por ele provocada, ou dar o seu apoio ao antigo companheiro de
luta juvenil, permitindo assim que ele saneie democraticamente o país,
voltando a criar condições mais favoráveis e mais cómodas para
governar para o seu sucessor, que será naturalmente o actual líder
socialista. Tarefa ingrata para o jovem Seguro que, fazendo jus ao
nome, prefere manifestamente não arriscar a cabeça numa jogada incerta
e perigosa, mas que é obrigado a fazer voz grossa pelos dinosauros
socialistas que, com o velho confuso e sempre superficial Soares à
cabeça, o empurram diariamente para o precipicio. Alea jacta est e
mais do que a Passos ou a Portas, será a Seguro a quem caberá a
responsabilidade de fazer sair este belo e aprazivel país deste
caminho atroz em direcção aos infernos, para onde os governantes
anteriores (a maior parte deles xé-xés, fugidos, desaparecidos ou de
pulseira electrónica) nos empurraram, enchendo-se a si próprios e aos
seus amigos de dinheiro roubado ao povão enganado.
ALBINO ZEFERINO 1/11/2012
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