terça-feira, 31 de janeiro de 2017

O HIATO


          O normal desenvolvimento do mundo aponta para um cada vez maior acesso aos beneficios civilizacionais duma cada vez maior percentagem ou fatia da população em geral. Se ainda hoje a maioria da população mundial vive em estado de carência material, o certo é que, ano a ano, ou melhor, década a década, ou ainda mais nitidamente, século a século, se vai notando um maior acréscimo de pessoas que se vão aproximando de niveis de vida mais desafogados e portanto mais humanos.
Tudo isto à custa da cedência de situações de privilégio de que alguns vão gozando. E não se diga que cada vez os ricos são mais ricos porque, sendo isso verdade, a tendência natural é para uma igualitarização social dos niveis de vida dos humanos em geral. Comparem-se os niveis de vida nos tempos da Idade Média com os do Iluminismo e os do Absolutismo com os do Liberalismo. Quero com isto dizer que o mundo caminha para um socialismo moderado onde todos têm acesso a tudo e obedecem ao mesmo big brother. Um pouco como Orwell nos escrevia no seu 1984, há quase 100 anos atrás.
          Com a queda do ilusório periodo comunista que este ano cumpre os 100 anos, as politicas deixaram de se dividir entre o poder democratico representativo e o chamado poder directo ou popular. Das ditas republicas populares ou democraticas ou populares-democraticas (como Argelia, Angola, Moçambique, Congo, Alemanha do Leste, Venzuela, Bolivia, etc. etc.) só ainda subsistem teimosamente Cuba e a Coreia do Norte, prestes a soçobrar perante a onda liberalizadora que a perestroika e a posterior queda do muro de Berlim representaram. Hoje em dia, só a democracia representativa assente no voto livre e universal contam na politica dos países ditos civilizados. Como cada vez há mais votantes oriundos das classes mais baixas e mais desfavorecidas, verifica-se geralmente que, independentemente do partido ou grupo que vença as eleições, a politica a seguir nunca é selectiva nem centrada numa só linha, mas sim virada para todos e tendencialmente favorável à maioria vencedora. Nos discursos de vitória ouve-se sempre dos candidatos vencedores que serão os lideres de todos e não apenas que governarão só para alguns.
          Desta vez, nos EUA, o candidato vencedor das recentes eleições presidenciais não disse que seria o presidente de todos os norte-americanos. Pelo contrário, acentuou que iria combater as iniquidades sociais dos seus antecessores e que iria promover a grandeza da América assente na riqueza e no desenvolvimento do país, baixando os impostos e investindo em infra-estruturas, onde alguns ricos poderão enriquecer ainda mais. Trump representa assim um hiato, uma paragem no caminho em direcção ao socialismo, que os governos de Clinton e de Obama personificaram. Em Portugal pouco se atentou neste processo esquerdizante dos norte-americanos nas ultimas décadas pós-Reagan (mesmo Bush, pai e filho, pouco fizeram para inverter essa tendência) porque o nosso processo politico, inspirado e dinamizado pelo 25 de abril, não permitiu enxergar com precisão esses movimentos considerados naturais ou normais num processo lento e sistematico de escorregamento à esquerda, realizado durante anos seguidos de administrações democráticas nos EUA.
          E não se diga que esse deslizamento correspondeu à vontade socializante da maioria do povo americano, porque não foi. Bem pelo contrário, a progressiva conquista da maioria do Congresso norte-americano por parte dos republicanos durante o segundo termo de Obama, correspondeu a uma reacção popular contra essa socialização (da qual o Obamacare foi a marca mais visivel) e da qual a vitória presidencial de Trump foi o corolário natural. Com a eleição de Trump os americanos quiseram deixar claro que não desejavam uma governação orweliana para o seu país, embora reajam contra alguns excessos precoces dum presidente troglodita cheio da sua importancia e do poder que lhe foi confiado. Se Trump conseguir chegar ao fim do seu mandato, será recordado como tendo sido um hiato num processo reformador iniciado por Bill Clinton e prosseguido com ardor e demasiado entusiasmo por um Obama convencido que deixaria a Casa Branca em ombros. Não foi assim porque Trump não deixou. No meio de beijinhos e de presentes, não perdeu uma oportunidade para recriminar a obra socializadora do seu predecessor duma forma até agreste e desporporcionada. Obama ficou vexado ao ponto de se ter perfilado para voltar ao poder logo que possivel. A sua pouca idade e a ausencia de candidato democratico ganhador na próxima contenda a isso o animam.
          O hiato que Trump representa poderá contudo constituir uma viragem essencial no processo politico norte-americano. Desde Andrew Jackson, em 1824, que nenhum outro presidente norte-americano tão pouco deveu ao establishment. Trump foi eleito para precisamente reformar essse establishment considerado por muitos (mesmo alguns democraticos) como forma de self-serving way, o que lhe aumenta a liberdade de acção. Por outro lado, a retórica do novo presidente americano de que é necessário voltar a controlar as fronteiras parece ir ao encontro do sentimento de muitos cidadãos não apenas nos EUA mas tambem na Europa. A ameaça do terrorismo joga aqui um papel muito importante no pensamento das pessoas. Por isso aconteceu tambem agora o Brexit e por isso tambem a UE está em crise. Até quando?

                         ALBINO  ZEFERINO                                                31/1/2017

sábado, 28 de janeiro de 2017

A ADAPTAÇÃO DA ESTRATÉGIA NACIONAL FACE AOS NOVOS DESAFIOS


          Desde que Portugal modificou a sua estratégia nacional assente na defesa da manutenção do seu império ultramarino, em resultado da revolução de 25 de Abril de 1974, que passamos a contar com a nossa pertença à NATO para assegurarmos a nossa defesa e segurança nacionais. Tambem no que toca à nossa subsistência económica e financeira, foi a opção da nossa adesão à então CEE que passou a garantir a nossa sobrevivência como país soberano e independente. A NATO e a UE são hoje portanto vitais para Portugal. Não poderemos assim, a meu ver, continuar a viver como país autónomo sem pertencer a estas duas organizações internacionais, essenciais para nós. Sem capacidade militar nem económica e social próprias, Portugal precisa da NATO para se defender de eventuais ataques militares externos e da UE e da sua ajuda económica e financeira para subsistir internamente.
          Partindo deste principio (há muito boa gente que considera que tanto a NATO como a UE e o seu euro são, não só dispensáveis para a nossa sobrevivencia, como até prejudiciais para a sua manutenção), teremos que nos adaptar aos novos desafios resultantes dos dois mais importantes acontecimentos ocorridos já este ano. Refiro-me à estratégia da nova administração norte-americana e à decisão britânica de abandonar a UE. Com a chegada de Trump ficamos a saber que os EUA vão desinvestir na NATO e que a UE vai sofrer um forte abalo com o Brexit. Só quem consiga contribuir substancialmente para a manutenção operacional da NATO poderá contar com os EUA. Duvido que Portugal tenha meios para armar as suas forças armadas em conformidade com os condicionalismos norte-americanos. Tambem a saida prevista do RU da UE irá determinar uma recomposição interna da organização que passará certamente por uma maior integração dos países mais fortes deixando os perifericos mais para trás. Estamos assim numa situação histórica sem precedente, onde os nossos tradicionais aliados no Atlântico e na Europa estão a alterar os termos da sua longa relação com a NATO e com a UE. Estas duas instituições funcionam como o coração e os pulmões do posicionamento estratégico nacional. Teremos pois que adaptá-lo de forma a adequar o nosso país a uma Europa e a um Atlântico em mudança profunda, cientes dos nossos interesses nacionais permanentes.
          Não tendo possibilidades financeiras para pôr as nossas forças armadas ao nivel que se nos exigirá, teremos que usar de outros argumentos para manter Portugal no radar dos EUA e consequntemente da NATO. Os unicos argumentos viáveis neste contexto são os Açores. Com o provável aumento da prontidão das forças norte-americanas no Atlântico será natural que Washington esteja receptiva a abrir negociações em termos mais globais do que a simples utilização da base das Lajes (em desinvestimento, de resto, com Obama). Penso não só em termos de Força Aérea mas tambem em dar facilidades navais aos americanos nos portos açorianos. A posição geo-estratégica dos Açores no meio do Atlântico será sempre um trunfo para quem o queira jogar. Que o diga os chineses, que não desperdiçam uma oportunidade logo que a avistam.
          O Brexit, por outro lado, deixará os britânicos numa situação nova. Se sentirem que os seus velhos aliados estão do seu lado (nas negociações, na diplomacia, nos jornais) poderemos jogar um papel arbitral importante como intermediário útil com os nossos parceiros comunitários e com a Comissão europeia, que decerto não deixarão depois de nos agradecer. É apanágio de Portugal ter esse papel delicado, que normalmente desempenha com sucesso (Timor, Secretário-geral NU, animador da CPLP, etc.). Saibamos aproveitar as nossas qualidades em nosso proveito. Continuarmos ligados aos britanicos, ficando ao mesmo tempo a pertencer ao pelotão da frente da UE seria obra. E que obra!

                  ALBINO  ZEFERINO                                                     28/1/2017


O ESTADO DAS NAÇÕES


          Estamos hoje vivendo uma viragem de época a uma velocidade estonteante. O que ontem era certo, seguro e previsivel é hoje incerto, inseguro e imprevisivel. O brutal radicalismo que a recente mudança de presidente no maior Estado do universo provocou nos cidadãos do mundo, trouxe-lhes uma sensação de vazio dificil de preencher. Habituada à suave alternância no poder americano entre democratas e republicanos, afinal duas faces da mesma moeda, a politica americana transformou-se, com Trump e o Tea Party, num enorme quebra-cabeças que transvasou para o resto do mundo. Já ninguem sabe o que virá dali e que consequencias poderá vir a ter uma eventual alteração nos pressupostos que serviram de base às politicas prosseguidas pelos chamados países ocidentais, ditos capitalistas. Os conceitos socio-politicos básicos sobre os quais foram construidos dezenas de anos de paz e de prosperidade no chamado mundo ocidental no periodo do pós-guerra, parece já não dizerem muito às novas gerações, que privilegiam novas formas de fazer politica sobre os antigos conceitos de democracia e de liberdade que enformaram as doutrinas que até agora exclusivamente foram usadas na condução dos povos ditos livres. A dicotomia conceptual assente entre o nós e o eles, própria dos populismos nacionalistas, e que cada vez mais tem vindo a ser usada pelos lideres politicos ocidentais como propaganda essencial para as suas contendas eleitorais, opõe a organização à anarquia, as regras à liberdade, a moderação ao radicalismo, a honestidade à corrupção, a ordem à revolução, a crença ao agnosticismo, o proteccionismo à solidariedade, a segurança colectiva ao interesse nacional. Ou estás conosco ou estás com eles; não podes abster-te. Assustados com tamanha dicotomia, muitos antigos defensores do comunismo pró-sovietico, habituados à paz podre da cartilha marxista-leninista, têm-se passado de armas e bagagens para os extremismos de direita, unicos que asseguram algum descanso espiritual às suas mentes confusas, formatadas pelas sucessivas lavagens ao cerebro a que foram sujeitas durante a época do marxismo-leninismo, morto e enterrado desde 1989, quando os alemães do Leste, cansados de tanta submissão, resolveram quebrar o muro que os separava da liberdade.

          Os ideais que antes opunham os sociais-democratas aos democratas-cristãos desapareceram para dar origem ao mais pragmático confronto entre os subsidio-dependentes e os auto-suficientes, ou entre os letrados e os iletrados ou até entre os autóctones e os refugiados, já para não referir o fosso existente entre os activos (sobretudo os desempregados) e os reformados (sobretudo os que acumulam reformas). É na exploração destes sentimentos contraditórios que hoje se faz politica, pontual e quotidianamente, sem curar de planear ou de prever a prazo as consequencias de medidas que afectam uns para proteger outros, ou que excluem alguns mais passivos para beneficiarem outros mais activos. Vale hoje mais o politico que exibe coragem ou manha do que aquele que mostra contenção ou seriedade nos seus propósitos. A democracia não se esgota nos seus formalismos, como sejam a realização periodica de eleições livres e justas ou no anuncio pomposo dos seus principios da defesa da liberdade e da igualdade , mas é sobretudo no modo como as pessoas são tratadas pelos seus representantes. Será democrático que se tire àqueles que arbitrariamente se entende terem demais (sem curar de saber qual a origem dessa detenção) para dar aos que têm de menos (sem investigar se a sua situação de penuria não foi culpa do próprio perdulário)? Democracia é o governo do povo. E o povo somos todos nós: ricos e pobres, velhos e novos, homens e mulheres, inteligentes e estupidos, letrados e iletrados, brancos e pretos ou amerelos. Todos temos os mesmos direitos e as mesmas obrigações. Só que uns têm mais direitos do que outros e outros têm mais obrigações do que alguns. Depende de quem governa. Será democratico que se cobre mais a uns do que a outros pela mesma coisa, ou que se exima uns aos beneficios que se concedem a outros? É por estas e por outras razões semelhantes que a democracia está hoje em dia desvalorizada. E quem mais a desvalorizou foram aqueles que mais a apregoaram.

          Quer queiramos quer não é neste mundo novo aquele em que vivemos. O mundo dos Tsirpas, dos Trumps, dos Putins e dos Le Pen. Mas tambem no mundo do Brexit e no das bombas atómicas. Por cá temos a geringonça que continua o seu caminho cada vez mais desengonçada e os mercados à espreita. Sejamos sages (sábios em frances)!

                          ALBINO  ZEFERINO                                                28/1/2017

         

         

quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

AINDA O BREXIT


          Muito se tem dito e escrito sobre um fenómeno previsivel relativamente ao qual apenas faltava por-lhe a data para a sua concretização. Refiro-me naturalmente à saida do Reino Unido da virtuosa união de Estados a que hoje se chama a União Europeia. Criação original de um grupo de iluminados para a reconstrucção dum continente devastado por uma guerra sem quartel, a CEE (designação original), hoje baptizada União Europeia, não é mais do que uma união de Estados que geograficamente compartilham o território europeu e que, antecipando a globalização, se organizaram em comum para enfrentarem os desafios do desenvolvimento do mundo moderno. Esta indispensável e indiscutivel realidade é naturalmente interpretada segundo os interesses e idiossincrasias de cada um dos seus membros, envolvidos ou dependentes de circunstancias distintas uns dos outros mas unidos por um destino comum que é o da pertença a um mesmo comtinente. Se para os britanicos, que lutaram tenazmente contra o invasor nazi há escassos 70 anos evitando a sua integração forçada no tenebroso 3º Reich, é indispensável para a preservação da sua própria unidade a manutenção dum certo estatuto nacional que lhes recorde o sentimento imperial de antanho, para os suecos pouco dirá esse sentimento pois nem na guerra entraram ou dela foram vitimas colectivas e desde sempre se habituaram a partilhar com os vizinhos a virtuosa relação escandinava que hoje constitui exemplo acabado dum são relacionamento entre Estados soberanos e iguais.
          Assumindo pois que a união voluntária dos Estados europeus é uma necessidade que se impõe por si mesma, há que dar aos países o espaço de que precisam para nela se inserirem livremente segundo os seus interesses democraticamente manifestados e aceites e de acordo com os timings que julgarem convenientes para si próprios e para os demais, aceitando ou rejeitando formulas ou procedimentos estandartizados e deixando às imaginações e às oportunidades de cada momento a forma ou a intensidade dessa relação. Nisto consiste a virtude da organização que tão laboriosa e cuidadosamente tem vindo a ser construida há quase um século. E a escolha é multipla. Desde a simples associação (alargada até a Estados vizinhos extra-europeus como o Marrocos e a Argélia) à relação contratual multi-acordos (como é o caso com a Suiça) ou à quase adesão (como acontece com a Noruega) ou até à inexistência de relação formal mas informalmente eivada de alguma cumplicidade (como acontece com a Turquia), todas as formas de aproximação ou de relacionamento institucional são possiveis e desejáveis.
          Facilmente se compreende assim que a um país plurinacional, exemplo único de resistência à união europeia forçada que o 3º Reich personificou, repugne toda e qualquer manifestação de integração imposta por politicas dirigidas por uma Alemanha derrotada na guerra e envolvidas numa burocracia asfixiante e paralisadora de decisões colectivas tomadas de forma pouco democrática. Mas daqui a concluir-se que o Brexit consistiu num acto de rebeldia anti-europeia, fruto de fantasias faragianas ou de desencantos duma burguesia rural descontente, vai um mundo. Os britanicos sempre foram os paladinos da forma democratica de gerir a coisa publica e nunca se deixaram obnubilar por populismos limitadores da expressão livre da vontade colectiva. Se há país defensor de uniões de Estados ou de nações livres e democraticas esse país é a pátria de Thomas Moore e de Shakespeare. O Reino Unido é issso mesmo. Uma união de Nações livres e democráticas sob uma mesma bandeira e com um mesmo soberano (e já agora com uma mesma moeda).
          A mesma determinação e vontade sobressai do discurso proferido ontem em Lancaster House por uma premier voluntariosa e determinada perante os representantes dos Estados Membros da UE mas televisionado para todo o mundo para que se saiba (sobretudo Trump antes da sua posse prevista para este fim de semana) que o Reino Unido nada tem contra a UE, mas que tambem não se dispõe a ficar subalternizado perante politicas que estima prejudiciais aos seus interesses vitais. May disse que o RU não se integraria no mercado unico, mas que desejaria continuar a beneficiar dele. Mas não a todo o custo. A recusa em aceitar a livre circulação de pessoas parece ser definitiva. E até se compreende. Basta passar um fim de semana em Londres para nos apercebermos disso. Agora não pretende expulsar toda a gente que não seja britanica. Os bons, os que contribuem para a grandeza da Grã-Bretanha como uma grande Nação, uma Nação de futuro, progressista e desenvolvida, esses podem ficar. Está visto que os ingleses não perderam o seu proverbial pragmatismo.
          Estou convencido de que as negociações para a saida organizada do RU da UE serão duras e prolongadas (fala-se em dois anos). Mas estou em crer tambem que dessas negociações sairá uma UE mais moderna, mais intervencionista e mais forte. O RU pode sair formamente duma organização de Estados que não foi criada à sua imagem e semelhança, mas tambem creio que não deixará de integrar o nucleo duro dos interesses comuns da Europa como um todo. A UE dos circulos concentricos está em marcha. Serão várias Nações ligadas entre si por interesses diversos, mas todas elas com um mesmo desiderato: engrandecer a Europa das Nações como um todo multi-étnico e multi-cultural.

                          ALBINO  ZEFERINO                                                   19/1/2017

sábado, 14 de janeiro de 2017

A NOVA AMÉRICA DE TRUMP


          Nas vésperas da inauguração do mandato do novo presidente americano julgo oportuno tecer algumas considerações mais detalhadas sobre o que poderá vir a ser, a meu ver, o próximo futuro da nova administração norte-americana.  Depois de 10 anos duma experiencia nova, protagonizada por um brilhante académico de Chicago, negro e liberal, que, sem ter revelado a excepcionalidade dum Jefferson ou dum Kennedy, não deixou de marcar um periodo de alguma distensão, após os anos de confusão de Bush junior e da sua malograda invasão do Iraque.  Entre a não resolução do problema de Guantanamo e o relativo sucesso do Obamacare, Barack Obama deixou a Casa Branca sem o viço que Reagan ou Roosevelt lhe conferiram. Não marcou como muitos desejavam, mas tambem não deixou a América pelas ruas da amargura como outros vaticinavam. Trump foi eleito como reacção à arrogancia dos democratas que, convencidos da vitória da sua candidata, contavam com ela para uma presidencia seguidista, à Clinton, sem chama nem vigor.  Trump. pelo contrário, é uma personalidade polémica, marcante e desafiadora, que assusta, mas que tambem cria expectativas.  Os EUA pós-Obama estão sem chama. O presidente americano cessante não conseguiu aproveitar a oportunidade que a Russia pós-sovietica lhe ofereceu de voltar a por a América a mandar sozinha no mundo. A ascensão de Putin, ambicionando voltar a disputar com os EUA a condução dos destinos do mundo, vai encontrar em Trump um osso mais duro de roer do que foi Obama.  Penso que foi esta a percepção da parte dos eleitores americanos que fez de Trump um ganhador. E o que fará ele para justificar isso?
          O mote que Trump escolheu como definidor da sua politica como futuro presidente norte-americano diz isso mesmo: "Make America Great Again". Como vai ele fazer para que a América recupere a sua grandeza? Primeiramente irá olhar para dentro, tentanto corrigir as falhas (como ele diz) do seu antecessor neste campo. Abandonará as politicas "politicamente correctas" de Obama (protecção das minorias étnicas, promoção das igualdades de genero, ambientalismo, distensão armamentista, alterações energéticas, liberação judiciária, etc.).  A simples observação dos curricula dos seus indigitados próximos colaboradores a isso sugere. A indicação de Steve Bannon como estratega-chefe da Casa Branca, antigo CEO da publicação digital Breitbart News - plataforma para o movimento racista, xenófobo e anti-semita Alt-Right - irá certamente por em pratica medidas de combate ao igualitarismo.  O novo Conselheiro de Segurança Nacional, Michael Flynn, general que chefiou a secreta militar durante a administração anterior e que foi afastado por Obama por ter acusado o presidente de ter fraquejado no Medio-Oriente, será tambem concerteza um motor para uma mais musculada intervenção americana naquela e noutras partes do globo. Tambem James Mattis, outro general - considerado o heroi da batalha de Fallujah, em 2004, no Iraque - será certamente, como novo Secretário da Defesa e chefe das Forças Armadas norte-americanas, outro dos responsáveis pela nova "grandeza" americana.  Noutro registo, o novo Procurador Geral, Jeff Sessions, senador pelo Alabama, tem um passado ensombrado por acusações de racismo, pelo que será de esperar uma justiça mais musculada e menos libertária do que até agora.  E finalmente, Rex Tillerson, CEO da petrolifera Exxon Mobil, amigo pessoal de Putin, será o novo secretário de Estado, ou seja, o responsável pela politica externa, nº 2 do novo governo Trump e o interlocutor privilegiado de Putin.  Como se vê, Trump escolheu os seus futuros colaboradores de acordo com a estratégia que definiu durante a campanha eleitoral.  Desta forma poder-se-á afirmar que Trump pretende engrandecer os EUA voltando aos principios duros dos anos 50, quando a América dominava o mundo, depois da vitória na 2ª guerra mundial e na guerra da Coreia.
           Se quisermos estabelecer uma comparação com os ultimos anos de Obama, poderemos dizer, como Miguel Monjardino, "que Trump defende que a evoluçao da tecnologia e da globalização e as suas consequencias geopoliticas exigem que os EUA adoptem uma grande estratégia nacional diferente da que foi tradicional durante as ultimas decadas. Washington representa um país que vai concentrar a sua atenção e os seus recursos a nivel interno e desenvolver uma nova estratégia para defender os seus interesses e valores".

                ALBINO  ZEFERINO                                                             14/1/2017

terça-feira, 10 de janeiro de 2017

O DESAPARECIMENTO DE MÁRIO SOARES


          Com a morte de Mário Soares aos 92 anos de idade, desaparece mais um importante simbolo do regime em que hoje vivemos e com o qual a maioria dos portugueses se identifica. Sem ter estado directamente envolvido no golpe que deu origem ao actual regime, Soares soube aproveitar a oportunidade que o momento proporcionou para nele se inserir e dele tirar todo o partido por que ansiava há dezenas de anos. Claro está que esta ribalta não foi conseguida sem custos e sem sacrificios. E tambem com coragem. A frustração da perda de amizades antigas, a tristeza da solidão nos momentos dificeis, as duvidas quanto aos caminhos a seguir, os combates contra moinhos de vento teimosos, a sujeição à furia dos desesperados, o combate contra as evidências escondidas, Tudo isto e muito mais mostraram que Mário Soares esteve à altura das suas ambições. Não escondendo as suas limitações, Soares conseguiu manter-se em palco durante quase todo o periodo de duração do regime que personificou. Primeiro como lider do partido mais representativo da nova republica, depois como condutor de governos e de timoneiro esclarecido. Finalmente como simbolo majestático dum país velho de séculos e descobridor de novos mundos.
          Talvez o maior feito de Mário Soares, aquele pelo qual ficará na História deste pequeno e insignificante país à beira mar plantado, tivesse sido o enfrentamento sem tergiversações e com coragem leonina do avanço comunista, que logo despontou nos alvores ainda estonteados duma revolução feita com cravos, tentando puxar para si a condução dum processo ainda confuso e indeciso.
Graças a ele Portugal e os portugueses não se tornaram comunistas federados, como aconteceu com a Cuba de Fidel, ou com os países do Leste europeu durante a guerra fria. Dir-se-à com razão que, sem Eanes e sem Jaime Neves e os seus comandos, Soares nada poderia ter alcançado contra os comunistas de Cunhal, mas o certo é que sem a sua corajosa determinação, o povo ignorante nem teria dado pelo perigoso momento que atravessou. A democracia e os democratas devem-lhe isso.
         Soares era contudo um personagem tipicamente portugues. E tinha orgulho nisso. Gostava de banhos de multidão, embora na intimidade confessasse causarem-lhe enfado. Comia sardinhas com gosto e preferia um carrascão a beber um Bordeaux famoso ou a comer uma deliciosa quiche-lorraine, embora gostasse de presumir junto dos seus, profundos conhecimentos do savoir faire frances. A sua descontração natural, não representando estupidez, levava-o por vezes a cometer gaffes de monta, que nunca o atrapalhavam nem lhe tiravam o sono. Soares era um pandego. Sempre pronto para a brincadeira mas nunca desatento às coisas importantes, o seu faro politico era proverbial e fino. Ficou conhecido por ser um animal politico. Tal como os predadores da selva, atacava com furia e precisão a sua presa e depois não a largava mais. Assim progrediu na politica e assim se tornou no homem que foi. Determinado nos momentos decisivos e descuidado nas coisas insignificantes.
          Muitos portugueses o identificam com a descolonização. Ministro dos Estrangeiros, para aproveitar os seus contactos no exterior no limiar da revolução do 25/4, caiu-lhe a responsabilidade de negociar com os antigos terroristas as descolonizações apressadas pelos militares revolucionários, que desejavam matar rapidamente a causa próxima do seu descontentamento que originara a própria revolução. Aqui Soares não terá tido outro remédio do que seguir as directivas dos militares. Empenhados em que a revolução não descambasse por falta de determinação descolonizadora, o MFA mandou a tropa entregar as armas, escudando-se atrás de Soares a quem encarregaram das falas com os turras. Assim nasceu o opróbio de descolonizador descuidado a Soares. Que foi a sua cara, não há duvida. Mas terá sido o seu coração? Não creio. A descolonização foi um dos fins da revolução (os outros eram a democratização e o desenvolvimento) que não podia ser entregue a outros que não aos próprios militares. Era assunto seu, a guerra tinha sido sua e o fim dela tinha que ser negociado por eles. A Soares não lhe restava senão aceitar o papel de embrulho que terá desmpenhado neste particular. Muitos não lhe perdoam, mesmo aceitando que ele tenha desempenhado apenas esse papel. Mas Soares não poderia ter feito outra coisa. Recusando dar a sua colaboração ao desiderato essencial motivador do golpe, Soares perderia o pé para reclamar fosse o que fosse nos outros objectivos. Como democratizar à europeia (e não à soviética como o PC apregoava e muitos militares revolucionários desejavam)? Como desenvolver o país sem aderir à então CEE (com as suas ajudas de pré-adesão à espera de serem usadas)?
          Mário Soares, mal-criado, às vezes brutal e sem piedade, foi o homem providencial no momento decisivo da nossa viragem. Tudo o resto foi paisagem.

                     ALBINO  ZEFERINO                                                       10/1/2017

domingo, 8 de janeiro de 2017

O BREXIT E O FUTURO DA UNIÃO EUROPEIA


          Um dos factos mais relevantes previstos para este novo ano será o inicio das negociações entre o Reino Unido e a Comissão europeia no âmbito do Brexit.  Inicialmente ainda indecisos e atarantados com o resultado do referendo imprudentemente lançado por Cameron, os britânicos assumiram finalmente que não poderão voltar atrás numa decisão soberana e assim declararam tencionar invocar o famoso artº 50 do tratado de Lisboa lá para Março, dando inicio às negociações tendentes a uma saida negociada (por fases ou por capitulos) da União, onde verdadeiramente nunca se tinham integrado.
          Aparentemente as negociações vão centrar-se em redor de tres pontos fundamentais: o acesso britânico ao mercado unico comunitário; a definição dos acordos comerciais a estabelecer entre o RU e a UE; a liberdade de circulação de pessoas nacionais dos EM e do RU entre os dois novos espaços.  À luz dos tratados comunitários há tres soluções que podem ser ensaiadas. A primeira prevê o acesso ao mercado unico através do espaço económico europeu, que não inclui a agricultura, as pescas, a justiça ou os assuntos internos mas pode abranger a livre circulação de pessoas, exigindo em contrapartida a adopção por parte do RU da legislação europeia relativa ao mercado único e a contribuição regular de fundos para Bruxelas. É a solução à Noruega. A segunda é a solução à Canadá, menos ampla do que a primeira. Consiste num acordo preferencial de livre comercio com enfoque na harmonização de normas e padrões e com acesso ao mercado unico. Uma terceira solução seria a de o RU beneficiar do estatuto de país terceiro com tratamento igualitário a qualquer outro país membro da Organização Mundial do Comércio (OMC) e relação focada no estabelecimento de limites tarifários nos mercados de bens e produtos.  Os britânicos, contudo, prefeririam um estatuto especial que lhes permitisse  continuar em pleno no mercado interno mas em situação de opting out de todos os outros dominios. Esta solução constituiria porem um precedente dificil de gerir se outros países quiserem seguir as pisadas dos britanicos. Não creio que se encontre suficiente apoio da parte dos restantes EM para dar seguimento a esta pretensão.
         Com a perspectiva da UE se vir a tornar cada vez mais uma organização de Nações e menos de Estados, a solução a aprovar terá que ter em conta as sensiblidades geográficas e politicas das fronteiras (vg a situação na Irlanda do Norte depois do acordo de paz), bem como a gestão das expectativas de independência de outros Estados (Escócia com posterior adesão à UE e reunificação das duas Irlandas),ainda será cedo para definir aquilo que será a solução à inglesa.
         O futuro da UE estará assim tão dependente do Brexit como o futuro do próprio RU. A forma como as negociações venham a decorrer, os progressos que se venham a atingir e a forma como ficará desenhada a futura relação entre a UE e o RU serão determinantes para o futuro da Europa como um todo. É minha convicção que a Europa das Nações prevalecerá e que será por aí que se constituirá uma nova União, já não de Estados politicamente independentes e soberanos mas de povos e de nações distintas mas com interesses e projectos comuns. Como noutras ocasiões foram os ingleses que marcaram o futuro. Agora não será diferente. A UE é uma manta de retalhos com tres categorias de povos: os saxões a norte, os latinos a sul e os dois grandes adversários ao centro. Será à volta desta realidade que a nova UE se desenvolverá. Penso eu.

                    ALBINO  ZEFERINO (com a Janus 2017)                           8/1/2017

sábado, 7 de janeiro de 2017

ANO NOVO VIDA NOVA


          Se os castigados portugueses querem gozar neste ano que agora começou, uma vida nova sem mais sacrificios e sem maiores penas, então há que desmascarar esta comédia que o PS e o seu Costa encenaram depois de ter perdido as eleições fingindo tê-las ganho, já vai para mais de um ano. A malfadada e velha Constituição enjorcada à medida do PREC que a elaborou, pelas mãos de alguns vendidos da politica que fingiam procurar redigir um documento liberal (consagrador da liberdade), mas ao mesmo tempo que não fugisse aos ditames revolucionários e a caminho do socialismo que o famigerado Conselho da Revolução vigiliante propugnava (consagrador do dirigismo marxista), permitiu, por não proibir, a constituição da Frente Popular, na qual a governação socialista se tornou ao associar à sua estratégia governativa os dois mais radicais partidos da esquerda portuguesa. Matematicamente falando, os votos associados dos socialistas vencidos com os escassos 20% do eleitorado, que representam a soma dos deputados do Bloco juntamente com os do PCP, a geringonça assegura votações parlamentares formalmente maioritárias que a ajudam a não se desfazer em pedaços, como aparentemente seria normal. A ajuda interesseira do Presidente da Republica, que zela pela recondução com o apoio da metade não socialista do país associada aos gananciosos da esquerda, tem contribuido tambem poderosamente para isso.
          Só que agora a coisa começa a fiar mais fino. O estado lastimoso em que o governo encontrou os bancos portugueses, afogados nos escandalos que os anteriores governos e os seus banqueiros deixaram cair o sector financeiro em Portugal, está a comprometer o instável equilibrio politico que os equilibristas Costa e Marcelo ensaiaram com esta perigosa experiencia. A venda ao desbarato de alguns bancos comprometidos com malparados incobráveis, cuja responsabilidade permaneceu na esfera publica, associada à teimosa determinação em evitar a declaração de falência (fraudulenta) da Caixa Geral de Depósitos e do Novo Banco (resquicio engenhoso do rescaldo da queda aos trambolhões do grupo GES) está a comprometer o equilibrio instável do governo e a aproximar Portugal de uma situação de emergencia financeira próxima da insolvência, que pode levar os nossos parceiros comunitários a nova intervenção ainda mais musculada do que aquela de onde saimos há pouco tempo, empurrando Portugal para uma situação idêntica à da Grécia.
          Com o inicio das negociações do Brexit previstas para este ano, as regras de salvamento por parte da UE dos parceiros em dificuldades tenderão a relaxar e até a serem aligeiradas em termos concretos, deixando os países em dificuldades mais dependentes de si próprios do que anteriormente, ou seja entregues aos bichos como se diria na gíria. E nós sabemos como acabam os pobres quando deixam de receber os subsidios de sobrevivência. Normalmente ficam a morrer nas valetas.
          Esperemos não chegar a esta degradação, mas receio fortemente que, a não ser alterada a situação para a qual caminhamos a olhos cada vez mais vistos, o caminho a fazer durante o ano que agora começará será muito duro e penoso. Não nos iludamos com regressões da austeridade que não trazem nenhum beneficio a ninguem, nem pensemos que a manutenção da actual situação politica será a salvação para os nossos males. Sem esforço, trabalho, perseverança e denodo conseguiremos sair deste fosso, onde anos e anos de poucas vergonhas, de enganos e de roubalheiras nos conduziram. Haja juizo!

                   ALBINO  ZEFERINO                                                           7/1/2017