quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

AINDA O BREXIT


          Muito se tem dito e escrito sobre um fenómeno previsivel relativamente ao qual apenas faltava por-lhe a data para a sua concretização. Refiro-me naturalmente à saida do Reino Unido da virtuosa união de Estados a que hoje se chama a União Europeia. Criação original de um grupo de iluminados para a reconstrucção dum continente devastado por uma guerra sem quartel, a CEE (designação original), hoje baptizada União Europeia, não é mais do que uma união de Estados que geograficamente compartilham o território europeu e que, antecipando a globalização, se organizaram em comum para enfrentarem os desafios do desenvolvimento do mundo moderno. Esta indispensável e indiscutivel realidade é naturalmente interpretada segundo os interesses e idiossincrasias de cada um dos seus membros, envolvidos ou dependentes de circunstancias distintas uns dos outros mas unidos por um destino comum que é o da pertença a um mesmo comtinente. Se para os britanicos, que lutaram tenazmente contra o invasor nazi há escassos 70 anos evitando a sua integração forçada no tenebroso 3º Reich, é indispensável para a preservação da sua própria unidade a manutenção dum certo estatuto nacional que lhes recorde o sentimento imperial de antanho, para os suecos pouco dirá esse sentimento pois nem na guerra entraram ou dela foram vitimas colectivas e desde sempre se habituaram a partilhar com os vizinhos a virtuosa relação escandinava que hoje constitui exemplo acabado dum são relacionamento entre Estados soberanos e iguais.
          Assumindo pois que a união voluntária dos Estados europeus é uma necessidade que se impõe por si mesma, há que dar aos países o espaço de que precisam para nela se inserirem livremente segundo os seus interesses democraticamente manifestados e aceites e de acordo com os timings que julgarem convenientes para si próprios e para os demais, aceitando ou rejeitando formulas ou procedimentos estandartizados e deixando às imaginações e às oportunidades de cada momento a forma ou a intensidade dessa relação. Nisto consiste a virtude da organização que tão laboriosa e cuidadosamente tem vindo a ser construida há quase um século. E a escolha é multipla. Desde a simples associação (alargada até a Estados vizinhos extra-europeus como o Marrocos e a Argélia) à relação contratual multi-acordos (como é o caso com a Suiça) ou à quase adesão (como acontece com a Noruega) ou até à inexistência de relação formal mas informalmente eivada de alguma cumplicidade (como acontece com a Turquia), todas as formas de aproximação ou de relacionamento institucional são possiveis e desejáveis.
          Facilmente se compreende assim que a um país plurinacional, exemplo único de resistência à união europeia forçada que o 3º Reich personificou, repugne toda e qualquer manifestação de integração imposta por politicas dirigidas por uma Alemanha derrotada na guerra e envolvidas numa burocracia asfixiante e paralisadora de decisões colectivas tomadas de forma pouco democrática. Mas daqui a concluir-se que o Brexit consistiu num acto de rebeldia anti-europeia, fruto de fantasias faragianas ou de desencantos duma burguesia rural descontente, vai um mundo. Os britanicos sempre foram os paladinos da forma democratica de gerir a coisa publica e nunca se deixaram obnubilar por populismos limitadores da expressão livre da vontade colectiva. Se há país defensor de uniões de Estados ou de nações livres e democraticas esse país é a pátria de Thomas Moore e de Shakespeare. O Reino Unido é issso mesmo. Uma união de Nações livres e democráticas sob uma mesma bandeira e com um mesmo soberano (e já agora com uma mesma moeda).
          A mesma determinação e vontade sobressai do discurso proferido ontem em Lancaster House por uma premier voluntariosa e determinada perante os representantes dos Estados Membros da UE mas televisionado para todo o mundo para que se saiba (sobretudo Trump antes da sua posse prevista para este fim de semana) que o Reino Unido nada tem contra a UE, mas que tambem não se dispõe a ficar subalternizado perante politicas que estima prejudiciais aos seus interesses vitais. May disse que o RU não se integraria no mercado unico, mas que desejaria continuar a beneficiar dele. Mas não a todo o custo. A recusa em aceitar a livre circulação de pessoas parece ser definitiva. E até se compreende. Basta passar um fim de semana em Londres para nos apercebermos disso. Agora não pretende expulsar toda a gente que não seja britanica. Os bons, os que contribuem para a grandeza da Grã-Bretanha como uma grande Nação, uma Nação de futuro, progressista e desenvolvida, esses podem ficar. Está visto que os ingleses não perderam o seu proverbial pragmatismo.
          Estou convencido de que as negociações para a saida organizada do RU da UE serão duras e prolongadas (fala-se em dois anos). Mas estou em crer tambem que dessas negociações sairá uma UE mais moderna, mais intervencionista e mais forte. O RU pode sair formamente duma organização de Estados que não foi criada à sua imagem e semelhança, mas tambem creio que não deixará de integrar o nucleo duro dos interesses comuns da Europa como um todo. A UE dos circulos concentricos está em marcha. Serão várias Nações ligadas entre si por interesses diversos, mas todas elas com um mesmo desiderato: engrandecer a Europa das Nações como um todo multi-étnico e multi-cultural.

                          ALBINO  ZEFERINO                                                   19/1/2017

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