sábado, 28 de janeiro de 2017

O ESTADO DAS NAÇÕES


          Estamos hoje vivendo uma viragem de época a uma velocidade estonteante. O que ontem era certo, seguro e previsivel é hoje incerto, inseguro e imprevisivel. O brutal radicalismo que a recente mudança de presidente no maior Estado do universo provocou nos cidadãos do mundo, trouxe-lhes uma sensação de vazio dificil de preencher. Habituada à suave alternância no poder americano entre democratas e republicanos, afinal duas faces da mesma moeda, a politica americana transformou-se, com Trump e o Tea Party, num enorme quebra-cabeças que transvasou para o resto do mundo. Já ninguem sabe o que virá dali e que consequencias poderá vir a ter uma eventual alteração nos pressupostos que serviram de base às politicas prosseguidas pelos chamados países ocidentais, ditos capitalistas. Os conceitos socio-politicos básicos sobre os quais foram construidos dezenas de anos de paz e de prosperidade no chamado mundo ocidental no periodo do pós-guerra, parece já não dizerem muito às novas gerações, que privilegiam novas formas de fazer politica sobre os antigos conceitos de democracia e de liberdade que enformaram as doutrinas que até agora exclusivamente foram usadas na condução dos povos ditos livres. A dicotomia conceptual assente entre o nós e o eles, própria dos populismos nacionalistas, e que cada vez mais tem vindo a ser usada pelos lideres politicos ocidentais como propaganda essencial para as suas contendas eleitorais, opõe a organização à anarquia, as regras à liberdade, a moderação ao radicalismo, a honestidade à corrupção, a ordem à revolução, a crença ao agnosticismo, o proteccionismo à solidariedade, a segurança colectiva ao interesse nacional. Ou estás conosco ou estás com eles; não podes abster-te. Assustados com tamanha dicotomia, muitos antigos defensores do comunismo pró-sovietico, habituados à paz podre da cartilha marxista-leninista, têm-se passado de armas e bagagens para os extremismos de direita, unicos que asseguram algum descanso espiritual às suas mentes confusas, formatadas pelas sucessivas lavagens ao cerebro a que foram sujeitas durante a época do marxismo-leninismo, morto e enterrado desde 1989, quando os alemães do Leste, cansados de tanta submissão, resolveram quebrar o muro que os separava da liberdade.

          Os ideais que antes opunham os sociais-democratas aos democratas-cristãos desapareceram para dar origem ao mais pragmático confronto entre os subsidio-dependentes e os auto-suficientes, ou entre os letrados e os iletrados ou até entre os autóctones e os refugiados, já para não referir o fosso existente entre os activos (sobretudo os desempregados) e os reformados (sobretudo os que acumulam reformas). É na exploração destes sentimentos contraditórios que hoje se faz politica, pontual e quotidianamente, sem curar de planear ou de prever a prazo as consequencias de medidas que afectam uns para proteger outros, ou que excluem alguns mais passivos para beneficiarem outros mais activos. Vale hoje mais o politico que exibe coragem ou manha do que aquele que mostra contenção ou seriedade nos seus propósitos. A democracia não se esgota nos seus formalismos, como sejam a realização periodica de eleições livres e justas ou no anuncio pomposo dos seus principios da defesa da liberdade e da igualdade , mas é sobretudo no modo como as pessoas são tratadas pelos seus representantes. Será democrático que se tire àqueles que arbitrariamente se entende terem demais (sem curar de saber qual a origem dessa detenção) para dar aos que têm de menos (sem investigar se a sua situação de penuria não foi culpa do próprio perdulário)? Democracia é o governo do povo. E o povo somos todos nós: ricos e pobres, velhos e novos, homens e mulheres, inteligentes e estupidos, letrados e iletrados, brancos e pretos ou amerelos. Todos temos os mesmos direitos e as mesmas obrigações. Só que uns têm mais direitos do que outros e outros têm mais obrigações do que alguns. Depende de quem governa. Será democratico que se cobre mais a uns do que a outros pela mesma coisa, ou que se exima uns aos beneficios que se concedem a outros? É por estas e por outras razões semelhantes que a democracia está hoje em dia desvalorizada. E quem mais a desvalorizou foram aqueles que mais a apregoaram.

          Quer queiramos quer não é neste mundo novo aquele em que vivemos. O mundo dos Tsirpas, dos Trumps, dos Putins e dos Le Pen. Mas tambem no mundo do Brexit e no das bombas atómicas. Por cá temos a geringonça que continua o seu caminho cada vez mais desengonçada e os mercados à espreita. Sejamos sages (sábios em frances)!

                          ALBINO  ZEFERINO                                                28/1/2017

         

         

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