Chegou por fim o dia do leilão. A casa encheu-se de gente desconhecida, a maioria mal vestida e grosseira, afivelando caras patibulares, sem lhe ligarem nenhuma e ignorando a sua presença. O leiloeiro começou a licitação sem pedir sequer licença à senhora que, indignada, se sentou numa cadeira como se de mais uma cliente se tratasse. A licitação seguia monótona e á tarde, já a maioria das coisas tinha sido vendida. Os preços não tinham ultrapassado percentagens ridiculas do valor que a velha senhora supunha valerem as peças de familia, no meio das quais ela se habituara a viver toda a sua vida. O sobrinho, pretextando compromissos inadiáveis, nem comparecera ao leilão. No fim da sessão o leiloeiro despede-se cerimoniosamente da senhora, agradecendo e abandona a casa, deixando a velha senhora no meio dos tarecos que já não eram seus. Passeando melancolicamente entre cadeiras, mesas, aparadores, camas, tapetes, quadros, bibelots de familia, sofás e materiais de cozinha, a velha senhora parava, afagando já com saudade, alguns dos objectos vendidos. Até que, de repente, o céu de lua cheia escurece e uma enorme e pesada chuvada desaba sobre a cidade, como se estivesse em África. A velha senhora assusta-se com a violencia do temporal, pensando porem que deveria ser coisa de pouca dura, tal era a força com que a chuva caía. Contudo, em vez de sossegar, o temporal não amainava, agora acompanhado de raios e trovões ameaçadores. A velha senhora não sabe o que fazer, quase entrando em estado de pânico. Nisto, a terra começa a tremer, primeiro devagarinho, mas depois com violencia, fazendo abanar chão e paredes. O terramoto não pára até que a casa começa a desabar, primeiro uma parede, depois outra, mas logo a seguir toda a estrutura da casa desaba sobre si mesma, engolindo tudo o que se encontrava lá dentro. Antes de perder o conhecimento, a velha senhora ainda tem tempo de gritar: meu Deus, tende piedade de nós.
No dia do enterro da velha senhora poucas pessoas compareceram. A maioria eram desconhecidos, talvez credores. Do sobrinho, nem sombra, dizem que fugira para o estrangeiro. Na pedra tumular, sobre a campa rasa, a Assembleia de Freguesia mandara gravar: " Aqui jaz Portugal, ilustre Senhora deste mundo-cão".
ALBINO ZEFERINO 30/7/2011
Sem comentários:
Enviar um comentário