segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Salvem os cidadãos antes dos bancos!

James K. Galbraith,  Aurore Lacq

A crise da zona euro é uma crise bancária que assumiu a forma de uma série de crises de
dívida soberana. Uma crise agravada por ideias económicas reaccionárias, por uma
arquitectura defeituosa e um clima político tóxico. Como a crise americana, a crise da
zona euro é o resultado de empréstimos laxistas destinados a devedores de fracos
rendimentos: a habitação em Espanha, o imobiliário comercial na Irlanda, o sector
público na Grécia. Os bancos europeus beneficiaram com os efeitos de alavancagem
oferecidos pelos activos tóxicos americanos.
 Quando estes  entraram em colapso, os bancos decidiram livrar-se das obrigações dos
Estados mais débeis em benefício dos mais fortes a fim de  preservarem a  respectiva
rentabilidade, o que mergulhou a União Europeia na crise.

Neste tipo de crise, o primeiro reflexo dos bancos é o de fingir surpresa antes de
culparem os seus clientes pela sua imprudência ou, mesmo, pelas suas batotas. Isto
escamoteia o facto de que, durante muito tempo, os banqueiros concederam
empréstimos com demasiada facilidade, com a intenção de embolsarem comissões
generosas. Esta estratégia de defesa dos bancos funciona muito melhor na Europa que
nos Estados Unidos, devido às fronteiras nacionais que separam devedores de credores e
às  ligações entre os dirigentes  políticos e os grandes bancos nacionais que, de repente,
nem sequer hesitam em difundir estereótipos racistas.

Nos fundamentos deste poder bancário, encontra-se uma corrente de pensamento que
considera os  excedentes (superavits) como um sinal de virtude e considera os défices
um vício, um fetichismo da desregulamentação, das privatizações e dos ajustamentos
pelo mercado. O norte da Europa realmente tem esquecido que uma integração
económica tem sempre como corolário a concentração da indústria nas regiões mais
ricas.

A Alemanha e agora também a França estão, neste momento,  armadas em professores
dos países endividados: rigor salarial, cortes orçamentais. Lições que se tornaram
injunções do Fundo Monetário Internacional e do Banco Central Europeu (BCE): os
novos mendigos endividados já não vivem em democracia.

A arquitectura da zona euro agrava a crise de duas maneiras: antes do mais, os fundos
estruturais são demasiado débeis para corrigirem as desigualdades regionais e os
respectivos desembolsos estão bloqueados, porque as condições de co-financiamento
são difíceis de preencher. Faltam também os mecanismos inter-regionais de
redistribuição para as famílias, como aqueles que existem nos Estados Unidos:
reformas, Medicare, Medicaid, etc.
Em seguida, o BCE recusa resolver esta crise através da compra de títulos dos países
fragilizados – em nome do princípio segundo o qual ajudar estes Estados é, no fundo,
incentivá-los a endividarem-se, um argumento reforçada pelos temores de inflação. A
zona euro preferiu, portanto,  lançar-se na criação de um gigantesco CDO (título de
dívida colateralizados - Collateralized Debt Obligation) designado por Fundo Europeu
de Estabilidade Financeira.

Todavia, existem soluções técnicas, por exemplo, a "modesta proposta" de Yanis
Varoufakis (Professor de economia, Universidade de Atenas) e de Stuart Holland
(antigo parlamentar britânico e professor na Faculdade de Economia da Universidade de
Coimbra) que sugere converter até 60% do PIB da dívida de cada um dos países da zona
euro em títulos europeus emitidos pelo BCE (eurobonds), de recapitalizar e de
europeizar o sistema bancário e de lançar um New Deal através do Banco Europeu de
Investimento. Pode-se também pensar em estabelecer um “direito à falência nacional”
(Raffer. Kunibert), em fazer do BCE um "grupo público para o serviço de interesse
geral e do desenvolvimento" como a Caisse de dépôts (Thomas Palley) ou ainda lançar
um imposto sobre os lucros dos bancos (Jan Toporowski).
Destas ideias muito boas, nenhuma verá a luz do dia. Porque na Europa, os termos do
debate estão hermeticamente fechados às novas ideias, porquanto a sobrevivência
política assenta na capacidade de "arrumar a casa" no que toca às  contas públicas. Tudo
é feito para não enfrentar a realidade: a crise bancária. Cada reunião europeia conduz à
adopção de submedidas pérfidas e de verdadeiras fugas para a frente. Quanto ao destino
dos países mais fracos, é quando muito considerado como um dano colateral, ou mesmo
como um mal necessário.

A Grécia e a Irlanda estão em vias de ficarem destruídas. Portugal e a Espanha estão em
farrapos, a crise propaga-se à Itália e a França debate-se para tentar retardar a perda da
sua notação AAA. Se houvesse uma forma simples de sair do euro, a Grécia já o teria
feito. O único país que poderia optar por esta via é a Alemanha.

Para os outros, trata-se de escolher entre o cancro ou um ataque cardíaco, a menos que
haja uma mudança radical na Europa do Norte  mas  nenhum dos partidos socialistas
alemão ou francês está  em condições de aceder ao poder, ou é capaz de a proporcionar.
Então, caminha-se para uma explosão social, acompanhada de um pânico financeiro e
de um retorno inexorável da emigração. Resta apenas poder contar com a capacidade
dos cidadãos europeus em se defenderem.

Não façam o mesmo erro histórico do que nós. Quando os Estados Unidos decidiram
intervir no Iraque, a velha Europa não hesitou em dizer que o nosso país cometia um
erro. Isto foi um alívio para os adversários da guerra, mas uma afronta para o governo.
Hoje, é um americano da velha América, a da guerra civil, a do New Deal, que tenta
dizer aos seus amigos europeus que  estão a cometer um erro histórico ao recusarem-se
a ouvir ideias de bom senso, quer dizer enfrentarem uma  situação excepcional.


James K. Galbraith,  Aurore Lacq, Sauvez les citoyens avant les banques !
James K. Galbraith,  economista, Aurore Lacq, economista, Institut Veblen.

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