domingo, 28 de outubro de 2012

QUANDO ACABARÁ A CRISE?

Cansado da austeridade que a presente crise lhe 
tem imposto, o povo portugues pergunta-se, cada vez com mais 
veemência, quando acabará esta maldita crise que lhe consome a alma, o 
espírito e ainda os poucos patacos que os portugas amealharam com 
sacrificio. Em principio estava previsto que acabaria no final do 
programa de ajuda financeira que nos está a ser aplicado pela famosa 
troika de que tanto se fala, lá para finais do próximo ano. Mas dadas 
as reacções (incompreensivelmente inesperadas por parte da população 
em geral) já há quem defenda a necessidade de novo plano de resgate 
para nos pôr em condições de regressar aos mercados. É que as medidas 
inicialmente previstas no actual plano não têm sido integralmente 
cumpridas, o que irá forçar a tomada de medidas ainda mais drásticas a 
fim de erradicar de vez este espantalho que nos impede de normalizar 
as nossas vidas. 
A coisa porém não é simples, antes parecendo, pelo 
contrário, configurar uma situação a que os americanos chamam de 
"catch 22", ou seja em portugues vernáculo, preso por ter cão e preso 
por não ter. Explico-me. Sem que se tenham efectuado as reformas 
estruturais no tecido económico e social portugues, não será possivel 
diminuir a despesa publica necessária para se atingirem os valores do 
deficit orçamental e da dívida publica previstos no tratado de 
Schengen, ao qual orgulhosamente aderimos há mais de 15 anos. As ditas 
reformas só serão efectivamente possiveis de realizar se 2/3 dos 
deputados da Assembleia da Republica estiverem de acordo com elas e 
com a forma de as fazer. Como o actual governo não possui 2/3 dos 230 
deputados e os restantes partidos insistem em se opôr às tais reformas 
(espantosamente até o partido socialista, que não só negociou a 
entrada de Portugal em Schengen, como pediu formalmente a ajuda da 
troika) não será possivel sair sem dor deste imbróglio. 
O que poderá ocorrer então? Cá para mim uma de 
duas coisas, ambas terriveis, que irão dar cabo de vez deste jardim à 
beira mar plantado. Ou o presidente dissolve a Assembleia depois de 
verificada uma irregularidade no funcionamento das instituições (a ele 
competirá fazer essa avaliação) e convoca eleições legislativas 
antecipadas, das quais resultará uma vitória do PS que aliado ao BE 
formará um governo que tentará renegociar um novo programa de ajuda 
com a troika mas sem as condicionantes reformadoras do actual, o que a 
mim me parece impossivel de conseguir, pois sem as reformas feitas não 
virão mais ajudas; Ou as reacções populares às actuais medidas 
previstas no projecto de orçamento do Estado para 2013 serão de tal 
maneira violentas, que provocarão uma reacção contra-revolucionária 
que fará interromper de imediato as ajudas financeiras internacionais 
que nos têm feito viver até agora. Qualquer destes cenários 
determinará uma suspensão da ajuda financeira da troika e uma eventual 
saída de Portugal do euro (e da UE), lançando-nos numa anarquia social 
que nos fará recuar dezenas de anos no nosso estatuto civilizacional e 
nos colocará à mercê de grupos de pressão menos escrupulosos (veja-se 
o caso da Guiné-Bissau) ou de países que nos queiram usar como 
lixeiras ou modelos de experimentações. 

ALBINO ZEFERINO 
28/10/2012 

terça-feira, 23 de outubro de 2012

A INSTITUIÇÃO MILITAR

Nestes tempos de incerteza em que vivemos tem-se 
falado muito das Forças Armadas como garantia da manutenção de uma 
situação política e social em que a maioria dos portugueses se sente 
confortável e portanto lhe interessa que não venha a ser posta em 
causa. Não partilho desta opinião, não tanto por qualquer desejo de 
que a actual situação se altere mas sobretudo porque entendo que as 
Forças Armadas não devem imiscuir-se na vida politica interna dos 
Estados a que pertencem. Infelizmente a nossa história tem sido fértil 
em casos onde a ordem estabelecida tem sido coercivamente alterada por 
acção das suas Forças Armadas, o que faz crer ao imaginário portugues 
que a existencia dessas forças é indispensável para a manutenção da 
ordem no território nacional. Nada de mais errado. Como os próprios 
militares têm vindo a afirmar, não se deverá confundir Forças Armadas 
com Forças de Segurança. É a estas a quem compete manter a ordem 
publica e fazer cumprir as leis. Numa democracia evoluida (como é o 
caso das democracias europeias) que é condição indispensável para que 
um país faça parte da União europeia, as respectivas Forças Armadas 
limitam-se a representar o vector coercivo das soberanias nacionais, 
apenas dentro dos limites de cada uma dessas soberanias. Do mesmo modo 
que o Chefe do Estado, o governo e o Parlamento apenas exercem as 
funções soberanas que lhes estão cometidas apenas no âmbito da 
soberania nacional que representam. Ou seja, quanto mais ampla for a 
soberania, mais latos serão os poderes dos seus orgãos e dos seus 
agentes. 
Com a intervenção estrangeira em Portugal a 
soberania portuguesa ficou limitada. Passamos a ser considerados um 
país intervencionado, ou seja,sujeito a uma acção de intervenção 
estrangeira (neste caso por parte de tres organizações internacionais 
das quais Portugal faz parte). Se a nossa soberania foi limitada (ou 
seja não podemos fazer o que nos vai na cabeça sem perguntar) tambem a 
acção das Forças Armadas ficou limitada. Mas perguntar-se-á: Limitada 
como? Em que medida? Pois limitada na sua capacidade financeira, que é 
como quem diz, com menos dinheiro para realizar o cumprimento das suas 
missões. E quais são essas missões? Representar coercivamente a 
soberania nacional, quer em território nacional (exercitando-se e 
desfilando) quer no estrangeiro (participando em exercicios militares 
conjuntos ou em acções internacionais de manutenção da paz). 
Á medida em que as soberanias nacionais se forem 
diluindo numa soberania supranacional como a que a União europeia está 
construindo, os orgãos de soberania estaduais vão progressivamente 
cedendo aos órgãos comunitários os seus poderes soberanos (ex. moeda, 
politicas comuns, representação externa, defesa, etc.) integrando os 
seus agentes nesses orgãos supranacionais que são constituidos por 
nacionais dos Estados Membros. A instituição militar portuguesa deverá 
assim, a meu ver, ir preparando os seus efectivos para este novo 
desiderato, como forma de acompanhar o esforço da sociedade civil na 
busca de um melhor modo de vida integrado num espaço politico maior, 
mais forte e produtivo, onde a acção das Forças Armadas possa ser mais 
util e produtiva. 

23 Outubro 2012

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

A CARREIRA DIPLOMÁTICA

Agora que tanto se fala de estratégia nacional, 
resolvi tecer algumas considerações sobre a carreira diplomática - 
orgão que dela depende como seu instrumento privilegiado - 
constituido por individualidades especialmente treinadas e habilitadas 
para o efeito. Não sendo um especialista do métier (como 
correspondente diplomático fui apenas um elemento adjuvante, embora 
atento, dessa excelsa organização de crânios que constitui o chamado 
corpo diplomático portugues). 
Muito exigente na admissão formal, a carreira 
diplomática portuguesa é hoje considerada um corpo do Estado 
especialmente vocacionado para lidar com estrangeiros junto de quem 
representa o Estado portugues na sua mais lata expressão soberana. 
Pressupõe além de um especial conhecimento de qual seja a estratégia 
nacional em cada momento, a carreira diplomática exige ainda vastos 
conhecimentos sobre politica nacional e internacional por parte dos 
seus membros e uma compostura pessoal irrepreensivel que permita o 
desenvolvimento construtivo das relações com os demais agentes 
nacionais e estrangeiros. Os chamados diplomatas são (ou devem sê-lo) 
a lídima expressão da soberania do Estado em terras estrangeiras, 
traduzindo com o seu saber e a sua postura cívica o país que 
oficialmente representam em permanencia. Para isso deverão sempre agir 
de forma irrepreensivel e cordata, com competencia e compostura cívica 
em todas as ocasiões. Nem sempre porem se verificam infelizmente estas 
caracteristicas em todos os seus membros e em todas os momentos das 
suas vidas. Fazem parte do anedotário nacional muitas gaffes e 
situações ridiculas protagonizadas por diplomatas (alguns nem isso são 
embora se façam passar por sê-lo) que diminuem aos olhos de quem as 
observa o país que representam (ou que supostamente deveriam 
representar). Por este motivo, os governos escolhem por vezes 
personalidades de fora da carreira para representarem o país que, aos 
seus olhos, melhor cumprem do que os chamados diplomatas de carreira 
os designios para os quais foram chamados. 
Durante o período da monarquia, os diplomatas eram 
pura e simplesmente recrutados maioritariamente de entre a nobreza, 
pois se pensava que os nobres mais ilustrados eram mais capazes de bem 
representar o país do que membros da burguesia ou do povo. Com o 
advento da republica, os diplomatas passaram a ser recrutados de entre 
o pessoal politico republicano e tambem junto dos meios intelectuais. 
Com Salazar começaram a aparecer os amigos politicos incondicionais na 
carreira diplomatica, o que deu origem à criação de uma mentalidade 
salazarista no seio da própria carreira. O 25 de abril abriu os 
horizontes dos novos diplomatas de então, permitindo a entrada na 
carreira de jovens turcos revolucionários que introduziram na carreira 
diplomática a noção de politização da função diplomática. Hoje em dia, 
as escolhas dos diplomatas e as funções para as quais são nomeados 
dependem mais dos seus compromissos politicos do que da sua natural 
aptidão para a função para a qual são nomeados. 
Chegados a este ponto, perguntar-se-á se a 
existencia de uma carreira diplomática sujeita a condicionalismos de 
ordem intelectual e exigindo uma dedicação exclusiva pessoal e 
familiar se justificará, perante uma clara diminuição do papel 
soberano do Estado e a um consequente e descarado aproveitamento 
politico da função. Não seria preferivel começar desde já a preparar 
os nossos diplomatas para o exercicio da função diplomática a nível 
europeu, tentando a atribuição de uma quota para portugueses para 
fazerem parte do Serviço Exterior Europeu com sede em Bruxelas e 
representações em todos os países terceiros? Ou a nomeação politica 
dos embaixadores da Europa continuará a prevalecer com prejuizo de 
uma inteira geração de diplomatas portugueses que, por este andar, 
qualquer dia lutarão entre si por um lugar de secretário na 
Guiné-Bissau ou de conselheiro nas Comores? 


ALBINO ZEFERINO 22/10/2012 

domingo, 21 de outubro de 2012

OS TRABALHOS DE HÉRCULES

Muito trabalho e agruras nos esperam ainda antes 
de podermos respirar de alivio. Estamos neste momento a atravessar o 
Rubicão, ou seja, para trás já não podemos voltar e para a frente o 
caminho ainda está cheio de espinhos e de incertezas. Cada vez menos o 
nosso destino depende de nós mas por outro lado, se nada fizermos, 
cairemos aos trambolhões pela escada do destino abaixo. O que fazer 
então? Continuar trabalhando com aqueles que nos querem ajudar (cá 
dentro e lá fora) e rezar para que os que estão como nós não estraguem 
o nosso trabalho. Refiro-me não só aos outros países intervencionados 
ou a intervencionar (nesses não temos grande capacidade de 
intervenção) mas essencialmente aos nossos conterraneos menos 
esclarecidos ou mais manhosos. Quanto aos primeiros temos que actuar 
com paciencia e perserverança, tentando chamar-lhes a atenção para o 
muito que perderão se não fizerem alguns sacrificios. Quanto aos 
outros é chegar-lhes sem piedade, denunciando e expondo publicamente 
os seus enganosos esquemas e não desarmando na luta pela verdade. 
Temos a sorte de ter um primeiro ministro sério e 
empenhado em fazer-nos sair deste imbróglio onde outros menos honestos 
e menos competentes nos meteram. Ajudemos pois o homem nesta ciclópica 
tarefa que se propôs, porque assim nos ajudamos a nós próprios. Não é 
embarcando imbecilmente nas conversas que diariamente ouvimos nas 
televisões e nos jornais criticando a acção governativa por tudo e por 
nada e repetindo os argumentos falaciosos que os jornalistas e os 
comentadores nos metem pelos ouvidos adentro que ajudamos aqueles que 
até agora se mostraram dispostos a ajudar-nos. A paciencia dessa gente 
já foi maior e receio que, a continuarmos a dar ouvidos aos velhos do 
Restelo que constantemente nos assolam, mais tarde ou mais cedo eles 
nos deixem entregues aos cães. Nessa altura já será tarde para, por 
muito que batamos no peito, alguem de bem nos acuda. 
Vem esta lenga-lenga a propósito da reacção 
desmedida, disparatada e distorcida que a classe jornalistica iniciou 
contra à intenção do governo de acabar com a agencia de noticias Lusa. 
A Lusa é um exemplo típico da forma cobarde, desleixada e 
intencionalmente enganadora dos anteriores governos de lidar com um 
problema herdado do regime anterior. Sucessora da Agencia Nacional de 
Informação do regime anterior, não foi liminarmente eliminada do 
panorama mediático portugues pois era útil ao controlo da informação 
publica nos tempos do PREC. Bastou mudar-lhe de nome, de responsáveis 
e de orientação politica. Mais tarde, com Soares e os que se lhe 
seguiram, ao desleixo generalizado como conduziram o país juntou-se o 
jeito que dava ter aos governos um canal por onde veicular para os 
jornais e televisões as disparatadas medidas que iam tomando e a 
propaganda enganosa com que intoxicaram o pobre e crédulo povo 
portugues. E assim foi criado mais um elefante branco deste regime com 
cada vez mais funcionários de favor que há muito tempo deveria ter 
sido extinto, pois numa sociedade que pretende ser democrática a 
imprensa deve ser livre e não estar sujeita a orientações governativas 
de carácter editorial. Veja-se quem manda hoje na Lusa. A velha 
jornalista comunista Diana Andringa e os seus amiguetes que 
desesperadamente aparecem diariamente nas televisões reclamando contra 
a extinção duma empresa publica que não serve para nada (senão para 
sustentar à custa do orçamento a horda de jornalistas esquerdófilos 
que ninguem quer empregar). 
Outros exemplos como a TAP (viveiro de inuteis 
que ninguem antes teve a coragem de mandar para casa) a PT, a EDP, a 
CGD, a GALP e outras grandes empresas publicas que serviram durante 
anos a fio para empregar os filhos e os afilhados inuteis dos que 
mandaram durante decadas e que hoje gastam milhões do dinheiro que 
pagamos nos impostos para sustentar essa gente. Não seria mais 
proveitoso denunciar estes casos escandalosos, que nenhum primeiro 
ministro anterior teve a coragem de enfrentar usando pelo contrário o 
expediente em proveito próprio dos seus e do dos seus amigos, em vez 
de tentar obstaculizar as medidas corajosas de regeneração publica que 
este governo está empreendendo? 

ALBINO ZEFERINO 
21/10/2012 

A trapeira do Job - José António Barreiros, advogado


Isto que eu vou dizer vai parecer ridículo a muita gente.
Mas houve um tempo em que as pessoas se lembravam, ainda, da época da infância, da primeira caneta de tinta-permanente, da primeira bicicleta, da idade adulta, das vezes em que se comia fora, do primeiro frigorífico e do primeiro televisor, do primeiro rádio, de quando tinham ido ao estrangeiro.
Houve um tempo em que, nos lares, se aproveitava para a refeição seguinte o sobejante da refeição anterior, em que, com ovos mexidos e a carne ou peixe restante, se fazia "roupa velha". Tempos em que as camisas iam a mudar o colarinho e os punhos do avesso, assim como os casacos, e se tingia a roupa usada, tempos em que se punham meias-solas com protectores. Tempos em que ao mudar-se de sala se apagava a luz, tempos em que se guardava o "fatinho de ver a Deus e à sua Joana".
E não era só no Portugal da mesquinhez salazarista. Na Inglaterra dos Lordes, na França dos Luíses, a regra era esta. Em 1945 passava-se fome na Europa, a guerra matara milhões e arrasara tudo quanto a selvajaria humana pode arrasar.
Houve tempos em que se produzia o que se comia e se exportava. Em que o País tinha uma frota de marinha mercante, fábricas, vinhas, searas.
Veio depois o admirável mundo novo do crédito. Os novos pais tinham como filhos uns pivetes tiranos, exigindo malcriadamente o último modelo de mil e um gadgets e seus consumíveis, porque os filhos dos outros também tinham. Pais que se enforcavam por carrões de brutal cilindrada para os encravarem no lodo do trânsito e mostrarem que tinham aquela extensão motorizada da sua potência genital. Passou a ser tempo de gente em que era questão de pedigree viver no condomínio fechado, e sobretudo dizê-lo, em que luxuosas revistas instigavam em couché os feios a serem bonitos, à conta de spas e de marcas, assim se visse a etiqueta, em que abeautiful people era o símbolo de status, como a língua nos cães para a sua raça.
Foram anos em que o Campo se tornou num imenso ressort de Turismo de Habitação, as cidades uma festa permanente, entre o coktail party e a rave. Houve quem pensasse até que um dia os Serviços seriam o único emprego futuro ou com futuro.
O país que produzia o que comíamos ficou para os labregos dos pais e primos parolos, de quem os citadinos se envergonhavam, salvo quando regressavam à cidade dos fins de semana com a mala do carro atulhada do que não lhes custara a cavar e às vezes nem obrigado.
O país que produzia o que se podia transaccionar, esse, ficou com o operariado da ferrugem, empacotados como gado em dormitórios, e que os víamos chegar mortos de sono logo à hora de acordarem, as casas verdadeiras bombas-relógio de raiva contida, descarregada nos cônjuges, nos filhos, na idiotização que a TV tornou negócio.
Sob o oásis dos edifícios em vidro, miragem de cristal, vivia o mundo subterrâneo de quantos aguentaram isto enquanto puderam, a sub-gente. Os intelectuais burgueses teorizavam, ganzados de alucinação, que o conceito de classes sociais tinha desaparecido. A teoria geral dos sistemas supunha que o real era apenas uma noção, a teoria da informação substituía os cavalos-força da maquinaria pelos megabytes de RAM da computação universal. Um dia os computadores tudo fariam, o Ser-Humano tornava-se um acidente no barro de um oleiro velho e tresloucado que, caído do Céu, morrera pregado a dois paus, e que julgava chamar-se Deus, confundindo-se com o seu filho e mais uma trinitária pomba.
Às tantas, os da cidade começaram a notar que não havia portugueses a servir à mesa, porque estávamos a importar brasileiros, que não havia portugueses nas obras, porque estávamos a importar negros e eslavos.
A chegada das lojas-dos-trezentos já era alarme de que se estava a viver de pexisbeque, mas a folia continuava. A essas sucedeu a vaga das lojas chinesas, porque já só havia para comprar «balato». Mas o festim prosseguia e à sexta-feira as filas de trânsito em Lisboa eram o caos e até ao dia quinze os táxis não tinham mãos a medir.
Fora disto, os ricos, os muito ricos, viram chegar os novos ricos. O ganhão alentejano viu sumir o velho latifundário absentista pelo novo turista absentista com o mesmo monte mais a piscina e seus amigos, intelectuais, claro, e sempre pela reforma agrária, e vai um uísque de malte, sempre ao lado do povo, e já leu o New Yorker?
A agiotagem financeira, essa, ululava. Viviam do tempo, exploravam o tempo, do tempo que só ao tal Deus pertencia, mas, esse, Nietzsche encontrara-o morto em Auschwitz. Veio o crédito ao consumo, a Conta-Ordenado, veio tudo quanto pudesse ser o ter sem pagar. Porque nenhum Banco quer que lhe devolvam o capital mutuado, quer é esticar ao máximo o lucro que esse capital rende.
Aguilhoando pela publicidade enganosa os bois que somos nós todos, os Bancos instigavam à compra, ao leasing, ao renting, ao seja como for desde que tenha e já, ao cartão, ao descoberto-autorizado.
Tudo quanto era vedeta deu a cara, sendo actor, as pernas, sendo futebolista, ou o que vocês sabem, sendo o que vocês adivinham, para aconselhar-nos a ir àquele Balcão bancário buscar dinheiro, vendermo-nos ao dinheiro, enforcarmo-nos na figueira infernal do dinheiro. Satanás ria. O Inferno começava na terra.
Claro que os da política do poder, que vivem no pau de sebo perpétuo do fazer arrear, puxando-os pelos fundilhos, quantos treparam para o poder, querem a canalha contente. E o circo do consumo, a palhaçada do crédito servia-os. Com isso comprávamos os plasmas mamutes onde eles vendiam à noite propaganda governamental e, nos intervalos, imbelicidades e telefofocadas, que entre a oligofrenia e a debilidade mental a diferença é nula. E, contentes, cretinamente contentinhos, os portugueses tinham como tema de conversa a telenovela da noite, o jogo de futebol do dia e da noite e os comentários políticos dos "analistas" que poupavam os nossos miolos de pensarem, pensando por nós.
Estamos nisto.
Este fim-de-semana a Grécia pode cair. Com ela a Europa.
Que interessa? O Império Romano já caiu também e o mundo não acabou. Nessa altura, em Bizâncio, discutia-se o sexo dos anjos. Talvez porque Deus se tivesse distraído com a questão teológica, talvez porque o Diabo tenha ganho aos dados a alma do pobre Job na sua trapeira. O Job que somos grande parte de nós.

PORTUGAL E A EUROPA DAS REGIÕES

Aproximando-se o final da crise financeira 
europeia começam a despontar sinais de como ficará a Europa 
comunitária (e não só) no rescaldo deste fortissimo abanão que ameaçou 
a estabilidade do euro e os principios onde este assentava. Duas 
consequencias da maior magnitude se poderão desde já adivinhar: a 
primeira é a criação de uma união bancária que harmonize e fiscalize 
os procedimentos dos bancos que actuam na UE (principais causadores da 
crise) e a segunda é a tendencia separatista de algumas regiões da 
Europa. Dando como adquirida nos seus méritos a primeira 
consequencia, vamos analisar a segunda com um pouco mais de detalhe. 
Animadas pela constatação da incapacidade de 
alguns governos centrais em reagir adequadamente à crise, algumas 
populações autonomistas ameaçaram abertamente desligar-se dos Estados 
onde estão inseridas, reclamando algumas inclusivamente a sua 
independencia. Refiro-me não apenas à Catalunha, ao País Basco e à 
Galiza , mas tambem à Escócia e às regiões flamenga e valã que 
pretendem substituir-se à Bélgica. A recente guerra na ex-Jugoslávia e 
a existencia de um mosaico de povos distintos que proliferam na Europa 
central e do Leste não auguram tambem acalmia neste particular. Creio 
assim que a Europa das Regiões irá ganhar novo folgo com o consequente 
enfraquecimento e até eventual desaparecimento de alguns dos actuais 
Estados. O poder popular concentrar-se-á na base nas regiões onde 
vive, trabalha e vota e no topo nas instituições comunitárias que 
forçosamente se tornarão cada vez mais democráticas (a eleição do 
presidente da Comissão parece-me incontornável, bem como o sistema de 
listas para a eleição dos deputados europeus). 
Como se passarão as coisas aqui na Peninsula 
ibérica? Entalado entre a recusa em pedir a intervenção estrangeira 
para a solução dos seus problemas e os pedidos de apoio financeiro 
apresentados por algumas das autonomias que reclamam maior 
independencia do Estado central, o governo espanhol não terá outro 
remédio senão engolir o seu visceral orgulho nacional e submeter-se a 
um plano da troika como outros países já o fizeram para que os 
mecanismos comunitários possam abrir os cordões à bolsa e inundarem o 
mercado espanhol dos euros que lhes fazem falta. Simultaneamente 
Portugal atravessa nesta altura um período menos feliz no caminho da 
recuperação economica e financeira que deixa alguns observadores mais 
atentos com duvidas quanto à capacidade governativa em conseguir 
reformar o país. As oposições reclamam mais tempo e mais dinheiro como 
se fossem apenas esses os pressupostos para a regeneração do país. 
Não excluo assim que, uma vez formalizado o 
pedido espanhol de apoio à UE, este venha a ser atribuido na condição 
de ser distribuido racionalmente pelas várias comunidades autónomas, 
cujos governos muito contribuiram para o descalabro financeiro do 
Estado com as suas politicas expansionistas e descoordenadas. Poderá 
acontecer que, na sua visão de conjunto, as autoridades comunitárias 
se lembrem de incluir na ajuda espanhola algum dinheiro extra 
destinado às politicas inter-regionais, incluindo Portugal. E assim, 
através de uma ajuda partilhada, as regiões fronteiriças espanholas 
contribuiriam para apoiar as instituições portuguesas da raia (como já 
hoje informalmente acontece - vide hospital Infanta Cristina em 
Badajoz e o Centro de saúde de Valença, p.ex.). A acontecer isto vindo 
de Bruxelas seria o primeiro passo para a criação de politicas 
ibericas compartilhadas através de financiamentos comuns. A co-gestão 
de equipamentos comuns (p.ex. Alqueva, ou as águas fluviais) ou o 
estabelecimento de regras de actuação comuns a várias áreas espanholas 
e portuguesas dariam certamente lugar à interligação politica entre 
regiões espanholas e portuguesas. Não me admiraria que dentro de 
alguns anos (ou meses) as CCR fossem incorporadas nas regiões 
autónomas espanholas com quem fazem fronteira, dando lugar a novas 
regiões europeias mais fortes e mais independentes dos poderes dos 
respectivos Estados centrais, que nalguns casos tenderiam até a 
desaparecer. 

ALBINO 
ZEFERINO 20/10/2012 

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

A PRIVATIZAÇÃO DE PORTUGAL

Portugal está em processo de rápida privatização. 
Faz parte das determinações da troika e resulta do desastre das 
governações anteriores. Não temos outro remédio que não seja vender os 
aneis para que não nos levem os dedos. Se atentarem bem verificarão 
que a soberania portuguesa (ou seja a faculdade de decidir sobre 
aquilo que é nosso) se vai esfumando à medida que vamos vendendo (ou 
seja, privatizando) a terceiros aquilo que era nosso (sejam eles 
individuos, sejam sociedades ou sejam Estados) a troco de dinheiro que 
vai servindo para irmos pagando as nossas dívidas aos estrangeiros. 
Dito de outro modo, estamos entregando os nosssos sectores produtivos 
(aqueles que geram receitas e empregos) aos nossos credores por conta 
do dinheiro que lhes devemos. Mas curiosamente quanto mais 
privatizamos (ou seja, quanto mais coisas lhes vendemos, mais dinheiro 
lhes ficamos a dever). Significa isto que continuamos a gastar 
connosco mais do que deviamos (a dívida externa portuguesa cresce em 
vez de diminuir) e cada vez estamos mais endividados. A continuar este 
caminho, qualquer dia a nossa situação (a situação de cada portugues) 
tornar-se-á de absoluta indigência. Empobrecemos alegremente até à 
completa exaustão. 
Ao fim de ano e meio de intervenção estrangeira em 
Portugal já é possivel ficar com uma ideia mais ou menos clara sobre 
da situação de dependência em que ficaremos. Com a liberalização do 
mercado electrico em 2015, o fornecimento desta energia aos 
portugueses ficará nas mãos ou de empresas espanholas (Endesa ou 
Iberdrola) ou chinesas (EDP). Com a privatização da TAP (agora em 
curso) o transporte aéreo portugues passará (indirectamente) para mãos 
brasileiras. Os milhares de empregados da TAP que se cuidem! Foi 
Gutierres e os seus muchachos que iniciaram este processo com a 
contratação do génio brasileiro Fernando Pinto para a condução deste 
processo que agora acaba. As famosas auto-estradas do Cavaco estão 
hoje em mãos espanholas (Ascendi e construtoras espanholas) ficando 
para a empresa publica portuguesa Estradas de Portugal o encargo da 
sua manutenção. A Brisa dos Melos é sócia minoritária neste sector. Na 
banca, já há tempos que dominam os espanhois (30% do mercado bancário 
portugues está nas mãos de bancos espanhois - Santander, BBVA, BPI, 
banco Popular) e o restante está paulatinamente passando para mãos 
angolanas (BCP, BPN, etc.). Na agricultura, quase todo o regadio 
(sobretudo à volta do Alqueva) pertence a espanhois, tendo o sequeiro 
permanecido nas mãos calejadas dos agricultores portugueses que, 
através da CAP, continuam a reclamar subsidios para a cultura do 
sobreiro, da oliveira e da pera-rocha. A distribuição agro alimentar 
está cada vez mais nas mãos dos holandeses da Unilever (silent 
partners da Jerónimo Martins no Pingo Doce). O imobiliário de 
qualidade é controlado por empresas inglesas (Sotebys, Century21, 
entre muitas outras) e o imobiliário popular pela REMAX americana. O 
turismo que dá dinheiro (ligado ao golf e aos SPA) é anglo-saxónico, 
ficando para operadores portugueses a Costa da Caparica e a praia do 
Moledo do Minho. Os portos (sobretudo Sines, os outros contam pouco) 
são chinêses e coreanos (bem podem os estivadores portugueses 
espernear, que têm os seus dias contados) e os transportes terrestres 
(os que dão dinheiro) vão caindo progressivamente em mãos espanholas 
através da Barraqueiro. Os texteis, o calçado e os vinhos continuam 
maioritariamente em mãos portuguesas mas não sei até quando. 
Como se vê, a situação não é brilhante e receio 
bem que por este andar fiquemos apenas com os tres activos que ninguem 
quer: o SNS, o ensino publico e a segurança social. Tudo o resto será 
mais cedo ou mais tarde propriedade alheia e nós passaremos a 
trabalhar para eles como, quando e do modo que mais lhes convenha a 
eles. 

ALBINO ZEFERINO 19/10/2012