Tomando como certa a chegada a curto prazo a Portugal dos nossos credores transfigurados em FMI para fazerem o que nós deveriamos ter feito para travar a escalada despesista do Estado, creio que a sua acção se irá centrar nos sectores do Estado onde a despesa se revela excessiva e portanto intolerável. Refiro-me em concreto aos sectores da saúde e da educação. Ninguem de boa-fé discutirá as virtudes do Serviço Nacional de Saúde na sua vertente social. Contudo, os seus criadores há mais de 30 anos só se preocuparam em fazer justiça social sem curarem de assegurar as condições financeiras para a sustentação dum tal sistema a longo prazo. Ainda hoje se discute o tema nos Estados Unidos da América, país paladino da democracia e da justiça social, dadas as implicações financeiras que tal assunto suscita. Todos nós no Portugal de hoje nos admiramos quando por desgraça somos forçados a recorrer aos hospitais com a excelencia dos serviços que ali nos são prestados e sobretudo com o carácter tendencialmente gratuito da retribuição financeira que nos é exigida. Esquecemo-nos porem de que os tratamentos a que fomos sujeitos custaram dinheiro e que esse dinheiro veio maioritariamente de emprestimos contraidos pelo Estado. Dirão alguns (sobretudo os agentes da saude, sejam eles médicos, enfermeiros, farmaceuticos e a horda de administrativos pendurados no sistema, todos eles enquadrados pelos respectivos sindicatos devidamente orientados nas centrais sindicais de esquerda, defensoras à outrance das regalias conseguidas nos tempos revolucionários da criação do próprio SNS) que mexer no sistema é inconstitucional porque é anti-social e limitador dos direitos adquiridos revolucionariamente há mais de 30 anos. Outros dirão (a chamada direita iluminada) que se altere a Constituição de forma a enfrentar um problema financeiro provocado por um sistema (teoricamente virtuoso e que funciona) mas que é financeiramente insustentavel, de forma a permitir que a saúde publica seja maioritariamente suportada pelo principio do utilizador - pagador. Como sair disto se a própria Constituição preversamente se auto-limita ao exigir 2/3 dos votos dos deputados para aprovar reformas constitucionais?
Do mesmo modo, a obssessão em prolongar indiscriminadamente o ensino obrigatório (e portanto gratuito) até escalões cada vez mais elevados faz necessáriamente aumentar a despesa do Estado sem que a população escolar retire um beneficio acrescido da sua formação. Dir-se-á que o leitmotiv de tal decisão terá residido mais na preocupação de tirar a juventude das ruas do que em lhe proporcionar uma instrucção mais completa. O aumento exponencial da juventude imigrada (tenha ou não a nacionalidade portuguesa que como se sabe é muito fácil de adquirir em Portugal) relativamente à originaria que frequenta a escola publica é notório, trazendo consigo problemas de ordem publica muito mais mediaticos do que os problemas escolares que a manutenção dessa população nas escolas provoca. O enquadramento da juventude (cada vez mais selvagem por falta de ocupação e de orientação familiar) no sistema escolar em lugar de privilegiar a sua inserção natural no mercado de trabalho atraves do fomento de uma formação profisional de caracter mais prático, se por um lado parece medida acertada, por outro esconde problemas sociais da maior gravidade para o futuro do país, fazendo aumentar indiscriminadamente a despesa publica com a manutenção de estruturas educativas pouco produtivas. A progressiva passagem desta função constitucionalmente publica para organizações mais vocacionadas para o ensino (privadas ou cooperativas) parece ser tambem uma forma de cortar numa despesa a que o Estado se vinculou e da qual não se têm visto resultados compensadores. Mas será fácil alterar o principio constitucional que garante ensino publico gratuto para todos?
Um outro sector relativamente ao qual o FMI não vai ficar indiferente é o das parcerias publico-privadas (vulgo PPP). Concebidas já em periodo de acalmia (portanto não constitucionalizadas) serviam para retirar ao Estado o grosso da despesa em obras publicas mediante a concessão da exploração dos equipamentos ao sector privado a troco de um investimento na construção desses equipamentos. Um exemplo disto foi a construção da rede de autoestradas. Contudo (como tudo em Portugal) houve desvios às regras das PPP com consequencias gravosas para o Estado que se viu forçado a indemnizar (por vezes pelos tribunais) os parceiros privados em quantias elevadissimas e por periodos longos de tempo, por incumprimento voluntário e por vezes doloso das regras contratualizadas (por exemplo a indemnização à FERTAGUS por calculo errado do tráfego ferroviário na ponte 25 de Abril, ou a criação das SCUT que obriga o Estado a indemnizar as concessionárias por cada veículo que passa nas autoestradas sem pagar). Aqui tambem se poderá aplicar o principio do utilizador/pagador, aliviando o Estado de uma fatia substancial da despesa orçamentada. Resta saber como se vai exigir às pessoas que paguem por usar aquilo que lhes foi dito ser de borla e que se habituaram a usar indiscriminadamente.
No campo das reformas do Estado creio tambem haver muito para fazer para poupar dinheiros publicos. A começar pela reforma orgânica do próprio Estado. Se o Estado fôr abandonando a sua intervenção directa na economia nacional (preservando a titulo excepcional participações em empresas que controlam sectores vitais para o funcionamento regular das instituições) já não terá que suportar os gastos de manutenção dos diversos "elefantes brancos" que há anos têm consumido parte substancial do erário público e que cada vez mais só servem de refugio aos boys dos diversos partidos que sucessivamente vão ocupando o poder (ex:TAP, CP, Carris e transportes publicos em geral; CTT, Estabelecimentos prisionais, institutos publicos não essenciais, organismos económicos não reguladores, organismos de apoio social de eficácia duvidosa, institutos educativos desactualizados, hospitais desenquadrados do SNS, etc.etc.). Desta forma, a própria organização governamental poderia ser reesturturada diminuindo o numero de governantes (sobretudo a nível de Secretarias de Estado e de Direcções gerais e de serviços) bem como de deputados e de assessores governamentais e parlamentares que pululam de lugar para lugar procurando mostrar serviço que justifique os seus chorudos salários. Ao reduzir as tarefas inuteis de certas chefias, tambem se reduziria o numero de subordinados que hoje em dia quadriplicam as necessidades do Estado e que consomem 3/4 das verbas orçamentais com os seus salários e demais prebendas inerentes (carros, ajudas de custo, horas extraordinárias, apoios sociais e outros subsidios) que sobrecarregam inconvenientemente o erário publico. Tambem a nível autárquico seria necessário proceder a uma redução semelhante com a eliminação do numero de Câmaras municipais, de vereadores em cada câmara, de assessores e de institutos publicos municipais inuteis e até de Assembleias municipais que em certas autarquias distorcem a democracia, emperrando e distrocendo com negociações espurias as decisões dos conselhos municipais. Tambem aqui não será fácil acabar com os vícios instalados, bastando para isso recordar as reacções populares aos encerramentos dos centros de saude e das escolas ocorridos em vários concelhos do país.
Outro sector não menos sensivel que deverá certamente sofrer investidas por parte dos homens do FMI pelas implicações economico-sociais que provoca será o sector sindical. A excessiva intervenção dos sindicatos na vida económica do país a pretexto da defesa dos chamados direitos sindicais dos trabalhadores, tem tido consequencias perniciosas nos custos da produção, onde a consideração do elemento laboral é excessivamente valorizada face aos outros elementos formadores da relação de produção. A orientação ideologica das centrais sindicais tem dificultado seriamente as negociações em sede de concertação social, não sendo de excluir tentativas de perturbação social caso se verifiquem tentativas de alteração legislativa tendentes a equilibrar as relações de trabalho em desfavor dos trabalhadores. Um adequado reordenamento dos sectores sindicáveis tambem a meu ver se imporá, pois não creio que a existencia de sindicatos em corporações que actuam em áreas dependentes da soberania nacional (por ex. nas magistraturas, nas policias, nas forças armadas ou militarizadas, na diplomacia e até na função publica) possam contribuir para um equilibrado desenvolvimento economico e social do país.
Finalmente e não pretendendo circunscrever o raio de acção que prevejo para a intervenção do FMI em Portugal, mas apenas referir os sectores que a meu ver merecem mais atenção, falta referir a necessária reforma do sistema judicial. A excessiva protecção que a lei portuguesa confere aos arguidos, herdada dos tempos revolucionários quando em resultado de compromissos negociais o sector da Justiça foi entregue ao partido comunista, impede que os julgamentos sejam céleres e équos e portanto justos. Por outro lado, os magistrados (judiciais e procuradores) habituados desde há anos a uma independencia funcional desajustada à administração correcta da justiça, actuam livremente no tempo e no modo. As necessárias alterações legislativas e sobretudo a indispensável redução das prerrogativas dos juizes e procuradores na administração da justiça irão certamente suscitar reacções corporativas que dificultarão uma reforma que todos consideram indispensável para a reforma global que Portugal precisa.
Será que a mais que provável intervenção do FMI em Portugal poderá contribuir para que o nosso pobre mas belo país possa sair deste grave atoleiro em que se encontra? Estou em crer que sim e espero que todos estejam tão optimistas como eu.
Albino Zeferino
17 / 01 / 2011